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O governo federal e a Norte Energia, empresa responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, foram alvo de uma torrente de críticas em audiência pública realizada na Câmara, em Brasília, nesta quarta (8/7). O motivo é o descumprimento das condicionantes e do Programa Básico Ambiental (PBA) destinados a mitigar os impactos socioambientais da usina, que está sendo construída em Altamira (PA).
Deputados de vários partidos, moradores da região, representantes da sociedade civil e do Ministério Público Federal foram unânimes em afirmar que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não pode conceder a Licença de Operação (LO) da hidrelétrica, solicitada pela Norte Energia em fevereiro, antes que essas ações tenham sido cumpridas. A autorização permitirá encher o reservatório da barragem e é a última licença a ser concedida de numa série de três, iniciada em 2010, quando a obra começou.
A expectativa do governo e da empresa é que a concessão da LO saia até o fim de agosto. Assim, o reservatório poderia começar a ser enchido em setembro para que a primeira turbina da usina possa ser acionada no início de 2016. Sua operação deveria ter começado em fevereiro e a Norte Energia já teve um pedido de prorrogação do cronograma da obra negado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Por isso, as pressões sobre o Ibama, que já são grandes, deverão crescer nos próximos meses. O diretor de Licenciamento ambiental do órgão, Thomaz Toledo, disse que ele não tem prazo para analisar o pedido da LO.
Para parlamentares, militantes e procuradores, porém, se a licença for dada agora, o descumprimento das condicionantes vai se tornar um consumado. Eles voltaram a denunciar a violação sistemática dos direitos de ribeirinhos, pescadores, indígenas e moradores de Altamira em meio à obra.
“Populações indígenas, de ribeirinhos, de moradores urbanos e assentados, pessoas pobres estão hoje sendo vítimas da execução de seu deslocamento e do aviltamento de seus direitos mais elementares, em pleno século XXI, na execução da maior obra do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]”, criticou o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), um dos responsáveis pela audiência.
“É fundamental que Poder Público e o empreendedor assumam responsabilidades e compromissos agora para garantia de que haja cumprimento das condicionantes mesmo depois de mais de quatro anos de inadimplência”, alertou Carolina Reis, advogada do ISA. Ela apresentou alguns dos principais pontos do dossiê “Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação”, lançado pelo ISA, na semana passada. O documento aponta, por exemplo, que 42% das condicionantes relacionadas aos povos indígenas não foram cumpridas (veja abaixo o vídeo).
Terras Indígenas
A procuradora federal Thaís Santi denunciou que o Plano de Proteção Territorial das mais de 13 Terra Indígenas afetadas pela hidrelétrica, uma das principais ações mitigadoras previstas, sequer foi iniciado, apesar de o licenciamento exigir que ele deveria ter começado em 2010.
“O componente indígena dos estudos afirmava que de Belo Monte seria inviável para os povos indígenas se essas ações não fossem cumpridas”, alertou. “Às vésperas da concessão de licença para a operação da usina, estamos sem a proteção das terras indígenas iniciada”, completou. Santi afirmou que os povos indígenas afetados pela hidrelétrica estão sendo vítimas de um “etnocídio”.
A procuradora condenou a estratégia da Norte Energia de entregar produtos como TVs, barcos, alimentos industrializados e óleo diesel às comunidades indígenas, além de uma “mesada” de R$ 30 mil por aldeia. Ela afirma que, segundo inquérito do MPF, é possível afirmar que os recursos usados para esse fim, na verdade, foram desviados pela Norte Energia, já que deveriam ter sido usados em um Plano de Etno-desenvolvimento. Para Santi, a ação potencializou os efeitos negativos de Belo Monte, como problemas de saúde e a desestruturação das aldeias.
“Há uma obrigação da Funai de alocar recursos humanos para operar esse plano [de proteção das TIs]. Só que, numa ação do Ministério Público, saiu uma liminar que nos obrigava a alocar essas pessoas. O que estamos discutindo é que não temos obrigação de substituir o poder de fiscalização da Funai”, afirmou José Anchieta dos Santos, Diretor Socioambiental da Norte Energia, em entrevista ao ISA. “Agora, a estrutura física, o sistema, tudo está acordado com a Funai. Ele só está dependendo dessa negociação que está em vias de ser concluída”, comentou.
Santos buscou rebater a crítica incluída no dossiê do ISA de que a empresa desconsidera os impactos da obra na pesca, da qual dependem milhares de pessoas na região. “Nossos estudos, capitaneados por um dos maiores especialistas do mundo, que é o professor [José Galizia]Tundisi, mostram que não há perda de pescado e que não há impactos”, reforçou. O documento do ISA aponta que a metodologia dos estudos da empresa é falha e que há, sim, vários impactos para a atividade ao longo do Rio Xingu (saiba mais).