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Depois de quase doze horas de negociações e protestos na Câmara, lideranças indígenas e partidárias chegaram ontem a um acordo para adiar, pelo menos até agosto, a instalação da Comissão Especial que vai discutir a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 215/2000.
O projeto transfere ao Congresso a competência de aprovar a demarcação de TI (Terras Indígenas), que hoje é do governo federal. Na avaliação de organizações indígenas e indigenistas, se aprovado, ele significará, na prática, o fim de novas demarcações.
Segundo o acordo, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), comprometeu-se a criar uma comissão para discutir a PEC e todos os projetos em tramitação na casa que tratem de direitos indígenas. O colegiado será formado por parlamentares, índios e representantes do governo. Sua composição exata, cronograma e prazo de funcionamento ainda não foram definidos.
Na reunião onde o acerto foi fechado, na noite de ontem, lideranças do PT, PDT, PSB, PSDB, PSC e PSOL prometeram não indicar integrantes para a comissão, o que pode dificultar sua instalação. O PV já tinha decidido não fazer indicações.
A criação da comissão para avaliar a PEC havia sido decidida, em reunião entre líderes partidários e Alves, na quarta (11/4), dias antes da Semana do Índio. Ontem, os partidos indicariam seus representantes e, assim, sacramentariam sua instalação. O líder do PT, deputado José Guimarães (CE), chegou a assinar o requerimento para a criação do colegiado, mas voltou atrás.
Durante a campanha à Presidência, Henrique Alves teria prometido à bancada ruralista instalar a Comissão Especial.
Impasse e tumulto
No final da tarde de ontem, as negociações chegaram a um impasse: os índios recusaram a proposta do colégio de líderes partidários de suspender a implantação da comissão por 45 dias.
Depois de transformar o Salão Verde da Câmara em uma grande roda de cantos e danças, os manifestantes ocuparam o plenário. Alguns foram agredidos por seguranças em meio ao tumulto, mas nada foi destruído (veja vídeo abaixo). O local só foi esvaziado após Alves convencer os indígenas a tentar fechar um acordo em seu gabinete.
Mais de 300 índios participaram da mobilização para exigir o arquivamento da PEC 215 e de outros projetos, como a PEC 38/1999, que dá ao Senado a competência das demarcações, e o PL (Projeto de Lei) 1.610/1996, que autoriza a mineração em TIs (veja tabela com projetos contra os direitos indígenas). Os manifestantes também exigiram a revogação da Portaria 303 da AGU (Advocacia-geral da União), que restringe direitos territoriais indígenas e limita novas demarcações (leia mais).
Os protestos fazem parte do Abril Indígena, que ocorre há mais de seis anos e que, neste ano, reúne em Brasília cerca de 700 indígenas de 73 povos, de todas as regiões do País, até a próxima sexta (leia o manifesto da mobilização).
“Não somos ingênuos em achar que é só o Congresso que ataca os direitos indígenas. Há uma orquestração do governo e de outros Poderes contra esses direitos. Há conivência da Presidência da República”, criticou Sônia Guajajara, vice-coordenadora da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
As lideranças indígenas garantem que, mesmo com a instalação da comissão de negociação, vão continuar lutando pelo arquivamento da PEC 215 e de outros projetos que ameaçam seus direitos.
Divisão da base
Independente do resultado da comissão de negociação, o líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), sinalizou que o Planalto não deve colocar o time em campo para impedir a aprovação da PEC 215.
“Há uma diferença entre a posição do Executivo e dos partidos que apoiam o governo. Com certeza, haverá divergência entre os partidos sobre esse tema”, afirmou. “PEC, como qualquer iniciativa legislativa, sabemos como começa, mas não como termina”, disse.
“Essa PEC já começa mal para os povos indígenas e dificilmente terminará melhor”, contrapõe Adriana Ramos, secretária executiva do ISA.
Chinaglia avaliou que a manifestação dos índios no plenário, criticada pela bancada ruralista, pode ser usada por ela como pretexto para radicalizar a defesa de propostas contra os direitos indígenas.
O deputado insistiu em citar iniciativas da administração Lula, como a desintrusão da TI Raposa-Serra do Sol (RR), como exemplos de ações do governo em defesa dos direitos indígenas.
“Parece que não há um diálogo dentro do governo e do governo com sua base”, afirmou Padre Ton (PT-RO), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas. Ele admitiu que o governo de Dilma Rousseff mostra uma posição ambígua sobre a questão indígena.
O deputado disse ter ficado surpreso e decepcionado com a atitude de seu líder de assinar o requerimento de criação da comissão da PEC 215. Ele criticou a Portaria 303 da AGU e o Decreto Federal 7.957/2013, que autorizou o uso de forças militares para garantir a realização de estudos sobre projetos hidrelétricos. A norma serviu de base para o envio da Força Nacional a uma área habitada por índios Munduruku, no Pará (saiba mais).
Saiba mais, vendo aqui vídeo da AIK Produções.
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veja tabela com projetos contra os direitos indígenas | 272.53 KB |
leia o manifesto da mobilização | 99.23 KB |