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Estrada no Parna do Iguaçu ameaça último refúgio de onças e da “Mata Atlântica do Interior” no Sul

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O ISA publica hoje a segunda reportagem da série sobre o Parque Nacional do Iguaçu, mostrando os possíveis impactos da polêmica proposta que pretende reabrir uma estrada em seu interior
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O Projeto de Lei (PLC) 61/2013, do deputado Assis do Couto (PT-PR), que pretende reabrir a chamada Estrada do Colono, fechada desde 2003, no Parque Nacional (Parna) do Iguaçu (PR), ameaça um dos últimos refúgios da onça pintada na Região Sul. A área é também o fragmento mais significativo do que restou da Mata Atlântica do Interior, a Floresta Estacional Semidecídua, uma das fitofisionomias mais ameaçadas do bioma mais ameaçado do País, a Mata Atlântica.

Na reportagem anterior desta série, mostramos que pesquisadores, ambientalistas e o governo federal são contra o projeto, que está tramitando no Senado (veja aqui). A resistência à proposta baseia-se no acúmulo de conhecimentos sobre as consequências ambientais negativas de rodovias em qualquer área florestada.

Um dos principais impactos diz respeito à fragmentação de habitats, responsável pelo desaparecimento de várias espécies (saiba mais). O processo está relacionado ao “efeito de borda”: o conjunto de alterações na composição e abundância de espécies nas margens de um fragmento florestal. A redução da umidade, o aumento da temperatura e da incidência da luz ocasionados, por exemplo, pelo desmatamento ou a implantação de uma rodovia, provocam a morte de várias espécies de plantas, como grandes árvores expostas ao vento, e a proliferação de outras, em especial cipós e arbustos. Isso cria uma reação em cadeia, com impactos profundos no ecossistema, que podem variar em uma faixa de 300 metros a três quilômetros. Muitos herbívoros – como cotias, pacas e antas – podem sair da área. Como eles são importantes dispersores de sementes, a tendência é que a mata da região seja empobrecida. Ao mesmo tempo, esses animais levam consigo os grandes predadores. No caso do Parna do Iguaçu, o problema é que isso obrigaria onças a invadir o território de outras onças ou buscarem presas fora do parque, em fazendas, provocando a morte dos felinos.

Estima-se que, nos últimos 20 anos, o número de onças pintadas no Parna do Iguaçu tenha caído de cerca de 140 para 18 indivíduos, principalmente por causa da caça. Trata-se de uma população já bastante fragilizada e em situação crítica. Para garantir sua sobrevivência no futuro, seria necessário importar indivíduos.

Junto com a caça e a redução de presas, a fragmentação e perda de habitats são justamente os principais motivos para a redução da população de onças pintadas em todo País. No Brasil, a população da espécie teria caído 30% nos últimos 27 anos, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em toda a Mata Atlântica, haveria menos de 250 animais (saiba mais).

Em 2012, foram presos 14 caçadores no Parna do Iguaçu e 13, em 2011. O coordenador de Proteção da UC, Ivan Batiston, conta que, nos acampamentos clandestinos na área, são encontrados equipamentos caros, como lunetas de visão noturna e silenciadores. Ele informa que políticos e empresários da região já foram flagrados caçando e estão sendo processados.

“Uma estrada como essa vai aumentar a problemática. Teremos de ter muito mais gente para fazer a fiscalização desse trecho e aí você expõe outras áreas por falta de pessoal”, alerta Batiston. Seriam necessários pelo menos 70 homens para fazer a fiscalização dos 185 mil hectares do parque, mas, atualmente, apenas 10 policiais estão disponíveis para o trabalho diariamente.

A estrada cortaria a região onde hoje, para proteger as espécies ali existentes, apenas funcionários e pesquisadores credenciados podem entrar. A facilidade de acesso agravaria também o atropelamento de animais e a extração ilegal do palmito jussara, que praticamente não existe mais no Paraná.

Se a situação do parque atualmente já é delicada com as dificuldades de acesso impostas pela floresta, com a abertura da rodovia a tendência é que as onças, o palmito e outras espécies sumam de vez. Outras consequências negativas seriam a invasão de espécies exóticas, o assoreamento e contaminação de cursos de água.

Importância para a conservação

O mapa da Mata Atlântica é bem explícito quanto à importância do Parna do Iguaçu para a conservação. A área aparece como o último remanescente no oeste do Paraná, uma pequena mancha verde em meio a um grande vazio florestal (veja mapa). A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do País, com apenas 13% de remanescentes florestais, incluídos pequenos fragmentos, e tem menos de 9% de sua extensão original protegida por UCs (veja mapa do bioma).

No parque, já foram feitos registros de 257 espécies de borboletas, porém estima-se que existam cerca de 800, além de 45 de mamíferos, 12 de anfíbios, 41 de serpentes, 8 de lagartos, 18 de peixes e 200 espécies de aves. Há pelo menos uma espécie endêmica de peixe dentro da área, ou seja, que não foi encontrada em nenhum outro lugar.

“A representatividade do Parque Nacional do Iguaçu para a conservação da Mata Atlântica é gigantesca”, adverte Apolônio Rodrigues, chefe de Manejo da área.

Um território florestado com 185 mil hectares, como o Parna, é responsável por uma série de serviços ambientais. Rodrigues destaca pelo menos três, que beneficiam toda a região: a melhoria da qualidade do ar, mais umidade e controle de pragas – todos fundamentais numa das principais regiões agrícolas do Paraná e do Brasil.

Além disso, o parque funciona como uma espécie de filtro gigante do Rio Iguaçu, que carrega dejetos das inúmeras cidades que atravessa, desde Curitiba, no extremo oposto do Paraná. Por causa das cataratas e da floresta, a água deixa o parque mais oxigenada e limpa do que entra.

Esses serviços são potencializados porque a UC integra o mais importante maciço florestal do centro-sul da América do Sul, com cerca de um milhão de hectares. Além do parque do Iguaçu, no Brasil, ele é formado, no lado argentino, por um conjunto de áreas protegidas que soma 415 mil hectares, além de um grande fragmento florestal com outros 400 mil hectares não protegido formalmente.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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