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Os problemas na saúde indígena voltaram a ser foco das atenções em Altamira (PA), na última terça-feira (18), durante uma audiência pública. Com a usina de Belo Monte praticamente pronta, o Ministério Público Federal (MPF) convocou os índios afetados, Fundação Nacional do Índio (Funai) e outros órgãos de governo envolvidos para um balanço sobre a situação na região afetada pela usina.
O diagnóstico do MPF é preocupante. A procuradora Thais Santi abriu a audiência relatando que viu três crianças morrerem de diarreia em meio a uma verdadeira infestação de baratas em aldeias da etnia Xikrin e Araweté. A procuradora esteve nas Terras Indígenas para investigar o cumprimento das condicionantes da hidrelétrica, as ações socioambientais de mitigação e prevenção de seus impactos.
“Há uma curva acentuada no aumento da desnutrição em crianças até cinco anos, de 2009 a 2013, quando a taxa de desnutrição passou de 7% para 16%”, disse a antropóloga Roberta Cerri, da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Ela reafirmou que os índices avançaram muito principalmente nos primeiros anos da obra, quando a Norte Energia, empresa responsável pela construção e pelas condicionantes, distribuiu cestas básicas com alimentos que não faziam parte do cotidiano destas populações. As cestas faziam parte do Plano Emergencial, uma sequência de ações que envolveu a entrega indiscriminada de produtos de até R$ 30 mil a cada aldeia afetada pelo empreendimento (veja infográfico).
“A falta de esperança em ver que as coisas não aconteceram também é uma forma de massacrar os povos indígenas”, disse Janete Carvalho, diretora de licenciamento da Funai. Ela ressaltou o fracasso do Plano de Atividades Produtivas, que auxiliaria os indígenas nas roças com distribuição de equipamentos, capacitações e sementes para o plantio. Janete explicou que a chegada de cestas básicas nas aldeias desestimulou o plantio de roças e o plano foi primeiro a ser contratado pela Norte Energia (com dois anos de atraso) para tentar minimizar a tragédia da execução do Plano Emergencial.
A execução do novo plano foi tão ruim que a própria Norte Energia não renovou os contratos com a empresa executora e pretende continuar as ações por conta própria. Recentemente, a Funai informou que vistoriou as Terras Indígenas e algumas aldeias ainda não conseguiram recuperar suas roças e continuam com risco de insegurança alimentar.
A discussão da audiência deve ser reproduzida no parecer que a Funai elabora, neste momento, sobre as condicionantes indígenas de Belo Monte. O órgão é responsável por fiscalizá-las, mas não tem poder de punir o empreendedor diretamente, caso verifique descumprimentos e irregularidades nas condicionantes. As análises são entregues ao Insituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), que deve incorporar o parecer do órgão indigenista. O Ibama aguarda o parecer da Funai para definir a autorização do enchimento do reservatório da usina, última etapa do licenciamento da obra. “A Funai lamenta muitíssimo o descompasso do cronograma da obra e ações indígenas”, afirmou Janete.
Santi lembrou que governo e Norte Energia descumprem uma liminar na justiça, de 2013, que determina fortalecimento da Funai por meio da realização imediata de concurso público e investimentos em infraestrutura. Essas ações deveriam ter sido realizadas antes do início da instalação do empreendimento.
A procuradora recomendou formalmente à Funai rever as ações e execução do Plano Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI) para incluir diversos impactos não previstos no licenciamento que se configuraram ao longo da obra, como condição para a licença de operação.
Violência Sexual
Até 2012, das 12 Terras Indígenas afetadas por Belo Monte, 9 tiveram casos de violência e exploração sexual de mulheres. A informação é do pesquisador Assis da Costa Oliveira, da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Isso envolve patrões e trabalhadores contratados para executar ações dentro das aldeias que mantiveram relações sexuais pagas com indígenas”, denunciou. Oliveira coordenou pesquisa sobre o tema feita sob encomenda da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 2012, e complementada com dados coletados até 2014.
Falta água nas aldeias
Antes mesmo do Xingu ser definitivamente desviado e sua vazão ser reduzida em até 70% na terras dos Juruna e Arara da Volta Grande, os indígenas já apontam a piora da qualidade da água. Aldenira Juruna, que vive em frente ao rio Xingu diz que já não pode beber água do rio. A indígena afirmou que a água está suja desde o início da construção da usina, que fica há pouco mais de 10 km de sua aldeia. “É uma coisa que nós temos que usar todos os dias. Pra beber, pra banhar, pra lavar. A falta de água é uma coisa que me toca muito”, afirma.
“Para fazer comida, pra banhar e pra beber os trabalhadores da Norte Energia usam água mineral, não tem coragem de beber nossa água e nós?”, questionou Giliarde Juruna, cacique da aldeia Mïratu
Os trabalhadores que o cacique menciona estão realizando a construção de unidades básicas de saúde dentro da aldeia, uma das condicionantes socioambientais da hidrelétrica. As obras começaram com três anos de atraso e os indígenas questionaram a Norte Energia porque nenhum trabalhador consome a água da aldeia, já que a empresa insiste em não assumir que a qualidade da água piorou depois do início da instalação da usina.
Norte Energia
Na audiência, o gerente de Estudos Indígenas da Norte Energia, Thomás Sottili, não respondeu os questionamentos pontuais dos indígenas. Em uma fala curta, disse que a empresa vem cumprindo quatro projetos nas aldeias com diversas ações.
“O que a gente sempre preza é um diálogo para os encaminhamentos de todas as situações nos subcomponentes em cada Terra Indígena e tem sido muito importante no processo”, disse Sottili. Ele ressaltou a redução significativa de casos de malária na região e se colocou a disposição para dialogar sobre as situações de violência sexual nas aldeias.