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Desafios da comunicação nas Terras Indígenas do Rio Negro

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Rede de comunicadores completa seis meses de atividade e reflete sobre rumos do trabalho e como superar dificuldades de infraestrutura
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A Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, composta por 18 integrantes de oito etnias (Baré, Baniwa, Desana, Tariano, Tuyuka, Tukano, Yanomami e Wanano), realizou o seu primeiro encontro para debater os desafios dessa pioneira rede de comunicação indígena, que formou-se em 2017 com o objetivo de gerar informação nas terras demarcadas, produzindo e distribuindo suas próprias notícias feitas pelos correspondentes, locutores e editores indígenas.



O encontro foi realizado entre 7 e 11 de maio passado na maloca Casa dos Saberes, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira. Reflexões sobre as dificuldades, desafios e pontos positivos do trabalho realizado pela Rede até o momento foram compartilhadas pelo grupo, que produz mensalmente o boletim de áudio Wayuri, distribuído via internet (Whatsapp e Soundcloud), radiofonia, rádio FM e compartilhamento via Bluetooth e ShareIT.

“Um ponto positivo da nossa Rede até o momento é ver que ela está contribuindo para o aumento do interesse pela política e também fico feliz de saber que o boletim está sendo bem recebido pelas comunidades”, comenta Claudia Ferraz, do povo Wanano, locutora e produtora do boletim Wayuri. Uma das mais experientes do grupo, Claudia trabalhou seis anos na rádio municipal de São Gabriel e integra a Renajoc (Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores).



Entre as dificuldades e desafios, os jovens mencionaram a falta de infraestrutura, apoio financeiro para realizar o trabalho como comunicador e de equipamentos próprios para desempenhar as tarefas. Alguns comunicadores utilizam celulares emprestados de parentes para conseguir gravar e enviar suas notícias. “Precisamos fazer um trabalho para ficarmos mais conhecidos na comunidade como comunicadores e sermos mais valorizados”, diz Laura Almeida, Tariana, comunicadora de Assunção do Içana.

O encontro contou também com a participação de convidados como o jornalista da Folha de S. Paulo, Fabiano Maisonnave, correspondente especial do jornal na Amazônia, da representante da Unicef, Joana Fontoura, e da jornalista do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mayra Wapichana. “Apesar de todas as dificuldades citadas pelos comunicadores, vejo muito potencial nesse trabalho. A Rede conseguiu realizar a circulação dos áudios dos boletins combinados na primeira oficina de formação. Isso já é motivo de bastante orgulho. Vejo que todos estão muitos empenhados em encontrar alternativas criativas para conseguir que a comunicação funcione”, afirmou Joana, da Unicef, que viajou especialmente a São Gabriel para conhecer o trabalho dos comunicadores indígenas.





Os comunicadores tiveram também um encontro com o locutor Gilliard Henrique, da rádio municipal AM de São Gabriel da Cachoeira, para conhecer algumas técnicas vocais e estilos de locução. Gilliard é uma das vozes mais famosas da região e compartilhou sua experiência com os comunicadores indígenas em formação. O grupo de teatro Sociedade da Alegria também promoveu uma oficina de improviso e técnicas de animação e mobilização com o grupo. “A gente precisa aprender mais a se soltar e saber como informar de um jeito que as pessoas entendam e prestem atenção”, disse Marcivaldo Tuyuka, correspondente de Taracuá, no Baixo Uaupés (TI Alto Rio Negro), que produz notícias em Tukano e Português.

Infraestrutura precária

Em uma área de 11,5 milhões de hectares, maior do que seis estados brasileiros, a carência de infraestrutura de comunicação, como telefonia celular, telefones públicos, radiofonia e internet, é o maior entrave ao trabalho dos comunicadores indígenas no Rio Negro. O levantamento dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) das sete Terras Indígenas (TIs) do Médio e Alto Rio Negro, mostra que apenas 24,5% das comunidades possuem radiofonia na região e telefones públicos (orelhões) atendem somente a 8,5% das aldeias. Essa carência prejudica o desenvolvimento sustentável, a geração de renda, assim como áreas prioritárias para o bem viver, como saúde e educação.



