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O seminário foi organizado pela Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone) e pelo Instituto Socioambiental (ISA), com apoio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Fundação para o Devido Processo Legal (DPLF), Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR) e Rede de Cooperação Amazônica (RCA). O objetivo principal foi apresentar a Convenção como instrumento de enfrentamento às violações aos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Participaram do evento 22 comunidades quilombolas do Paraná e São Paulo, uma comunidade indígena do município de Pariquera-açu e uma comunidade cabocla de Iporanga, que receberam, exemplares do livro “Direito a consulta e consentimento de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais”. Leia aqui.
O livro mostra que, apesar de a convenção ser antiga, ela tem sido violada constantemente no Brasil, por interpretações equivocadas ou pelo desconhecimento de sua aplicação, fato corroborado por Daniel Cerqueira, da DPLF. “A consulta deve considerar não apenas as leis, mas também os usos e costumes dos indígenas e das comunidades tradicionais. No entanto, o que se vê ainda hoje é um constante desrespeito por parte dos governos”. Segundo ele, é importante que os povos tradicionais saibam encaminhar as violações sofridas aos órgãos que podem contribuir com sua resolução e dar visibilidade internacional a esses problemas, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Comunidades tradicionais de diversos países têm elaborado protocolos próprios de consulta, estabelecendo regras mínimas de interlocução entre o povo interessado e o Estado, sendo que, no Brasil, existem cerca de sete protocolos desse tipo. A advogada Liana Amim Lima, especialista em direito ambiental, apresentou alguns dos protocolos, falou sobre a tradução em português do artigo 7º da Convenção, onde está escrito: “os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento”. Para ela, o texto original em inglês, assim como a versão em espanhol, se referem ao direito de decidir, que é mais assertivo do que o “escolher”, conforme a tradução em português.
Um bom exemplo de como as comunidades impactadas por empreendimentos vêm se organizando para enfrentar a questão vem do Peru. Naquele país, diversas comunidades indígenas afetadas por projetos de mineração e extração de petróleo criaram grupos de vigilância de seus territórios, buscando monitorar esses empreendimentos para verificar se estão agindo de acordo com as normas ambientais, e seus impactos aos territórios. É uma forma de aliar o conhecimento tradicional ao conhecimento técnico, e tentar reduzir as ocorrências de contaminação das águas, do solo e da biodiversidade.
O peruano Diego Saavedra, da Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR), contou que essas iniciativas começaram a surgir depois que vazamentos de petróleo que aconteciam há décadas foram verificados em territórios indígenas, e que só o trabalho em rede pode fortalecer as comunidades nos casos de violação de direitos e impactos em seus territórios, realidade muito semelhante em toda a América Latina.
Saavedra destacou que a violência contra as comunidades aumenta proporcionalmente à exploração de minérios e petróleo em seu país, chegando a doze assassinatos em 2015, segundo a organização Global Witness. A mesma pesquisa aponta que, nesse período, foram registrados cinquenta assassinatos por conflitos no campo no Brasil.
As comunidades debateram em grupos quais violações de direitos vivenciam em seus territórios. A percepção geral é de que os governos não compreendem nem reconhecem o modo de vida tradicional, o que resulta em racismo ambiental. Os casos de violência física contra comunitários durante fiscalização ambiental foram mencionados por quilombolas e caboclos, que relataram que o uso tradicional do território é desconhecido e criminalizado pelos agentes governamentais. O descumprimento do dever de reconhecer, demarcar e titular os territórios das comunidades gera uma série de conflitos, incluindo ameaças e assassinatos de lideranças.
Jaime dos Santos, do Quilombo Ilhas, em Barra do Turvo, mencionou a precária situação de políticas públicas básicas nas comunidades. “Escolas rurais estão sendo fechadas, prejudicando as crianças e adolescentes. A falta de infraestrutura das comunidades, especialmente relacionadas à comunicação e às estradas, isolam essa população, que sofre com o racismo”. Outro alerta são as ameaças e a existência dos projetos extrativos, como a mineração, as hidrelétricas e termoelétricas, que afetam os territórios tradicionais. Além disso, a aprovação de lei que concede à iniciativa privada exploração de serviços e madeira em Unidades de Conservação, sem discussão com as comunidades tradicionais que vivem dentro ou no entorno dessas áreas é vista como uma violação do que garante a Convenção 169. O encontro reforçou o sentimento entre os participantes de que, juntos, comunidades e seus parceiros, são mais fortes para fazer valer seus direitos ancestrais.
Saiba mais sobre a consulta livre, prévia e informada em especial do ISA.