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Nos dias 24 e 25/6, o ISA realizou em Cananéia, no litoral do Vale do Ribeira (SP), reunião para discutir os impactos socioambientais do petróleo, com apoio da Ajuda da Igreja da Noruega (AIN). O objetivo foi fortalecer articulações locais, trocar experiências com organizações e movimentos que já atuam com o tema e discutir formas de inserção da perspectiva socioambiental na pauta da indústria petrolífera.
Participaram do debate representantes do Instituto de Pesquisas de Cananéia (IPeC), Colônia Z9 de Pesca, Projeto Boto-Cinza, Prefeitura Municipal de Cananéia, Instituto Florestal, APA Marinha Litoral Sul e Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone). Estiveram presentes também organizações e movimentos de outros lugares do país, de São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Esse foi o terceiro encontro do grupo.
O evento começou com uma avaliação sobre a 11ª rodada de leilões do petróleo, que aconteceu no Rio de Janeiro, em maio, quando foram arrematados 55 blocos offshore (marinhos) e 84 onshore (terrestres). Os participantes lembraram que as empresas brasileiras foram a minoria (17, de 64 concorrentes), mas arremataram a maior quantidade de blocos, com ênfase nos que apresentam mais riscos. Isso porque os blocos serão alvo de pesquisas que avaliarão sua produtividade, antes de iniciarem o processo de produção.
Outra questão levantada foi o grande número de funcionários terceirizados atuando na indústria – 210 mil, segundo o Observatório do Pré-Sal, o triplo dos funcionários efetivos – prejudicando os trabalhadores do setor, que têm menos direitos.
Nos blocos leiloados, existe sobreposição com 76 assentamentos da reforma agrária e diversas áreas prioritárias para conservação, além da proximidade com Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e Quilombos. Além de poder representar perda de investimentos públicos já realizados nessas áreas, os empreendimentos significam uma ameaça à biodiversidade e às populações tradicionais.
Baía de Guanabara
Leila Salles, do Fórum de Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG), relatou que as atividades do setor chegaram à região na década de 1950 e, hoje, fazem parte de um grande complexo industrial. De acordo com ela, o contraste com as condições de vida da população local é enorme. Apesar do discurso de que essas empresas geram riqueza e desenvolvimento, a população local sofre constantemente com falta de água, não tem sistema de esgotamento sanitário e apresenta frequentes quadros de doenças como diarreia, vertigem, tremores e problemas respiratórios.
“A afirmação de que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios onde a indústria petrolífera se instala cresce não é uma realidade em nossa região”, denuncia Leila.
Alexandre Anderson, da Associação Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), também vive nas imediações da Baía de Guanabara e faz parte dos cerca de 20 mil pescadores que são afetados diretamente pelas atividades de petróleo e gás. Para conseguir debater com os técnicos das empresas, os pescadores começaram a produzir informações, com base na experiência de gerações que viveram da pesca na região, a partir de ferramentas como a cartografia social. Com esses dados, a Ahomar produziu mapas que mostram onde era realizada a atividade de pesca, em qual época do ano e quais as espécies de ocorrência no local, para contrapor as informações dos estudos de impacto ambiental.
Sempre que alguma obra começa, os associados identificam se está autorizada e, em caso negativo, denunciam ou mesmo tentam impedir seu andamento. A luta dos pescadores vem trazendo resultados, mas também ameaças. O próprio Alexandre já foi vítima de seis atentados à bala, e teve dois companheiros assassinados só em 2012.
“Tentamos sobreviver nesse barril de pólvora! Para onde vão esses pescadores? Para onde vai o conhecimento ancestral, vindo dos indígenas e que foi praticado por séculos na pesca da região?”, questiona ele.
São Paulo
Se a experiência no Rio mostrou que o diálogo entre comunidade e empresas era difícil, no litoral norte de São Paulo a chegada da indústria do gás teve um caminho diferente. Roberto Francine, do Instituto Gondwana, contou que nas primeiras audiências públicas os empreendimentos foram bastante criticados. A Petrobrás apresentou proposta de convênio, envolvendo instituições de pesquisa e sociedade civil organizada, visando criar alternativas e acompanhamento dos processos, a partir da metodologia utilizada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), conhecida por “ganhos múltiplos”. O convênio facilitou a obtenção de informações e permitiu uma visão mais ampla dos impactos do conjunto de empreendimentos na região.
