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A relatora especial da ONU para Direitos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou, ontem (20/09), na Comissão de Direitos Humanos do órgão internacional, em Genebra, Suíça, o relatório definitivo sobre sua visita de dez dias ao Brasil, em março (saiba mais).
Entre as agressões e ameaças aos índios no país, Tauli-Corpuz aponta vários casos de violência, grandes projetos de desenvolvimento, dificuldades de acesso à Justiça, paralisia das demarcações de terras, sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo o documento, os problemas são causados pela omissão do governo brasileiro.
Líderes indígenas e organizações indigenistas avalizaram as denúncias e cobraram da administração de Michel Temer o cumprimento das recomendações do relatório.
“Estamos de acordo com todas as conclusões da relatora”, afirmou Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Esperamos um compromisso concreto do Brasil para implementação das recomendações da relatora especial”, destacou. Ela avalia que a situação dos índios piorou no país.
“Esperamos que o relatório contribua para garantir definitivamente a demarcação do nosso tekoha [território tradicional]”, disse o líder indígena Elizeu Lopes Guarani, do Mato Grosso do Sul. Para ele, o governo brasileiro tem de ser responsabilizado por despejos e violências sofridos pelos povos indígenas.
“Nos oito anos que se seguiram à visita de meu predecessor, há uma inquietante ausência de avanços para a implementação das recomendações do Relator Especial e na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas”, avaliou Tauli-Corpuz.
O relatório aborda casos emblemáticos, como os das hidrelétricas de Belo Monte e de São Luiz do Tapajós, no Pará. “A Relatora Especial ficou particularmente alarmada em saber que as medidas de mitigação e as condicionantes identificadas como necessárias para o seguimento do projeto [de Belo Monte] não tinham sido implementadas, aumentando os sérios impactos sobre a vida e os direitos dos povos indígenas”, escreve Tauli-Corpuz.
“De um modo geral, inexiste mecanismo adequado de consulta com os povos indígenas com relação a grandes projetos de desenvolvimento”, analisa. No detalhamento sobre a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, o documento denuncia a ausência de consulta aos povos impactados. O licenciamento da usina foi arquivado recentemente pelo governo.
A relatora também se diz “especialmente preocupada com o nível de violência racial contra os povos indígenas nos estados do Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná”. Ela criticou o uso do “marco temporal” no Brasil, argumento segundo o qual os indígenas teriam de estar ocupando seus territórios em 1988, ano da promulgação da Constituição, para ter sua posse reconhecida.
Entre as recomendações do relatório, estão medidas para proteger lideranças indígenas, demarcar todas as terras indígenas, reparar os impactos de atividades de desenvolvimento sobre os indígenas no país e fortalecer a Funai.
Diplomatas brasileiros tentaram rebater algumas das denúncias e críticas ainda na reunião do conselho, mas reconheceram algumas delas. "Ao mesmo tempo em que reconhecemos muitas das deficiências indicadas no relatório, gostaríamos de observar que alguns desenvolvimentos importantes ocorreram desde a visita do relator especial James Anaya, em 2008, e a visita de Victoria Tauli-Corpuz", respondeu a embaixadora Regina Maria Cordeiro Dunlop. Ela exemplificou como supostos avanços a demarcação de 35 Terras Indígenas entre 2008 e 2016, a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista e do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
O governo brasileiro disponibilizou um documento com comentários e respostas ao relatório. Nele, afirma que o licenciamento de São Luiz do Tapajós incluiu consulta aos índios Munduruku, que podem ser afetados pela usina, e defende as medidas de mitigação socioambiental de Belo Monte.
"Os próprios Munduruku estão aí, há meses, denunciando a incapacidade do governo de manter um diálogo com eles respeitoso e marcado por boa fé", rebateu Luís Donizete, secretário executivo da Rede de Cooperação Amazônica (RCA). Ele avalia que o governo demonstra compreensão limitada do instrumento de consulta aos povos indígenas previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil.
Em um evento realizado hoje (21/9) em Genebra, paralelamente à reunião do Conselho de Direitos Humanos, a RCA lançou a publicação Dificuldades e Resistências no processo de implementação do direito à consulta livre, prévia e informada no Brasil.
Érika Yamada, relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos (Dhesca) Brasil, participou da reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Confira abaixo a entrevista com ela.
ISA – Qual é sua avaliação sobre a resposta do governo brasileiro ao relatório? Que mensagem o país passa com tal posicionamento?
Érika Yamada - A resposta do governo em plenária foi bastante suave, entendo assim, apenas destacando dados de avanços em políticas, especialmente de educação e em saúde, a realização da Conferência e o estabelecimento do Conselho Nacional de Política Indigenista, bem como do Conselho Nacional de Direitos Humanos e a demarcação de terras. Mas sem a ponderação de onde estão essas terras, como é que se garante a posse plena, a proteção efetiva desses territórios.
ISA – Qual é a importância do relatório para os povos indígenas no Brasil? Como ele pode ser usado na prática pelos indígenas e por organizações indigenistas no país?
EY – Na prática, ele pode ser usado para orientar e também impulsionar um maior diálogo entre o governo e os povos indígenas. Inclusive, em conversa na reunião ontem com a embaixadora, a gente deixou a sugestão de que a pauta fosse encaminhada para o Conselho Nacional de Política Indigenista, para que as recomendações cheguem nos órgãos responsáveis pelos diferentes temas que foram abordados. Mas que também o Conselho sirva de espaço pra um monitoramento, dos povos indígenas e da sociedade civil, do cumprimento dessas recomendações.
O governo aqui não respondeu nem que sim, nem que não. Mas a gente, enquanto sociedade civil, e a Plataforma de Direitos Humanos também, vamos insistir nesse segmento, para que as recomendações no plano internacional revertam em ações concretas no plano nacional. Eu acho muito importante também, tanto da fala da relatora como da reação do governo, oral e escrita, usar essas reafirmações do próprio ministro da Justiça, de que não vai retroceder, de que não vai revogar direitos e de que vai fortalecer o órgão indigenista etc.
ISA – Qual é a expectativa da aplicação das recomendações da relatora pelo governo interino?
EY – A relatora não fez aqui hoje essa distinção de governo, governo interino ou novo governo, mas ela colocou bem claramente de que é preciso que nacionalmente essas recomendações virem ações e que isso depende muito também dos povos indígenas e da sociedade para esse acompanhamento no plano nacional.
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Dificuldades e Resistências no processo de implementação do direito à consulta livre, prévia e informada no Brasil | 236.36 KB |