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Foirn e ISA realizam curso de história do Rio Negro e formação de lideranças

O II Módulo do curso de História do Rio Negro e o I Módulo de formação de lideranças foram realizados pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), suas associações de base (Acimrn, de Santa Isabel e Asiba, de Barcelos) e o ISA, de 16 a 21/10
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Cerca de 50 pessoas das etnias Baré, Tukano, Tariano, Desana, Arapaso, Baniwa e Paumari, entre as quais 15 inscritos para o curso de Formação para Lideranças Indígenas do Rio Negro participaram das atividades, representando suas comunidades e associações, correspondendo às cinco coordenadorias da região de abrangência da Foirn. (veja quadro no final do texto com a lista das comunidades e associações que participaram do curso).

O Módulo II do curso foi realizado na comunidade indígena de Canafé (município de Barcelos), na escola indígena Yandé Potira (Nossa Flor em nheengatu), entre 16 e 21 de outubro, e contou com uma exposição fotográfica, organizada pelo ISA, dos principais momentos históricos na luta dos povos indígenas pelo direito à demarcação de suas terras, saúde e educação além da presença de um cinegrafista indígena, João Arimar, que filmou de todo o curso, a ser, posteriormente, editado e publicado. O primeiro módulo foi realizado em julho de 2010, em Barcelos (saiba mais).

Entre aulas na maloca, no centro comunitário ou embaixo das árvores o curso analisou processos históricos da região e seus efeitos na vida dos povos indígenas do Médio e Alto Rio Negro, relacionando-os com caminhos e escolhas das lideranças indígenas, avanços e obstáculos do movimento indígena no cenário político regional e nacional. Trata-se de uma análise que contribui para a valorização das culturas, percorrendo a história e as identidades.

Dividido em dois momentos, o primeiro teve foco na história de ocupação do Rio Negro, ministrado pelos professores de história José Ribamar Bessa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e Geraldo Pinheiro, da Universidade do Porto (Portugal). O segundo momento sobre a trajetória do movimento indígena do Rio Negro contou com a apresentação de Braz França, presidente da Foirn entre 1992-1996, e de Maximiliano Menezes, diretor em três mandatos e coordenador eleito da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) para a gestão 2014-2017.

Nos três primeiros dias houve exposição dos professores e debates sobre o “Tempo dos ancestrais”, destacando os principais acontecimentos, tais como: 1- criação da humanidade; Invenção das flautas sagradas; Enfeites cerimoniais, caxiri, ipadu, danças; 2- a construção de malocas, canoas, instrumentos de caça e pesca. 3- a domesticação da mandioca, o surgimento da agricultura, das roças; 4- a fabricação de farinha, instrumentos e técnicas; 5- o uso e fortalecimento das línguas indígenas, do saber dos velhos, das rezas e dos benzimentos.

O “Tempo dos portugueses” “tempo dos comerciantes” e “tempo das missões” também esteve em debate, com foco na história de povoamento de São José da Barra do Rio Negro (1669), atual Manaus; sobre o descimento dos indígenas do Rio Negro; os resgates e guerras justas; a criação de aldeias de repartição; a escravização de índios; a organização do trabalho indígena e a resistência indígena.

Segundo Geraldo Pinheiro, esses pontos principais da história de colonização do Rio Negro são interessantes para observar como a violência e a forma de exploração de mão de obra fizeram com que os índios do Baixo Amazonas fossem dizimados. Contudo, o que não se estuda na escola é que durante todo o período colonial sempre houve resistência indígena. De acordo com Pinheiro, há mais de 130 nomes de chefes indígenas, registrados em documentos históricos, que se rebelaram contra os portugueses, mas são fatos pouco divulgados.

“A história não é passado, porque é uma representação sobre o passado e quem a constrói é o historiador e o historiador não é neutro, então ele recebe as influências que o condiciona na forma de ver e sentir o passado”, analisou Pinheiro. “Os historiadores brasileiros, mesmo estando no Brasil, possuem um referencial eurocêntrico. Estão marcados pela perspectiva eurocêntrica. Felizmente esse olhar vem sendo desconstruído. O objetivo nessa desconstrução é permitir uma visão mais adequada possível e não uma verdade absoluta”.

José Bessa destacou a importância da oralidade para a história, enfatizando que quando se coloca a história no papel, se coloca uma versão, que fica congelada e a oralidade possui muitas vantagens sobre a escrita. Primeiro porque ela não se congela, segundo porque ela tem coisas que são performáticas: o gesto, a forma de contar e as expressões faciais. Para se valorizar e fortalecer as culturas indígenas deve-se pensar em coletar essas histórias, mantendo-as vivas também, através da oralidade.

