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A 276 quilômetros de Manaus, a Esec criada hoje (17/10) por decreto presidencial com 668.160 hectares se localiza no município de Maués (AM). Pertence a uma das categorias mais restritivas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), sendo prioritariamente destinada à preservação e realização de pesquisas científicas, podendo haver visitação desde que em caráter educacional.
De acordo com o decreto de criação, o objetivo é proteger amostra da floresta ombrófila e de formações vegetais associadas, incluídos sua diversidade florística e faunística e seus recursos abióticos; garantir a perenidade dos serviços ecossistêmicos e contribuir para a estabilidade ambiental da região. Embora o decreto não delimite sua zona de amortecimento, área que serve como efeito tampão para conter pressões e ameaças do entorno da UC, deixando sua determinação para instrumento posterior, permite de antemão que na zona de amortecimento sejam realizadas atividades minerárias, desde que autorizadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e devidamente licenciadas, além de estudos de viabilidade técnica e econômica e de impacto ambiental relativos a levantamentos de potencial hidrelétrico.
Há alguns anos a Esec Alto Maués compõe a lista de UCs a serem criadas no âmbito do Programa Arpa (áreas Protegidas na Amazônia). O processo foi muito longo e em 2011 a UC constava do Relatório de Gestão do Instituto Chico Mendes (ICMBio)) em fase final, tendo a conclusão das atividades inerentes à criação resultado em instrução final juntamente com outros 12 processos de criação, ampliação ou redelimitação.
Um santuário ecológico
Segundo o ICMBio, a região tem uma das maiores concentrações de primatas do mundo, além de abrigar mais de 600 espécies de aves, sendo considerada um santuário ecológico. Para o embasamento da proposta além de um levantamento secundário de dados socioeconômicos da região, tendo como referência as informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi realizado o “Diagnóstico dos Aspectos Naturais da Área Prioritária para Conservação denominada Alto Maués” e ouvidos os Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB), de Mamíferos Carnívoros (Cenap) e das Aves Silvestres (Cemave), todos do ICMBio.
Eles indicaram elevada riqueza de primatas na região, sendo três delas endêmicas, e habitat adequado à sobrevivência da onça pintada. Segundo jornal O Estado de São Paulo em matéria publicada em 2011, estudos indicariam a concentração de 14 espécies de primatas na região. Lá estão o macaco-aranha, o cuxiu-de-nariz-vermelho e o macaco-barrigudo, três das espécies listadas no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. No local também foi registrada a presença de 624 espécies de aves, algumas ameaçadas de extinção (saiba mais). Veja a localização no mapa.
Além do alto valor ecossistêmico, segundo o ICMBio a proposta de criação da unidade faria parte das metas do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) do Governo Federal. O fato de todas áreas já pertencerem à União, glebas devidamente arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), auxiliou a criação da Esec e também contribui em muito para a implementação da Unidade de Conservação (saiba mais).
A partir do fim de 2011, com o início da concretização do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no Estado do Pará, que levou à desafetação de sete UCs federais e à perda de conquistas socioambientais já alcançadas, a criação da Esec Alto Maués passou a ser apresentada publicamente pelo governo federal como uma 'compensação' por tais impactos já realizados, ou seja, como moeda de troca da expansão da matriz energética brasileira, um dos principais eixos das grandes políticas desenvolvimentistas do governo.
O grande impasse
Dada sua sabida importância ecológica e sua contribuição para a prevenção ao desmatamento, , por que então tantos anos separaram o projeto inicial da Esec Alto Maués de sua criação, ocorrida apenas hoje, outubro de 2014? Ocorre que este foi mais um caso de embate político: se por um lado a criação era uma meta do governo federal, por outro tinha que enfrentar acirrados posicionamentos oriundos principalmente do município afetado, Maués, e de deputados estaduais do Amazonas.
Um dos argumentos dos políticos locais era de que a criação da Esec levaria à estagnação do desenvolvimento local, uma vez que o município já contava com quatro Unidades de Conservação, sendo três federais e uma estadual, e uma Terra Indígena, sendo eles: o Parque Nacional da Amazônia, o Parque Nacional do Juruena, a Floresta Nacional Pau Rosa e Floresta Estadual Maués além da Terra Indígena Andirá Marau, que apresenta sobreposição com o Parque Nacional da Amazônia e a Floresta Nacional Pau Rosa.
