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Em nota técnica publicada no dia 10 de fevereiro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) detalhou "protocolos de saúde" para que a mineradora canadense Belo Sun possa realizar reuniões para apresentação e validação de seus estudos de impacto ambiental junto a indígenas das Terras Indígenas (TIs) Arara da Volta Grande do Xingu e Paquiçamba (PA) em formato misto, presencial e virtual. Essa decisão ocorre quando o país atravessa o pior momento da pandemia de coronavírus sendo os povos indígenas um dos grupos mais impactados e vulneráveis. Altamira, cidade referência para as duas TIs, já contabiliza 20,1 mil casos e a taxa de ocupação do hospital regional superou 97%.
A expectativa é que com a validação dos estudos do componente indígena do EIA, a Licença de Instalação, suspensa pela Justiça desde 2017, seja novamente emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (Semas).
A Defensoria Pública da União (DPU) oficiou a Funai nesta quarta-feira (10) recomendando que a autarquia se abstenha de autorizar ou participar de reuniões presenciais enquanto a pandemia de Covid-19 representar uma ameaça aos povos indígenas da região. Segundo o documento, a proposta apresentada pelo empreendedor “não garante a segurança de saúde e preservação da vida das pessoas participantes, baseando-se em informações que não são compatíveis com a situação da pandemia na região de Altamira”. [Leia na íntegra]
De acordo com a nota da Funai, estão “sendo planejadas reuniões distintas para cada TI, em dias sequenciais (...), sendo que a interlocução, pelo menos parcialmente presencial, é desejável, mantendo formato adotado durante todo o desenvolvimento dos trabalhos e que garantiu um processo bastante rico de consulta e diálogos.”
A empresa promete ser a maior mineradora de ouro a céu aberto do Brasil e pretende se instalar na Volta Grande do Xingu, um dos locais com maior biodiversidade do mundo que já enfrenta os impactos do desvio do rio Xingu pela hidrelétrica de Belo Monte. Além das etnias Juruna (Yudjá) e Arara, a região abriga outros indígenas não aldeados e diversas comunidades ribeirinhas. Ao contrário do que a empresa alega, os povos da Volta Grande ainda não foram devidamente consultados.
“A Volta Grande do Xingu já enfrenta os impactos da hidrelétrica de Belo Monte. Neste momento, as autoridades brasileiras deveriam garantir a proteção dos povos indígenas e atentar às graves lacunas técnicas do projeto. Autorizar reuniões presenciais deixa claro de qual lado a Funai e o governo brasileiro estão: o das grandes mineradoras”, comenta Rosana Miranda, da Amazon Watch, organização norte-americana que atua em solidariedade aos povos indígenas da Amazônia e que faz parte do grupo de organizações que vêm denunciando a inviabilidade socioambiental do projeto Belo Sun.
A decisão da Funai parte do pressuposto de que a população indígena teria sido vacinada até o fim de de janeiro de 2021. Até o início de março, no entanto, 77% dos indígenas atendidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Altamira receberam a primeira dose da vacina e apenas 34% a segunda dose.
Segundo dados do próprio governo federal levantados pelo G1, em 17 de fevereiro, 71% dos indígenas aldeados da Amazônia não haviam sido vacinados contra Covid. Naquele momento, o Brasil já deveria ter imunizado 431.983 indígenas contra o vírus, no entanto, apenas 164.592 haviam sido vacinados. A baixa cobertura vacinal dos povos indígenas é mais um capítulo da negligência da gestão federal da pandemia. Prova disso é o aumento do número de óbitos por Covid-19 nas populações indígenas em mais de 108%, de acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Quase 50 mil indígenas foram infectados e 988 vieram a óbito, segundo a APIB.
Belo sun prevê a extração de 74 toneladas de ouro em 20 anos de operação, uma das maiores da América Latina. A mineradora tem se empenhado em negar os impactos potenciais sobre os povos indígenas, comunidades tradicionais e ao meio ambiente desde que anunciou o seu projeto em 2012.
Três pareceres recentes atestam que o projeto é inviável do ponto de vista socioambiental e trazem diversos questionamentos técnicos aos estudos de impacto do componente indígena. Até o presente momento, nem a Funai e nem a Semas se manifestaram com relação aos questionamentos técnicos feitos pelos especialistas.
Os pareceres se somam às análises elaboradas pelo Ministério Público Federal e a Defensoria Pública Estadual do Pará no âmbito de pelo menos seis questionamentos judiciais contra o projeto. Os estudos, feitos por pesquisadores independentes, fazem parte de esforços de diversas organizações da sociedade civil que vêm denunciando a inviabilidade socioambiental do projeto como a Rede Xingu +, o Movimento Xingu Vivo para Sempre, Amazon Watch, Instituto Socioambiental (ISA), International Rivers, Above Ground e AIDA.
Foi encerrada nesta quinta-feira, dia 11, a convenção do Prospectors and Developers Association of Canada (PDAC), encontro anual que reúne grandes investidores e mineradoras do Canadá para apresentação de “novas oportunidades de negócios no setor para as próximas décadas”.
Com uma ampla programação, o governo brasileiro tem dentre seus principais patrocinadores para este evento a mineradora Belo Sun. Em uma apresentação pré-gravada para o evento, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que o governo brasileiro está determinado a expandir o acesso aos recursos minerais que atualmente estão restritos à mineração - como Terras Indígenas e zonas de fronteira. O presidente da Belo Sun, Peter Tagliamonte, foi um dos participantes do encontro Projetos e oportunidades da indústria brasileira de exploração mineral e mineração organizado pelo governo brasileiro.
Anexo | Tamanho |
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Recomendação DPU | 4.63 MB |