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Em quarentena, comunidades do Xingu, Rio Negro e Ribeira temem invasões e falta de alimentos

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Yanomami pedem ação do Poder Público contra o avanço do garimpo em suas terras, e quilombolas do Vale do Ribeira têm pressa para autorizações para plantar roças
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O agravamento da pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, veio reforçar a necessidade de continuar o isolamento social, a chamada “quarentena”, iniciada em meados de março.

Organizações e parceiros apoiados pelo Instituto Socioambiental (ISA) no Alto Rio Negro (AM), em Boa Vista (RR), no Território Indígena do Xingu (MT) e em Altamira (PA), promoveram naquele momento o retorno às pressas de indígenas e ribeirinhos às suas comunidades. Quem estivesse com sintomas deveria cumprir a quarentena de 15 dias, recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).



Já os quilombolas do Vale do Ribeira (SP) pediram, desde o início, para que ninguém que estivesse fora retornasse aos quilombos. O estado de São Paulo lidera o número de casos de Covid-19 desde o começo da pandemia no Brasil.

Passado esse primeiro período, a orientação geral para as comunidade indígenas é para que todas permaneçam fechadas e que não aceitem a entrada de pessoas, mesmo sendo de confiança ou parceiros. Com a precariedade da infraestrutura de saúde em todas essas regiões, e com o trágico passado de epidemias, que dizimaram dezenas de povos no Brasil, todo cuidado é pouco. Leia os relatos dos nossos parceiros:

Contra a pandemia e o garimpo

A Hutukara Associação Yanomami emitiu em 20 de março um comunicado em que avisa que os “parentes não devem sair de suas comunidades e ficar circulando nas cidades”. A organização indígena mandou um recado diretamente para o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça e a Fundação Nacional do Índio (Funai): “Vocês devem cuidar para que essa epidemia não entre na Terra Indígena Yanomami”.

A principal preocupação é com a exploração ilegal de ouro na TI, hoje invadida por mais de 20 mil garimpeiros. “Vocês estão com medo dessa nova epidemia que vocês criaram porque insistem em retirar minério da terra. Vocês comem a terra com suas máquinas e destroem a vida”, escreveram.

No dia 9 de abril, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) confirmou a morte de um indígena Yanomami - um jovem de 15 anos - em decorrência da Covid-19.

Ao que tudo indica, o garimpo e outras atividades ilegais, como a grilagem e a retirada de madeira, não irão cessar em meio à pandemia. No começo de abril, lideranças indígenas retiraram garimpeiros ilegais da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, com equipamentos para a extração de ouro e diamantes. Com o aumento do preço da grama do ouro no mercado internacional, passando de R$ 197,54 em dezembro de 2019 para R$ 268,17 no final de março de 2020, aliado à provável recessão da economia, o garimpo pode se tornar um caminho natural para compensar o desemprego.

Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), vem orientando comunidades das 23 etnias que vivem no Alto Rio Negro. Dia 7, ele gravou um comunicado em que reforçou a recomendação para que todos fiquem em suas aldeias, mesmo com o anúncio da liberação do auxílio emergencial de R$ 600 para informais pelo governo.

“Nós informaremos [após definida] a melhor forma de esse dinheiro chegar nas comunidades. Queremos evitar que nossos parentes façam viagens até as cidades e que esse vírus volte com eles. Nós, da Foirn, temos feito um esforço dia e noite, com autoridades parceiras, para tentar trabalhar para conseguir cestas básicas e material de higiene”, disse em vídeo publicado na página da organização indígena.

Elizângela da Silva, do povo Baré e uma das coordenadoras do Departamento de Mulheres da Foirn, reconheceu que, para os indígenas, as orientações de isolamento são bastante desafiadoras, porque as malocas nas aldeias são coletivas. “Para nós, não existe a expressão ‘ficar entre quatro paredes’. Somos da floresta, das águas. Sempre avisamos que o planeta estava doente. Será que nós indígenas iremos resistir outra vez?”, se questionou.

Ela alertou para a necessidade de disseminação das mensagens de prevenção contra o novo coronavírus. “Tem muito parente que não têm ideia do que está acontecendo. As comunidades não estão recebendo as informações de forma organizada”.

Consciente dessa necessidade urgente, a equipe do ISA em São Gabriel da Cachoeira (AM) produziu em março cartilhas informativas nas línguas Baniwa, Dâw, Nheengatu e Tukano para serem distribuídas nas Terras Indígenas pelos profissionais de saúde do DSEI-ARN (Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro). O material tem versão em português e também será usado em contexto urbano pelos profissionais da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), assim como por outros multiplicadores da área de educação, meio ambiente e saúde, como os agentes indígenas de manejo ambiental (Aima’s), lideranças e comunicadores indígenas.

Daniela Patrícia, do povo Tukano, universitária indígena da Unicamp (SP) e membro da Rede Wayuri de Comunicação Indígena, contou que está de quarentena desde 13 de março. “Espero que esse período passe logo e que nós, estudantes indígenas, não sejamos prejudicados. Ando tendo dificuldades para seguir com as aulas virtuais, pois estou preocupada com a situação. Peço aos nossos seres ancestrais para que nos protejam nesse momento tão difícil”.