Entre novembro e dezembro de 2011, os ânimos ficaram acirrados. Após uma reunião aberta na Assembleia Estadual do Estado do Amazonas, na qual a então titular da Secretária de Estado Desenvolvimento Sustentável (SDS/AM), Nádia Ferreira, foi convidada a explicar o assunto aos deputados, a Assembleia se pronunciou contra a criação da Esec, juntando sua moção à da Câmara de Vereadores de Maués, solicitando a presença da esfera federal, no caso o ICMBio, para prestar mais esclarecimentos.
De acordo com a notícia publicada pela Assembleia Estadual do Amazonas teriam estado presentes também o superintendente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Marco Antônio Oliveira e o secretário de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos, Daniel Nava. O Superintendente do Serviço Geológico do Brasil, Marco Oliveira assegurou que na área existe um grande potencial aurífico, com mais de 500 garimpos. Segundo ele, existem,investimentos da CPRM em pesquisa no setor mineral nessa região. A estação, na opinião dele, será prejudicial não só para Maués, mas para o Amazonas e para o setor mineral. O secretário de Mineração e Geodiversidade, Daniel Nava, também teria destacado as potencialidades minerais da região, rica em ouro e calcário, importante para a produção agrícola. “É estranho esse engessamento, pois essa divisão inviabilizaria a circulação na área do município”, explicou.
De fato, na época, a secretária de Meio Ambiente do Amazonas, Nádia Ferreira teria deixado clara a oposição: "Trata-se de uma área de floresta, com alto valor agregado. Vamos analisar não apenas do ponto de vista ambiental, mas econômico. Temos muito cuidado na tomada de decisão. As unidades têm de vir como sinônimo de desenvolvimento sustentável e temos várias categorias de proteção mais adequadas à vocação do município", disse Nádia. Ainda de acordo com notícia publicada em 2011 pelo jornal O Estado de S. Paulo, o Estado do Amazonas preferia que a área - da União - fosse transformada em reserva de uso sustentável, na qual o modelo de exploração é semelhante ao das reservas extrativistas, onde populações tradicionais têm direito ao uso por meio de contrato de concessão.
Em dezembro de 2011, o presidente do órgão, Rômulo Melo, desloca-se até o estado a fim de travar um diálogo mais profícuo, buscando uma saída consensual para a criação da reserva.
Com a Esec Alto Maués, chegam a sete as UCs criadas por Dilma nesta semana, às vésperas do segundo turno das eleições. Na segunda e terça feira desta semana, ela já havia criado três Reservas Extrativistas Marinhas no salgado Paraense; dois Parques Nacionais, o Serra do Gandarela (MG), o do Guaricana (PR) e RDS Nascentes Geraizeiras(MG) (saiba mais).
O caso do Parque da Gandarela
Apesar de serem bem vindas, a criação de uma delas, a do Parna da Serra da Gandarela, não obedeceu as recomendações técnicas e anseios dos movimentos sociais envolvidos, ficando sua delimitação aquém do necessário para preservar um importantíssimo e raro geossistema de cangas ferruginosas da Região Central de Minas Gerais, que protegem e alimentam os aquíferos mais importantes para o abastecimento dos municípios do entorno da Serra do Gandarela, de Belo Horizonte e sua Região Metropolitana.
Além disso, a criação não respeitou o pedido de comunidades dos municípios de Santa Bárbara e Barão de Cocais de criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) complementar à área do Parque Nacional e houve um avanço sobre áreas nas quais estas comunidades desenvolvem atividades tradicionais, mais uma vez acirrando a situação de conflito de sobreposição de territórios, como historicamente os governos costuam fazer em relação a áreas protegidas.
Por outro lado, foi excluída a área destinada para a extração do ferro pelo projeto Apollo da Vale, que segundo o site O Eco está orçado em R$ 4 bilhões.
Veja mais a respeito em Águas do Gandarela
E no texto de João Madeira, doutor em ecologia que há anos acompanha o caso como técnico do ICMBio.