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Guarani do Jaraguá reafirmam que não sairão de suas terras na Zona Norte de São Paulo

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Em carta, índios reiteram que não aceitam reintegração de posse determinada pela Justiça e que vão resistir com suas próprias vidas. Ministério da Justiça posterga assinatura de portaria que reconheceria a área
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A população Guarani Mbya da aldeia Itakupe, na Terra Indígena Jaraguá, Zona Norte de São Paulo, vive a iminência de uma reintegração de posse desde março, quando a Justiça Federal determinou que a comunidade saísse da área, após agravo movido pelo ex-deputado federal e ex-prefeito de São Bernardo do Campo Antônio Tito Costa. A aldeia fica dentro dos limites dos 532 hectares já reconhecidos como terra indígena tradicionalmente ocupada pelos Guarani, a TI Jaraguá, mas cuja Portaria Declaratória ainda não foi assinada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Desde 2005, a área está em disputa. Os indígenas foram retirados da retomada no mesmo ano por uma ação de reintegração de posse e retornaram à área já reconhecida, com apenas 1,7 hectares - a menor TI do Brasil -, onde vivem hoje 700 pessoas. Depois disso, a Funai recorreu da decisão e finalizou os estudos de reconhecimento da área de 532 hectares. Diante da lentidão do ministro, os Guarani deram voltaram a retomar das áreas que lhes são de direito.

“Esse senhor, Antônio Tito Costa, quer despejar nossa aldeia e encher o chão de eucalipto, que seca e estraga a terra. Ele quer encher de dinheiro a sua conta no banco . Há dinheiro que pague a morte de uma nascente? Há dinheiro que pague a sede de São Paulo?”, diz um trecho da carta.

“Essa terra faz parte da cultura indígena e a gente não pode perder isso. Se a gente for entregar, aceitar o que eles tão pedindo, a gente vai entregar uma coisa que é nossa, e o nosso povo, como é que fica?”, questiona o cacique Ari Guarani. Ele reitera que a comunidade não vai sair da área.

Leia abaixo a carta da comunidade Guarani Mbya da TI Jaraguá.

Carta aberta dos Guarani Mbya do município de São Paulo contra reintegração de posse na Aldeia Itakupe

Nós, Guarani Mbya do município de São Paulo, que hoje vivemos em três aldeias na Terra Indígena Jaraguá e seis aldeias na Terra Indígena Tenondé Porã, anunciamos a todos vocês, aos órgãos do governo, e à justiça, que não aceitamos a reintegração de posse ordenada contra o nosso povo, no Tekoa Itakupe, aldeia Sol Nascente, na Terra Indígena Jaraguá. Todos nós os Guarani de São Paulo temos parentes que vivem lá, e nós não abandonaremos nem eles nem esta terra. O Itakupe é o único pedaço de chão de que dispomos para construir nossas casas sem nos espremermos, é a única terra em que podemos plantar nosso alimento e manter nossa cultura.

O Sr. Antonio Tito Costa diz ter comprado a terra há muitos anos, mas perguntamos a vocês “quando ele viveu aqui?”,“quando foi que ele pisou nessa terra?”, e os brancos, juruá kuery, não souberam responder. O juiz mandou antropólogos, a FUNAI veio com os estudiosos, e eles escreveram no papel do processo o que nós já sabíamos: que esta terra é indígena. Mas mesmo assim a justiça dos brancos segue insistindo em nos tirar de lá.

Nós crescemos ouvindo histórias de nossos antepassados que caminhavam por aquela mata colhendo remédio, plantando mandioca, milho, batata doce, amendoim, e tudo o mais que nosso pai Nhanderu deixou nessa terra pra que os índios cuidassem. O que nós queremos é que nossos filhos também possam ter histórias pra contar, que eles possam, em cima deste chão, aprender a nossa cultura, que eles possam transmitir ela aos filhos deles, e aos netos, às futuras gerações.

Já este senhor, Antonio Tito Costa, quer despejar nossas famílias. Não respeita nem nós, nem a terra, nem nossos costumes. Esse senhor, Antonio Tito Costa, quer despejar nossa aldeia e encher o chão de eucalipto que seca e estraga a terra, quer encher de dinheiro a sua conta no banco . Há dinheiro que pague a morte de uma nascente? Há dinheiro que pague a sede de São Paulo? Esse senhor, Antonio Tito Costa, foi à televisão chamar nossas crianças de sujas, e ele diz sujas porque elas andam e brincam descalças na terra. Essa mesma terra que ele quer roubar de nós. Para nós ela não é suja, é sagrada. Suja deve ser a consciência de quem destrói a vida na terra.

Nós poderíamos chamar o senhor Antonio Tito Costa para conhecer com o povo Guarani a sabedoria da mãe terra, para vir conhecer nossas roças, tomar conosco a erva mate sagrada, e escutar as histórias de nossos antepassados. Mas ele quis a guerra. Nós já não temos outra opção senão convocar os nossos xondaro, nossos guerreiros, para proteger nossa aldeia e não deixar que ninguém nos expulse. Os dois mil Guarani da Capital do Estado de São Paulo já estão dispostos a lutar com toda a força que temos para que nossas crianças tenham futuro. Os parentes do litoral já tomaram seus guyrapa, os arcos, e já estão afiando as suas flechas.

No Jaraguá somos mais de 700 parentes vivendo na menor área indígena do Brasil, nós não temos para onde ir. A aldeia Itakupe é nossa, já foi reconhecida pela FUNAI como terra tradicional, e é o único lugar que temos para viver. Nós defenderemos com a vida o último pedaço de chão que nos resta. Se o senhor Antonio Tito Costa quiser plantar eucaliptos, quiser construir prédios, terá de fazer por sobre os nossos corpos enterrados na aldeia Itakupe.

Queremos anunciar a todos vocês, aos órgãos do governo, e à justiça, que vamos resistir com nossas vidas. O povo Guarani está em guerra há muito tempo, toda essa cidade está erguida sobre o túmulo dos nossos guerreiros. A demarcação que nós pedimos é muito pouco perto de tudo que os brancos tomaram de nós, e não podemos abrir mão de nem mais um palmo de terra.

Ainda há uma chance para que a justiça do branco cancele esse despejo, e ainda há uma chance para que o senhor Tito Costa desista de tomar o que é nosso por direito e desista da reintegração. Pedimos a todos vocês, aos órgãos do governo, e à justiça, que considerem nossa decisão.

Nós só queremos viver em paz com dignidade.

Aguyjevete, muita força pra quem luta!

Isabel Harari
ISA
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