Os principais distritos nas TIs, como Cucui, Pari Cachoeira, Iauaretê e Tunuí Cachoeira possuem sinal de internet via satélite (Gesac – Programa Governo Eletrônico e Serviço de Atendimento ao Cidadão), o que vem apoiando o trabalho da Rede de Comunicadores, que mantém correspondentes nestas localidades estratégicas. Mas, o sinal precisa ser expandido para outras comunidades, que não são servidas por nenhum tipo de serviço de comunicação e reivindicam melhorias urgentes.

Nas comunidades onde não existe comunicação, como em São Pedro, na calha do Rio Tiquié, o comunicador Ovinho Tuyuka envia seus áudios por pendrive até Pari Cachoeira por algum parente que esteja indo até o distrito de barco. Lá, o comunicador Maguinês Gentil, Tukano, tem condição de enviar os áudios por internet para a sede do município, onde os editores recebem através do grupo de Whatsapp da Rede de Comunicadores e editam na sala de comunicação da Foirn, com o software livre, Audacity.



“Muitos indígenas têm celular e querem ter notícias, mas não conseguem porque sua comunidade fica totalmente isolada e sem serviços de comunicação”, diz Ray Baniwa, coordenador de comunicação da Foirn, responsável pela distribuição do boletim Wayuri de áudio e editor do boletim Wayuri impresso, que circula a cada três meses na região, com tiragem de 2 mil exemplares. Ray também administra as redes sociais da Foirn (Facebook, Instagram e Twitter).

Próxima etapa

A próxima atividade da Rede será em outubro, quando será realizada a II Oficina de Formação dos Comunicadores. Durante o encontro, os integrantes também fizeram sugestões e comentários sobre o andamento do trabalho e o que deve ser mais focado na segunda formação. “A construção coletiva da Rede de Comunicadores é fundamental para que o trabalho seja autêntico, feito a partir da forma de se comunicar dos povos indígenas do Rio Negro, respeitando a cultura dos povos, as línguas, o ambiente e os desafios logísticos da região”, afirma a jornalista do Programa Rio Negro do ISA (Instituto Socioambiental), que coordena as atividades da Rede de Comunicadores, Juliana Radler.

A Rede é apoiada pela União Europeia, no âmbito do projeto de fortalecimento da autonomia das organizações indígenas. Os integrantes da Rede de Comunicadores são em sua maioria jovens de até 29 anos e dos 18 participantes, oito são mulheres das etnias Baré, Wanano, Tariano, Desano e Yanomami. Os departamentos de Comunicação, Jovens e de Mulheres da Foirn integram a Rede e são os principais responsáveis pela condução dos trabalhos na Foirn, visando a incidência política e o fortalecimento do movimento indígena.


Rede de Comunicadores Indígenas produz campanha de conscientização sobre a malária




Durante o encontro, o município de São Gabriel da Cachoeira decretou estado de emergência devido à epidemia de malária na região. Aproveitando a presença de todos os comunicadores na sede municipal, a Rede convocou uma entrevista coletiva com a secretária municipal de Saúde, Eufélia Gonçalves, durante as atividades do encontro. Os comunicadores fizeram suas perguntas e produziram um boletim especial sobre a situação da malária na região. A partir dessa articulação, a Rede de Comunicadores apoiou a equipe da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) na criação da campanha de conscientização sobre a doença intitulada “A luta contra a malária é de todos nós”.

“Foi muito importante a participação da Rede de Comunicadores neste trabalho de conscientização e informação para a população”, afirmou a secretária municipal de Saúde durante reunião no Comitê de Emergência, estabelecido no DSEI-ARN (Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro). Foi criado um grupo de Whatsapp – GT Malária SGC – no qual os comunicadores da Rede, instituições e equipes de Saúde passaram a trocar informações para acompanhamento da crise, providências e comunicação à população.

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