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Quase 40% dos Yanomami que vivem próximo a zonas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) podem ser contaminados pela Covid-19. É o que mostra um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com revisão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A TIY têm hoje cerca de 20 mil garimpeiros ilegalmente em sua área. O problema, histórico, tornou-se uma questão de saúde pública em meio à pandemia da Covid-19.
Para evitar uma tragédia, o Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana lança nesta terça-feira (02/06) a campanha #ForaGarimpoForaCovid. O objetivo é mobilizar a sociedade e pressionar o governo para uma ação de desintrusão, que retire os invasores ilegais do território. A medida é indispensável para que os Yanomami possam fazer isolamento social, necessário para evitar a transmissão da Covid-19.
A doença já provocou três mortes entre os Yanomami e há outros 55 casos confirmados entre os Yanomami e Ye’kwana. “Estamos acompanhando a doença Covid-19 na nossa terra e muito tristes com as primeiras mortes dos Yanomami. Nossos xamãs estão trabalhando sem parar contra a xawara. Vamos lutar e resistir. Para isso, precisamos do apoio do povo brasileiro”, afirma Dario Kopenawa, filho do líder e xamã Davi Kopenawa e vice-presidente da Hutukara.
A Terra Indígena Yanomami é a mais vulnerável da Amazônia ao novo vírus. Um dos motivos é o sistema de saúde que atende ao território. Os polos base (equivalentes a postos de saúde) que atendem os Yanomami têm as piores notas de todo o Brasil, pois possuem a menor disponibilidade de leitos e respiradores e as maiores limitações relacionadas ao transporte de doentes para outras regiões com mais infraestrutura de saúde. Nesse contexto, os polos próximos ao garimpo são os que têm as piores notas.
Além disso, os Yanomami possuem um histórico de doenças respiratórias que tem piorado nos últimos anos. Isso faz com que a taxa de letalidade da doença seja muito maior entre eles do que na população brasileira em geral. Outro ponto é que os indígenas atendidos por esses polos base têm alto grau de vulnerabilidade social: sofrem da pior expectativa de vida ao nascer, baixos índices de escolaridade, e em domicílios sem abastecimento de água e saneamento adequados.
Os garimpeiros são hoje o principal vetor de transmissão da pandemia dentro do território. Viajam de Boa Vista (RR) e de outras cidades próximas para a TI com frequência em barcos e aviões, dispondo de uma infraestrutura maior do que os próprios órgãos de saúde oficiais. Com 9,6 milhões de hectares e 27.398 indígenas espalhados em cerca de 331 comunidades — incluindo grupos de indígenas isolados —, a Terra Indígena Yanomami se divide entre o Amazonas e Roraima, estados que se encontram entre os primeiros do Brasil em número de casos da Covid-19 proporcionalmente à população.
Quase metade da população da TIY mora em comunidades menos de 5 quilômetros de uma zona de garimpo (13.889 pessoas).
O ISA calculou diferentes cenários de transmissão nessas zonas. No pior deles, 5.603 Yanomami podem se infectar com o vírus, de um total de 13.889 indígenas, o equivalente a 40%.
Se a letalidade for duas vezes maior do que a população não indígena, entre 207 e 896 Yanomami podem morrer em decorrência da Covid-19, 6,4%.
Cerca de 20 mil garimpeiros estão atuando ilegalmente no território. Com a crise econômica global, o preço do ouro está batendo novos recordes, incentivando a prática da atividade.
O desmonte da política ambiental promovida sistematicamente pelo atual governo federal — que fragiliza as ações de repressão ao garimpo ilegal — e a posição reiterada do próprio presidente da República em favor da atividade, também impulsionou a invasão das Terras Indígenas.
O avanço foi detectado pelo sistema de monitoramento por radar do ISA, o Sirad. Os resultados do Sirad mostram que, desde as primeiras análises em outubro de 2018, já foram detectados 1.925,8 hectares de floresta degradadas pelo garimpo ilegal (acumulado). Somente em março de 2020 são 114 hectares de floresta destruídos pelo garimpo.
O sistema de monitoramento do ISA tem registrado a expansão de garimpos ilegais em regiões próximas a comunidades indígenas com menos contato com a sociedade (Hakoma e Parima) e que possuem memória imunológica mais sensível a doenças — ou seja, quando o corpo não produz uma resposta por desconhecer o vírus. Este fato é extremamente preocupante em um momento de ameaça de contágio da Covid-19, inédita para indígenas e não-indígenas.
O estudo se debruçou sobre alguns polos base críticos, estimando como seria a transmissão da doença nesses locais. Em Surucucu, uma das regiões da TIY analisada, por exemplo, um representante do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) que testou positivo para a Covid-19 visitou a região de atendimento do polo base. No pior cenário, com uma perspectiva de transmissão mais intensa, a ocorrência desse único caso na região pode resultar em 962 novos casos após 120 dias.
Ou seja, se não fizermos nada, 39% da população atendida pelo polo base estaria infectada. Se a letalidade for duas vezes maior do que a população não indígena, teremos entre 35 a 153 óbitos, adotando as taxas dos estados de Roraima e Amazonas, respectivamente.
Desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, médicos têm alertado para o maior risco que atinge os indígenas. Por razões culturais, eles têm menos condições de implementar o isolamento social. Os Yanomami, assim como outros povos indígenas, estão entre os grupos mais vulneráveis aos impactos da nova doença e podem ser severamente afetados pelo seu avanço. Por isso, devem ser urgentemente protegidos, sob risco de genocídio — com a cumplicidade do Estado brasileiro.
A campanha #ForaGarimpoForaCovid é uma iniciativa do Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana e das seguintes organizações: Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME), Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (TANER) e Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA).
A campanha #ForaGarimpoForaCovid conta com o apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Instituto Socioambiental (ISA), Survival International, Greenpeace Brasil, Conectas Direitos Humanos, Anistia Internacional, Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Instituto Igarapé, Fundação Rainforest US e Fundação Rainforest Noruega.