Claudia Ferraz, do povo Wanano, ressaltou que os integrantes mais velhos das comunidades estão buscando nos ensinamentos dos mais antigos as estratégias para conter a Covid-19. Ela é locutora, produtora e editora do boletim de áudio Wayuri.

“Estão defumando as casas e selecionando ervas para benzimentos, banhos e chás. Meus pais já trouxeram esses saberes para podermos nos cuidar da melhor forma possível. Mas sabemos que esse vírus é muito perigoso. Estamos com medo”, afirmou.

“Os brancos ficam cada um no seu quarto. Na realidade indígena isso não existe. É como se houvesse um quarto só, onde todos compartilham e vivem. Precisar separar um familiar desse círculo seria muito diferente para a nossa cultura”.

Do povo Desana, Janete Alves, integrante do departamento de mulheres da Foirn e comunicadora da Rede Wayuri, explicou que, no momento em que saíram as primeiras informações sobre a Covid-19, ela não imaginava que poderia representar uma ameaça para a região. Depois, conscientes do risco, os indígenas se somaram aos esforços de alertar as comunidades, sobretudo as mais afastadas.

“Nosso território é imenso e isso nos preocupa. Em São Gabriel [da Cachoeira] há um hospital, mas não será suficiente para todos”, lamentou. “Nas últimas semanas estamos cumprindo o distanciamento social e as recomendações que recebemos. Queremos ter pensamento positivo de que tudo isso vai passar e continuaremos a viver como antes”.

Pelo direito de plantar

No Vale do Ribeira, Rodrigo Marinho Rodrigues da Silva informou que o Quilombo de Ivaporunduva, no município de Eldorado (SP), está construindo uma rede solidária junto às famílias e comunidades vizinhas (São Pedro e Galvão) reunindo alimentos. “É uma iniciativa de apoio às famílias que sabem da importância da comunidade exercer sua tradição e cultura no plantio de suas roças, contribuindo para a segurança alimentar”, afirmou.



Em função da pandemia, as comunidades quilombolas de São Paulo estão em isolamento voluntário e suspenderam todas as atividades produtivas e de geração de renda, como venda de artesanato e turismo comunitário.

Associações locais encaminharam no dia 2 de abril um ofício ao governo paulista solicitando concessão imediata das autorizações para plantio das roças tradicionais, essenciais para a segurança alimentar das comunidades em meio à pandemia. Com a restrição de circulação de pessoas, não será possível fazer acordos voluntários ou conseguir autorizações individuais de roças de coivara, que requerem procedimentos dentro das comunidades, até o início do preparo das áreas.

Confira o vídeo para conhecer a roça de coivara.




O Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira elaborou peças gráficas com orientações sobre saúde e medidas para proteger os territórios . A mensagem foi traduzida para o Guarani.

Já a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira(Cooperquivale) segue realizando a feira às terças-feiras em Eldorado, respeitando as orientações dos órgãos oficiais de saúde.

O atendimento é feito com máscara e luvas, há álcool gel à disposição e a entrada é limitada a três clientes por vez.

Isolamento para sobreviver

Francisco de Assis Porto de Oliveira, o Seu Assis, presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (Amoreri), relatou no final de março que os últimos ribeirinhos que estavam na cidade já seguiram para suas casas.

No total, cerca de 150 ribeirinhos das Resex Riozinho do Anfrísio, Rio Xingu e Rio Iriri retornaram. "A preocupação nas Resex com relação ao coronavírus abalou todo mundo. Nos preocupamos em tirar todos que estavam na cidade e levar de volta para as Resex. É muito importante levarmos as pessoas para lá, desse jeito ficamos protegidos desse vírus maldito que está repercutindo no país inteiro”, lamentou.

“É muito preocupante quando vemos uma doença dessas chegando no Brasil, entrando no nosso estado. Por isso mesmo é que eu, como presidente da associação, dei todo o apoio que foi necessário para resgatar todos os comunitários para suas residências”. Segundo ele, a comunidade sabe que a pandemia é um assunto global. “A grande preocupação é essa: se manter afastado da cidade e se proteger, ficar lá nas nossas casas e não sair de lá até que tenha sido resolvido".



Segundo Ianuculá Kaiabi, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), o foco das primeiras ações foi a elaboração de documentos direcionados para municípios do entorno e para as empresas que prestam serviços para os povos indígenas do Xingu, buscando garantir o respeito ao isolamento voluntário.

“Pode ser que em algum momento a sociedade envolvente possa achar exageradas as medidas de bloqueio e restrição de entrada de pessoas estranhas ou visitantes nas aldeias. Mas o fato é que as comunidades estão muito alertas sobre esse problema, pois conhecem o passado histórico. Epidemias dizimaram totalmente ou parcialmente sociedades indígenas em todo o Brasil. Vamos nos proteger. A aldeia é o lugar mais seguro nesse momento”, reforçou.

Marina Terra, Isabel Harari, Juliana Radler e Roberto Almeida
ISA
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