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Cresce o número de refugiados no mundo em função do clima

As principais vítimas da mudança climática são as populações mais vulneráveis dos países em desenvolvimento. Diante do aumento de desastres naturais associado aos desajustes do clima, estima-se que o número de deslocados atinja os 250 milhões nas próximas décadas
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A mudança climática é um dos maiores responsáveis pelos atuais fluxos migratórios. Em 2014, calcula-se que houve 19,3 milhões de refugiados climáticos no mundo segundo o último relatório do Centro de Monitoramento de Deslocados Internos (IDMC). Entre 2008 e 2015 registraram-se em média 26,4 milhões de deslocados por ano, o que representa quase uma pessoa por segundo (leia mais).

No entanto, as soluções de adaptação, compensação das vítimas e reconhecimento do status de refugiado climático são itens pendentes no texto do acordo de Paris que está sendo negociado.

“Hoje uma grande parte dos deslocados é formada por populações afetadas por catástrofes naturais, 87% das quais estão ligadas às mudanças climáticas e estima-se que o número de deslocados climáticos até 2050 alcance os 250 milhões”, disse Stéphanie Rivoal, presidente da ONG Ação Contra à Fome, durante o evento “Desajustes climáticos, pobreza e refugiados”, realizado em Paris, em setembro.

“A partir das constatações dos últimos anos, o aumento da frequência e intensidade de fenômenos climáticos extremos junto com a demografia e a vulnerabilidade são as principais causas dos deslocamentos”, disse ao ISA a especialista em mudança climática e deslocamentos da Agência para os Refugiados de Nações Unidas (ACNUR) em Genebra, Marine Franck.

Quando as condições climáticas dificultam ou tornam inviável a vida em uma região, as populações se veem obrigadas a migrar como forma de adaptação. Segundo a ACNUR, a crescente concorrência por recursos naturais escassos pode trazer tensões e piorar conflitos regionais. Desde 1970, os desastres naturais triplicaram-se enquanto duplicou-se o número de pessoas expostas a deslocamentos forçados como consequência do desregulamento climático, segundo a Oxfam (leia o documento).

Mesmo os eventos migratórios atuais na Europa, vinculados às guerras, têm a mudança climática como pano de fundo. “A Síria teve, entre 2006 e 2011, a pior seca do país quando 75% das famílias perderam todas as safras, recursos hídricos foram confiscados e o êxodo rural piorou o conflito”, afirmou Monique Barbut, diretora executiva da Convenção de Nações Unidas de Combate à Desertificação. Os mais vulneráveis no conflito sírio são aqueles que antes de sair do país já tinham se deslocado internamente de forma prévia por causas socioambientais, afirma a ACNUR.

Refugiados climáticos, um desafio global

Embora o termo refugiado climático seja cada vez mais utilizado, a Convenção das Nações Unidas para os Refugiados não considera como tal a pessoa deslocada por razões ambientais. Sem esse reconhecimento jurídico, as vítimas de deslocamentos forçados – resultantes de desastres naturais – não tem nenhum marco legal que lhes ampare. É um vazio jurídico que precisa ser tratado, de acordo com a ACNUR (saiba mais).

Para Raquel Viana, da Fundação João Pinheiro, em entrevista especial ao ISA, diz que existe certa controvérsia na adoção desse termo [refugiado climático]. Assim, ela adverte sobre a necessidade de se colocar claramente a responsabilidade da ação antrópica desses deslocamentos, tanto devido ao aquecimento global quanto a exclusão das populações mais vulneráveis. “Ao colocar a palavra ‘ambiental’ nesse termo para deslocamentos forçados há uma impressão de que a natureza é a responsável, o que pode eximir os responsáveis políticos e os processos sociais que estão por trás”, analisa.

A Iniciativa Nansen, promovida pela Suíça e pela Noruega e assinada por 114 países em 2012 tem ajudado a estabelecer um consenso sobre uma agenda de boas práticas de proteção e de assistência para os deslocados por efeitos da mudança climática, entre outras causas. A iniciativa encerrou na semana passada em Genebra o processo de consultas regionais em todos os continentes (saiba mais).

Olhando em direção a Paris, o texto de negociação do Acordo do Clima que está sendo discutido não inclui medidas concretas para o fenômeno dos refugiados climáticos, mas, como explica Marine Frank, a ACNUR está apoiando tecnicamente as partes negociadoras para assegurar que o assunto seja levado em consideração em dezembro. “Na COP-21 a mobilidade humana deverá ser abordada no acordo principal como uma questão de adaptação”, avalia Marine.

No processo do clima, a Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, sigla em inglês), formada por 39 países em risco, tem insistido na necessidade de ações urgentes. O Kiribati, como alguns de seus países vizinhos insulares do Pacífico ameaçados de desaparecer em 20 ou 30 anos pelo aumento do nível do mar, está comprando terras em Fiji, a 2.200 km de distância.