Segundo Francine, também existem conflitos, como a tentativa da empresa de simplificar licenciamentos e a ineficácia do Sistema de Resposta para Emergências Externas (Apell na sigla em inglês), evidenciado no acidente recente de grandes proporções em São Sebastião. Para esses casos, diz Francine, a judicialização acaba sendo a alternativa.
Maranhão
Quando nem os órgãos licenciadores e de fiscalização conseguem acompanhar as atividades do setor, a sociedade não consegue estabelecer diálogo com as empresas e tem dificuldade em monitorar os processos. Em Barreirinhas, litoral maranhense, o primeiro impacto da exploração do petróleo, iniciada na década de 1960, foi social, com a chegada de centenas de trabalhadores que acabaram por interferir na dinâmica da comunidade. Nessa região, onde o cerrado tem sido devastado pela soja e pela silvicultura e os conflitos entre agricultores familiares e o agronegócio são comuns, diversos blocos foram arrematados no último leilão, aumentando a pressão sobre as comunidades.
Korina Redondano e José Vale, de organizações voltadas aos direitos humanos em Barreirinhas, relataram que quando foram buscar informações sobre as áreas dos blocos no Maranhão nos órgãos licenciadores encontraram apenas uma nota técnica da Secretaria Estadual de Meio Ambiente não se opondo ao leilão. A proximidade com TIs das etnias Awa-guajá e Araribóia e a sobreposição com assentamentos rurais são preocupações da sociedade civil.
Outro aspecto levantado no encontro foi a fragilidade do monitoramento das atividades ligadas à indústria do petróleo. Em abril, 15 km de praia foram afetados por uma mancha de óleo, no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Os resíduos foram retirados por meio de mutirão de voluntários, em sua maioria pescadores. Uma semana depois do acidente não havia ainda informações sobre a origem do óleo e os responsáveis.
Vale do Ribeira
No Vale do Ribeira, as primeiras audiências públicas para discussão sobre plataformas de petróleo e gás no Lagamar aconteceram em 2009. A região que compreende os municípios de Cananéia, Iguape e Ilha Comprida no lado paulista, além de Guaraqueçaba no lado paranaense. Os membros do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha Litoral Norte vêm acompanhando os processos de licenciamento, mas destacam sua fragilidade e a rapidez como os mesmos são conduzidos.
Alineide Pereira, presidente do conselho e técnica da Fundação Florestal, disse que, apesar dos blocos existentes na região serem muito próximos, as áreas de influência consideradas no licenciamento são muito diferentes por causa das modelagens usadas nos cálculos de dispersão do óleo serem distintas. Os estudos não consideram atividades locais e áreas de sensibilidade ambiental, como os manguezais, ficam ainda mais expostas ao risco de acidentes.
Lisa de Oliveira, do projeto Boto Cinza, disse que o monitoramento da atividade e do uso dos royalties é importante, mas, para subsidiar o Ministério Público e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), é necessário ampliar o acervo de estudos e relatórios técnicos.
“A mídia dificilmente dará destaque a essas contestações, então, se quisermos ter uma opinião pública mais crítica, precisamos utilizar outros meios, como as redes sociais”, completou Lisa.
O participantes do encontro também discutiram estratégias para a criação de mecanismos de enfrentamento ao modelo de desenvolvimento baseado na extração de recursos naturais finitos, fortalecimento das comunidades locais e valorização da diversidade. Foram identificados parceiros, informações necessárias para subsidiar as discussões futuras, ações de comunicação e espaços para articulação.
“Precisamos discutir um modelo de desenvolvimento que valorize o potencial socioambiental da região, e esse debate não pode estar desconectado das políticas públicas nacionais”, disse Nilto Tatto, coordenador do Programa Vale do Ribeira do ISA.
Para ele, a sociedade civil precisa estar preparada para acompanhar os empreendimentos que estão chegando à região e as discussões do encontro foram importantes para ampliar a visão desse quadro.