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“A nossa área virou um balcão de negócios. Todo mundo vive da nossa área, do roubo de madeira, da venda de terra, e da pesquisa de ouro”, diz o cacique Mobu Odo Arara, da Terra Indígena Cachoeira Seca (PA). Em apenas quatro meses, entre setembro e dezembro de 2020, mais de 1,7 mil hectares foram desmatados na TI, a terceira mais desmatada na bacia do Xingu em 2020. Essa taxa, quase quatro vezes maior do que o total desmatado nos oito primeiros meses do ano, coincide com a retirada de uma base de fiscalização do Ibama na região.
A TI, morada dos Arara, povo de recente contato, carrega o recorde negativo de ser uma das TIs mais desmatadas no país nos últimos seis anos por conta de invasões, roubo de madeira, avanço da pecuária e grilagem. Em 2020, no entanto, o desmatamento arrefeceu, resultado da instalação de uma base permanente de fiscalização do Ibama próxima à TI e de sucessivas operações de combate ao desmatamento realizadas a partir de abril, também lideradas pelo órgão de fiscalização ambiental.
“É difícil entender porque a base do Ibama foi retirada da TI Cachoeira Seca quando as ameaças ao território ainda não cessaram e o processo de retirada de invasores ainda não foi concluído. O efeito das fiscalizações no início do ano de 2020 mostra a efetividade de ações integrais e permanentes de proteção nos territórios que estão sob contínua pressão de atividades ilegais”, comenta Elis Araújo, advogada do ISA.
Com o avanço de novas frentes, o desmatamento na Cachoeira Seca, que antes se concentrava em sua divisa norte e na região leste, hoje se encontra distribuído em quase todo o território indígena.
Em 2016, pico da invasão, foi retirado o equivalente a 1,2 mil caminhões de madeira ilegal, e em 2019 passado foram desmatados 7,9 mil hectares dentro da Terra Indígena. Desde 2009, segundo o Prodes, mais de 324 km² de floresta foram derrubados.
Os dados são do 22º boletim Sirad X, o sistema de monitoramento de desmatamento da Rede Xingu +, uma articulação de indígenas, ribeirinhos e organizações da sociedade civil para a defesa dos direitos dos povos do Xingu e do corredor socioambiental de áreas protegidas na bacia.
A principal demanda hoje é pela desintrusão dos ocupantes não indígenas da área e a efetiva implementação de um plano de proteção no território.
Em novembro do ano passado, a Justiça Federal da 1ª Região ordenou que a União e Funai concluam os processos de regularização fundiária das TIs Cachoeira Seca e Paquiçamba. [Leia a decisão na íntegra]
Os órgãos têm 90 dias úteis para apresentar um cronograma de trabalho, que inclui a demarcação, homologação e desintrusão dos territórios. Caso haja o descumprimento dos prazos, o governo deve pagar uma multa de R$ 10 mil reais a cada dia de atraso. O prazo vence em maio deste ano, mas até então, quatro meses depois da decisão judicial, a Secretaria de Orçamento Federal do Ministério da Economia não recebeu o orçamento do órgão indigenista. A Funai não respondeu a solicitação de entrevista até o fechamento da reportagem.
A decisão é um resposta à ação civil pública protocolada pelo Ministério Público Federal em dezembro de 2015, duas semanas após a emissão da Licença de Operação da hidrelétrica de Belo Monte, que alegou o etnocídio dos nove povos indígenas afetados pela usina, em decorrência da destruição da organização social, costumes, línguas e tradições dos grupos indígenas impactados pela usina, bem como pela falta de proteção às Terras Indígenas. [Saiba mais]
“Nós queremos que seja cumprida essa palavra do juiz. Estamos esperando e enquanto isso os madeireiros e grileiros estão invadindo nossa área,e quem se beneficia são eles, quem está perdendo somos nós. Vivemos de pesca e sem a terra não somos ninguém, é o nosso futuro que está em jogo. Queremos justiça”, pede Mobu Odo.
Somente em dezembro, 283 hectares foram desmatados na Terra Indígena Kayapó por conta da mineração ilegal, a maior taxa desde maio de 2018 - quando foram desmatados 343 hectares. A TI foi a quarta mais desmatada na bacia do Xingu em 2020, com 2,1 mil hectares de floresta destruídos.
As novas áreas abertas estão distribuídas na região nordeste, às margens do rio Branco e seus tributários, na região leste no rio Trairão e na região sudeste, ao longo dos leitos dos rios Fresco e Arraias, todos afluentes do rio Xingu.
A atividade garimpeira ilegal na TI Kayapó teve início no começo dos anos 1980 e flutuou com mais ou menos intensidade nos anos seguintes. Estudo da Rede Xingu + e do ISA, publicado em julho do ano passado, revelou uma nova onda de garimpo no interior da TI a partir de 2018: entre a décaca de 1980 até 2017, 3,87 mil hectares haviam sido desmatados na região, taxa que subiu para 5,58 mil apenas entre 2018 e 2020. [Leia o “Dossiê garimpo no Xingu” na íntegra]
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Sirad X nº22 | 6.78 MB |