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Resultado da luta e resistência das comunidades indígenas da região do Médio Rio Negro (AM), o projeto Casa de Frutas de Santa Isabel do Rio Negro recebeu nota máxima e foi o vencedor do II Prêmio BNDES Boas Práticas Agrícolas para Sistemas Tradicionais (Prêmio SAT 2020).
A Casa de Frutas, realizada e gerida pela Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn), valoriza o conhecimento tradicional dos povos Baré, Piratapuya, Tukano, Desano, Baniwa, Nadëb, Tariana, entre outros, sobre os ciclos das frutas nativas e suas propriedades nutricionais.
Ela deve atender, incialmente, cerca de 40 produtores das Terras Indígenas Jurubaxi-Téa, Uneuixi, Médio Rio Negro e Rio Téa.
A estrutura, com 100m², atende às exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e potencializa o escoamento dos produtos das roças indígenas para mercados regionais e para a merenda regionalizada por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Ministério da Educação.
Em 2019, em um primeiro passo, a prefeitura de Santa Isabel do Rio Negro adquiriu cerca de 5 toneladas de produtos das comunidades, para uma renda de aproximadamente R$ 30 mil.
Os próximos passos devem promover o aumento de volume e geração de renda. Para isso, a Casa de Frutas deve produzir, inicialmente, frutas desidratadas como abacaxi e banana, barrinhas de frutas desidratadas preparadas com banana, açaí e cupuaçu, além de polpas de buriti, bacaba e cupuaçu para entrega na merenda escolar.
À medida que as atividades se firmarem, outros frutos poderão ser igualmente beneficiados, apresentando a agrobiodiversidade das roças do Médio Rio Negro.
“É um incentivo para as pessoas que estavam deixando de praticar a roça. Queremos que a Casa de Frutas venha a cativar essa vontade de plantar e cultivar, com a geração de renda como resultado final”, afirmou Sandra Gomes, presidente da Acimrn e detentora do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (saiba mais no box).
“Assim, nosso povo não vai ficar buscando outro mercado fora, um trabalho empregatício. A agricultura vai fortalecer a renda familiar e o trabalho das pessoas”, disse.
A inauguração da casa estava prevista para o primeiro semestre deste ano. Em virtude da pandemia da Covid-19, ela está em fase de acabamento e instalação de equipamentos, como despolpadeira, desidratador e freezer.
“O prêmio coroa esse processo histórico de resistência dos povos indígenas do Rio Negro pela manutenção de seu modo de ser, de cultivar, de comer”, afirmou Carlos Demeterco, zootecnista que trabalhou junto à Acimirn para elaboração da proposta. “Premiá-los é o mesmo que premiar seu modo de vida. Eles sabem o que fazem.”
O projeto da Casa de Frutas recebeu apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), com suporte financeiro da União Europeia e da Embaixada da França.
O prêmio é uma iniciativa do BNDES em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
“Foi ótimo poder ver como a cultura brasileira está desenvolvida nesses setores, apesar de ser muito pouco conhecida pela população”, observou o engenheiro Bruno Malburg, da Área de Gestão Pública e Socioambiental do BNDES. O valor do prêmio para a Casa de Frutas é de R$ 70 mil.
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, conjunto de práticas e saberes milenares dos povos do Rio Negro, agricultores por excelência, foi reconhecido há 10 anos como patrimônio imaterial brasileiro pelo Iphan.
Estão catalogadas, ao todo, mais de 300 variedades de plantas cultivadas pelos 23 povos indígenas, além de 32 espécies de peixes comestíveis, que você pode conhecer no detalhe no dossiê.
“Nosso sistema agrícola persiste porque é nossa cultura, é a cultura do povo do Rio Negro que não acaba do dia pra noite. Cultura não é programa de governo. O sistema agrícola é uma cultura do povo”, afirma Sandra Gomes.
Fazem parte do sistema as técnicas de manejo dos espaços de cultivo (roça e quintais); do sistema alimentar; dos utensílios de processamento e armazenamento; e, por fim, da conformação de redes sociais de troca de sementes e plantas que se estende de Manaus, no Amazonas, a Mitu, na Amazônia Colombiana.
O cultivo da mandioca brava, por meio da técnica de queima, plantio e manejo de capoeiras (conhecido como coivara), é a base desse sistema, compartilhado por mais de 20 povos indígenas da região.
A Casa de Frutas de Santa Isabel do Rio Negro é uma ação de salvaguarda do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro para manter o patrimônio imaterial brasileiro vivo, com autonomia das comunidades e produtores indígenas.
Saiba mais na Revista de Pesquisa Intercultural do Rio Negro - volume 2, que traz uma coleção especial de textos de pesquisadores indígenas e não indígenas sobre o Sistema Agrícola.