Durante a reunião anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizada em Lima em 8 de outubro, o grupo dos Vinte Vulneráveis (V20) – países altamente expostos aos desajustes climáticos onde vivem cerca de 700 milhões de pessoas – propôs incentivar maior investimento em resiliência, adaptação e mitigação, assim como o cumprimento do compromisso dos US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020 para os países em desenvolvimento. “Nos unimos para o que acreditamos ser a questão fundamental que ameaça nossa própria existência hoje”, afirmou Cesar Purisima, Ministro das Finanças das Filipinas e integrante do V20 (saiba mais).

O custo global da adaptação à mudança climática foi estimado pelo Banco Mundial entre US$ 75 e 100 bilhões anuais até 2050 – se a temperatura não subir mais que dois graus. Segundo a Oxfam, entre os compromissos realizados até agora só haveriam US$ 3,7 bilhões para adaptação a partir de 2020. (saiba mais).


Pobreza, clima e refugiados, o ciclo da vulnerabilidade

É difícil efetuar projeções precisas do número de refugiados climáticos devido à natureza aleatória dos eventos climáticos, ao caráter multicausal dos deslocamentos e a incerteza da ação dos Estados para atenuar e se adaptar a estes eventos. Porém, é possível identificar as regiões e as pessoas mais expostas aos ricos e tentar limitá-los, de acordo com Mariane Frank da ACNUR.

Os desastres naturais afetam principalmente as populações mais pobres dos países em desenvolvimento. Mesmo depois do esforço de ter alcançado as Metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, há ainda no mundo 1,2 bilhões de pobres e estima-se que a crise climática poderia levar mais 720 milhões de pessoas à pobreza. Além do mais, os efeitos da mudança climática e os deslocamentos forçados também afetarão os países ricos, segundo o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) (saiba mais).

A desigualdade de renda aparece como um dos principais fatores que dificultam a saída da pobreza e, portanto, a redução da vulnerabilidade diante da mudança do clima, segundo a Oxfam. Em 2010, 20% da população mais pobre do mundo recebeu só 1,7% da renda mundial, afirma a Oxfam (saiba mais).

O mapa é interativo e para acessá-lo clique aqui.

De acordo com o Centro de Pesquisa em Epidemiologia e Desastres (CRED), a
Ásia é um dos continentes mais vulneráveis aos efeitos da mudança climática. Nos últimos 20 anos a região sofreu mais de 2.700 desastres com 3,8 bilhões de afetados e 840.000 mortos (saiba mais).

Na África, a pobreza tem se acentuado com as consequências da forte seca no chamado chifre da África e o continente americano enfrenta, entre outros riscos, profundas ameaças de inundações como consequência do fenômeno El Niño, que produz chuvas torrenciais resultantes do aquecimento do oceano.

No Brasil, a região Nordeste sofrerá as maiores consequências, com aumentos de temperatura de entre 2ºC e 4ºC , redução de precipitações e um clima entre um 15 e 20% mais seco, segundo o Relatório de Clima do Inpe (saiba mais ).

A alta evaporação deve aumentar a escassez de água e afetar negativamente a biodiversidade, a agricultura e a saúde da população. Isso provocaria uma redução de 11,4% do PIB regional e um deslocamento de cerca de 250.000 nordestinos, como explica Alison Flávio Barbieri, professor e pesquisador de demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Outra área altamente impactada será a Amazônia, onde há previsão de aumento da frequência tanto de secas quanto de chuvas extremas, causando muitas mortes de árvores, incêndios e emissões de carbono (saiba mais).

No Dia Internacional da Redução de Riscos de Desastres – 13 de outubro – a ONU lembrava em Genebra a necessidade de fortalecer a resiliência das comunidades mais expostas aos riscos, destacando a importância do respeito à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais.
(saiba mais)

De acordo Monique Barbut da Convenção de Combate à Desertificação, dar assistência às comunidades para que possam se tornar mais resilientes é muito mais efetivo do que atender situações de crise futuras Ela defende a grande muralha verde na região africana do Sahel como uma solução à desertificação e aos deslocamentos climáticos. “Entre cinco e dez mil nigerianos trabalharão na agricultura na muralha verde com um salário mensal de 300 euros cada um, enquanto um refugiado na Europa custaria três vezes mais”.

"A mudança climática não deixará nenhuma parte do mundo intocada pelos impactos que estamos vendo diante de nossos olhos" afirmou Rajendra Pachauri, diretor do IPCC. Em sua opinião, a ciência já informou que o deslocamento de pessoas devido às mudanças climáticas é um fenômeno crescente e passou o bastão para aqueles que tomam as decisões políticas.

A Agência France Press (AFP) divulgou o vídeo Refugiados climáticos sobre o tema. Assista aqui.

Luna Gámez com a colaboração de Carlos Garcia e Juliana Splendore, direto de Paris, especial para o ISA
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