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Incêndio que começou há mais de um mês continua ameaçando comunidades indígenas de recente contato e isolados na região oeste do Maranhão. Iniciado na Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu, o fogo rapidamente alastrou-se para as TIs Awa e Caru, mais ao sul, atingindo uma população de 365 indígenas Awa-Guaja e cerca de 60 índios isolados que vivem em pequenos grupos espalhados pelo território (veja fotos na galeria no final da reportagem e vídeo abaixo).
No último domingo (29/11), o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo) disponibilizou três brigadas com um contingente de 60 homens, que se juntaram aos grupos de indígenas que até então lutavam sozinhos para conter o fogo. Até agora, não foi possível controlar o incêndio nem determinar sua extensão. Wilson Antônio, cacique da aldeia Maçaranduba (TI Caru), descreve um cenário de desalento. “Os índios que estão tentando apagar o fogo não aguentam mais, estão exaustos. Tem vários animais mortos, o rio e os igarapés secaram. Estamos desesperados”, lamenta.
Os Awa Guaja são caçadores e coletores, dependem exclusivamente da floresta para sobreviver. Os danos do incêndio podem afetar diretamente seu modo de viver. “Sem essa terra, que está sendo queimada, vamos presenciar a extinção desse povo”, alerta Madalena Borges, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “A gente vive da coleta, buscamos açaí, cupuaçu...E está tudo pegando fogo. Como é que a gente vai viver daqui pra frente?”, questiona Wilson.
Preocupação com os isolados
“Imagina [o impacto] desse incêndio nos isolados, que querem continuar vivendo de forma autônoma, livremente pelo território”, adverte Madalena. Um sobrevoo de helicóptero feito pela equipe do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e relatos de grupos dos indígenas que se mobilizaram para combater o fogo atestam que o incêndio já atinge a região habitada pelos índios isolados. “A situação dos isolados é crítica. O fogo continua se alastrando e eles estão no meio. Sabemos que tem gente entre os rios Pingaré e o Caru [no sul da TI Caru], que é bem aonde está queimando”, alerta o cacique Wilson.
Bruno de Lima e Silva, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Awá-Guajá da Fundação Nacional do Índio (Funai), explica que a instituição já está se mobilizando para ajudar os isolados que vivem na região e confirma que existe o risco de contato. “Com certeza, os primeiros a se manifestarem quando não tiverem mais condições de resistir ao fogo vão ser eles. Temos de estar preparados para uma situação de eles aparecerem em alguma aldeia ou aparecerem nas áreas de fogo”.
Os indígenas cobram das autoridades o envio de um helicóptero para auxiliar no combate aos focos de incêndio, tendo em vista que eles estão localizados em áreas de difícil acesso e com a presença de indígenas isolados. A Funai informou que fez uma solicitação ao Ibama para a liberação de um helicóptero para monitorar os focos de forma mais apropriada.
Incêndios criminosos
Apenas no último ano, foram contabilizados 684 focos de incêndio na TI Alto Turiaçu, 718 na TI Awa e 76 na Caru. O alto índice de desmatamentos, que circundam e invadem as Terras Indígenas, aumenta a incidência de queimadas na região. Há suspeitas de que haja incêndios criminosos, uma represália dos madeireiros que foram expulsos da região em uma recente ação de fiscalização contra venda ilegal de madeira.
Para Antônio Wilson, os incêndios são fruto de ação criminosa. “Eles [os madeireiros] vão usar todo o tipo de estratégia ruim pra tirar a madeira, botar fogo em tudo, por exemplo. Nós nunca vimos um incêndio dessa dimensão”, informa. Relatos atestam que o fogo apareceu em regiões próximas às comunidades e que, quando se apaga um foco de incêndio, logo se inicia outro ao lado. Indígenas contam que, quando estavam caminhando pelas roças na aldeia Maçaranduba, ouviram barulhos de passos e instantes depois surgiu o fogo.
A comunidade formou uma brigada de 34 pessoas, os “Guardiões da Floresta”, que se revezam para fazer a fiscalização dos 173 mil hectares da TI e protegê-la contra os madeireiros e caçadores ilegais. “Eles são muito organizados, uma máfia. Eles vão embora e logo voltam. A gente fica muito preocupado, a única coisa que podemos fazer é informar as autoridades”, relata Wilson.
Ele já contatou os órgãos responsáveis – Ibama e Polícia Federal – inúmeras vezes e alerta que se não forem tomadas providências mais efetivas no combate à exploração ilegal de recursos da floresta o mesmo pode acontecer no ano que vem. “Se não ficar vigiando, eles vão botar fogo no que sobrou”. Enquanto nenhuma medida é tomada, o fogo continua se alastrando. “[O que está queimando] é a minha terra, a mata onde vivo, onde nasci e me criei, é o lugar que tiro meus alimentos. Eu não sei como é que a gente vai ficar daqui pra frente se não chegar o fim desse fogo, é uma parte da minha vida que tá sendo destruída”, desabafa.
Recentemente, outra TI no Maranhão foi atingida por um incêndio gigantesco. A TI Araribóia perdeu cerca de 220 mil hectares de floresta, mais da metade de sua extensão total. O fogo deixou em perigo 12 mil indígenas Guajajara e 80 Awá. A queimada só foi controlada no fim de outubro, mais de um mês após o início. Os indígenas denunciaram que o fogo foi criminoso, o que foi confirmado depois pelo Ibama.