Os participantes refletiram que a história deve ser vivenciada e não apenas ser passada para o papel e depois guardada. Por isso a oralidade para as culturas indígenas é tão importante, pois vivenciar a história de seus ancestrais é também manter viva a identidade indígena. Os professores indígenas consideraram importante essa discussão, apontando a oralidade como uma estratégia de fortalecimento de suas culturas, sobretudo dentro da proposta de educação escolar indígena, específica e diferenciada.

“A história mora dentro de nós e nós aprendemos que não podemos ficar com ela dentro de nós, nós temos que por pra fora, se ficarmos calados vai acontecer o que vem acontecendo aqui no Médio Rio Negro, o esquecimento. Nós temos que colocar o que temos de bom pra fora, começar a mostrar”, afirmou o professor Osmar, da escola indígena Yandé Potira, de Canafé.

Já o coordenador da Coiab, Maximiliano Menezes destacou que uma das formas de resistência indígena hoje está no fortalecimento da língua. No caso do Médio Rio Negro, é a língua geral, conhecida como Yengatu ou Nhengatu. “Se vocês falam nheengatu é preciso passar esse conhecimento, passar para seus filhos. Se você falar só com sua esposa ou marido o nheengatu e falar com seus filhos o português, eles não vão aprender. A língua é uma arma fundamental para nossas defesas. Porque muitos projetos de leis estão sendo discutidos e criados para nós e nós não entendemos. Isso é porque não falamos bem o português, mas se tiver alguém lá que fale nossas línguas e possa transmitir as informações em nossa língua teremos como entender e como nos defender”, disse.

Com Braz França, Maximiliano ministrou o segundo momento do curso, sobre história do movimento indígena do Rio Negro, a partir da temática “Política e Movimento Indígena: a história entre avanços e obstáculos”. Braz e Maximiliano convidaram os participantes a exercitar a oralidade, trazendo os fatos históricos do movimento indígena a partir de uma rica e detalhada narrativa de suas vivências durante o processo de criação de organizações indígenas no Rio Negro, que posteriormente culminou na fundação da Foirn e em sua luta vitoriosa na demarcação das Terras Indígenas contínuas do Alto Rio Negro. Evocaram bandeiras de luta da Foirn (Terra e Cultura), por meio de suas histórias de vida e trabalhos frente às associações indígenas.

“Passei 16 anos viajando, aprendi ser motorista, operador de máquina e mecânico de máquinas pesadas. Voltei pra minha região, a ausência foi para aprender, como se organiza um povo e um grupo para termos benefícios coletivos. Diziam que não éramos mais índios, índios era lá no Cauburis que andavam nu. A Funai tem até documento que os Baré eram auto-extintos. Esconderam sua identidade como forma de resistência”, contou Braz.

Nomes como Pedro Machado, Álvaro Tukano, Carlos Eugenio, Carlos Machado, Gabriel Gentil, Americo Maranhão, Edna Trindade - a primeira mulher na diretoria da Foirn - Regina Duarte, presidente da Associação de Taracuá Uaupés, dona Olimpia, do Xié, dona Judite, de Iauaretê e Rosilene Fonseca, foram lembrados como pessoas que começaram a pensar em uma organização, com o interesse de representar os povos indígenas do Rio Negro e falar diretamente com o governo, sem a intermediação de agentes da sociedade envolvente.

Um ponto importante de reflexão durante o debate foi a importância da demarcação das Terras Indígenas, como uma forma de se proteger de ameaças externas de comerciantes, mineradores, ruralistas, garantindo assim a sobrevivência dos povos indígenas e seus direitos ao bem viver. Os participantes consideraram que a Foirn teve e tem um papel de fundamental importância na luta dos povos indígenas do Rio Negro por seus direitos à terra, educação, saúde e alternativas econômicas, destacando que o Alto Rio Negro deve unir forças para ajudar o Médio Rio Negro a demarcar suas terras.

Comunidades e associações indígenas participantes

Comunidades: Cartucho, Canafé, Santa Inês, Ponta da Terra, Acaricuara, Campinas do Rio Preto, São Francisco, Bacabal, Nova Vida, Tapera, Pari-Cachoeira, Cunurí, Assunção do Içana, Taracuá do Uaupés, Balaio e Açaituba.

Associações Indígenas:
Aibad- Associação Indígena de Base Aracá e Demini, Coipam – Coordenação das Organizações Indígenas do Amazonas, Acimrn- Associação das Comunidades Indígenas do médio rio Negro, Acirp – Associação das Comunidades Indígenas do Rio Preto, Asiba – Associação Indígena de Barcelos, Aiacaj – Associação Indígena da Área de Canafé e Jurubaxi, Acir – Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas, Acirx – Associação das Comunidades Indígenas do Rio Xié, Ociarn – Organização das Comunidades Indígenas do Rio Negro.

Leia o texto escrito pelo historiador José Bessa sobre o evento.

Lirian Monteiro e Renato Martelli
ISA
Imagens: 

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