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Conhecimento agrícola quilombola fica mais perto de virar patrimônio imaterial brasileiro

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Associações Quilombolas e ISA protocolam dossiê e documentário sobre Sistema Agrícola Quilombola do Vale do Ribeira no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
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Os quilombolas do Vale do Ribeira (SP) desenvolveram, há mais de 300 anos, uma forma de cultivar alimentos na Mata Atlântica que dispensa adubo ou agrotóxico.

A roça de coivara usa fogo controlado para abrir espaço na mata. Quando a chuva cai, as cinzas fertilizam o solo, que está pronto para o cultivo. Depois de três a cinco anos de trabalho na mesma área, o agricultor quilombola a abandona por outro terreno. Assim, em uma espécie de rodízio, a floresta pode voltar em sua exuberância.

O plantio acontece "no tempo certo" e, geralmente, na lua minguante. Arroz, milho, feijão, inhame, mandioca e cana-de-açúcar, entre outros cultivares, crescem "com a ajuda da natureza", como afirmou em depoimento Edivina Maria Tiê Braz da Silva, do Quilombo Pedro Cubas de Cima, e atraem a fauna local, que se alimenta de parte dela. As colheitas são comemoradas em muitas celebrações religiosas, em que acontecem a partilha de produtos da roça.

Números

O Vale do Ribeiro abriga, ao todo, 88 comunidades quilombolas em variados graus de reconhecimento pelo Estado. Dos 7% que restaram do bioma de Mata Atlântica em território nacional, 21% estão localizados no Vale do Ribeira.

Em 1999, em virtude da extensa área de Mata Atlântica preservada, esta região passou a Patrimônio Natural da Humanidade, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco).

"Quando faz mutirão de colheita tem baile. Junta o povo, é o povo que faz a festa. Dança de par. Violão, sanfona, cavaquinho, pandeiro. Aqui só tem violão. O resto dos instrumentos os convidados trazem. Vamos pro poço tomar banho, pode tomar uma cachaça, depois vai jantar e iniciando na viola”, disse Antoninho Ursulino, em depoimento de 2010.

Esse conjunto de conhecimentos transmitido na prática, em que os mais jovens aprendem ao assistir e colaborar com os mais velhos, compõem o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira, apresentado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com 19 associações quilombolas no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em dossiê, documentos e um documentário, para se tornar patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Assista aqui ao documentário sobre o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira.

"O registro como patrimônio imaterial representa o reconhecimento da importância histórica da roça de coivara para a permanência das comunidades quilombolas nos vales e montanhas florestados mais remotos da região", disse Raquel Pasinato, assessora do Programa Vale do Ribeira do ISA.

"Em centenas de anos de interação com o espaço, os quilombolas criaram suas formas próprias de organização social, usos e representações sobre o território, marcando a paisagem do Vale do Ribeira. Embora o sistema agrícola tradicional venha se transformando ao longo do tempo, ele é resultado histórico da experiência das comunidades negras neste território desde o período colonial, e continua sendo o principal meio de vida para muitas famílias", afirmou Anna Maria Andrade, antropóloga do ISA.

O que é um Sistema Agrícola Tradicional?

Segundo o Iphan, “sistema agrícola tradicional é o conjunto de elementos, desde os saberes,
mitos, formas de organização social, práticas, produtos, técnicas e artefatos, e outras manifestações associadas que envolvem espaços, práticas alimentares e agroecossistemas manejados por povos e comunidades tradicionais tradicionais e agricultores familiares. Nesses sistemas culturais, as dinâmicas de produção e reprodução dos vários domínios da vida social ao longo das vivências e experiências históricas orientam processos de construção de identidades e contribuem para a conservação da biodiversidade”

Exemplo de sistema agrícola protegido como patrimônio cultural brasileiro é o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, no Amazonas. Saiba mais aqui.

O material foi protocolado no Iphan em 24 de outubro e, agora, o dossiê será avaliado tecnicamente. Se o reconhecimento oficial acontecer, o Iphan juntamente com as comunidades e parceiros devem elaborar e implementar o Plano de Salvaguarda, que envolve o desenvolvimento de ações de fortalecimento do sistema e políticas públicas que fomentem as roças quilombolas.

Para baixar o livro Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira, clique aqui.

Nenhum quilombo a menos

A campanha "O Brasil é Quilombola, Nenhum quilombo a menos!", lançada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), já recebeu mais de 100 mil assinaturas.

A campanha articulada pela Conaq e organizações parceiras, como o ISA, começou em defesa do Decreto 4.887/2003, que regulamenta a demarcação dos territórios quilombolas. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239, ajuizada pelo DEM, em 2004, contra a norma, pode ser retomado nas próximas semanas no STF. Assine você também a petição!

O número de quilombolas assassinados no Brasil, em 2017, chegou a 14, de acordo com levantamento da Conaq. Levando em conta os dados disponíveis, desde o início da década, este pode ser o ano mais violento para os quilombolas. Lideranças e especialistas ouvidos pelo ISA apontam que o aumento da violência tem ligação com o cenário político atual, que potencializaria as consequências dos conflitos de terras.

Roberto Almeida
ISA
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