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Na Amazônia brasileira, um dos lugares do mundo com maior presença de índios isolados, há entre 70 e 100 evidências desses povos. Também conhecidos como povos em situação de isolamento voluntário, são uma referência aos grupos com os quais a Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda não estabeleceu contato.
É na Terra Indígena Vale do Javari, no Estado do Amazonas, que vive o maior número deles – há pelo menos 16 referências reconhecidas pelo Governo Brasileiro. Esses povos, no entanto, estão em alerta: a TI encontra-se desprotegida de invasões de madeireiros, empresas petroleiras, caçadores ilegais e narcotraficantes.
Essas ameaças foram discutidas no II Encontro Internacional Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, que ocorreu em Brasília, em junho. No evento, lideranças indígenas detalharam uma situação dramática no Vale do Javari e alertaram para o risco iminente de genocídio dos povos isolados.
O encontro foi promovido pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e contou com a participação de mais de 70 representantes de povos e organizações do Brasil, Colômbia, Paraguai, Peru, Venezuela, Equador e Bolívia.
No Brasil, a proteção e o monitoramento das terras indígenas onde vivem povos isolados e de recente contato é obrigação da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão que vem passando por uma severo corte de recursos nos últimos anos. Saiba mais aqui.
Em 2018, o orçamento da Funai foi 23% menor que o de 2017, o que impede o funcionamento das chamadas 11 Frentes de Proteção Etnoambiental. Lideranças indígenas e técnicos da própria Funai vêm denunciando uma situação de grave sucateamento do órgão na gestão do governo de Michel Temer (PMDB).
A TI Vale do Javari não é a única que está nessa situação. No encontro internacional, lideranças de povos indígenas de diversos países da América do Sul relataram situação semelhante.
Além da ameaça de grileiros, madeireiros, fazendeiros e empresas de energia, petróleo e mineração, esses povos têm encontrado pouco respaldo do Estado. Eles também têm sido desrespeitados no seu direito de isolamento, uma vez que têm sido forçados ao contato com não-indígenas.
Na Venezuela, por exemplo, o governo ainda não reconheceu formalmente a existência de povos indígenas isolados e de recente contato (como é o caso de grupos yanomami, hoti e uwottüja) e não estabeleceu marcos legais para a sua proteção territorial.
Para viabilizar projetos de desenvolvimento econômico, como o Arco Minero do Orinoco, o governo venezuelano tem aberto áreas de conservação ambiental e territórios indígenas protegidos por lei para a exploração minerária, o que coloca em risco a enorme sociobiodiversidade da região.
“O que chamam de desenvolvimento é a deteriorização de nossas vidas”, afirmou Amélia Conde, representante uwottüja da Organización de Mujeres Indígenas de Autana/OMIDA da Venezuela, presente no encontro.
Outro caso alarmante é o dos isolados Ayoreo, povo originário do norte do Gran Chaco, região que abrange áreas no Paraguai e na Bolívia. Na América do Sul, os Ayoreo são os únicos povos isolados fora da Amazônia e enfrentam a crescente devastação das matas no alto rio Paraguai, região onde estão refugiados 200 Ayoreo. Segundo relatos de Carlos Ducubide Picanerai e Mateo Sobode Chiquenoi, membros da Unión de Nativos Ayoreo do Paraguay/UNAP, a violência na região é crescente.
Empresas do agronegócio brasileiro estão por trás dessa situação. Isso porque fazendeiros brasileiros têm avançado sobre as terras paraguaias e são, em grande parte, responsáveis pelo avanço do desmatamento nos territórios ayoreo.
Crimes ambientais têm ocorrido nessas terras há pelo menos duas décadas. Segundo reportagem do observatório De Olho nos Ruralistas, a empresa brasileira Yaguareté Porá desmatou, em 2014, 1,2 mil hectares do território ayoreo com o intuito de criar pastagens para gado.
Para enfrentar as ameaças e contando com pouca assistência do Estado, os indígenas têm se organizado para proteger seus territórios. É o caso dos Guajajara e Ka’apor do Maranhão que integram grupos denominados “Guardiões da Floresta”, que combatem a extração ilegal de madeira em suas terras. São mais de 100 guardiões que realizam, por iniciativa própria, ações de monitoramento e, muitas vezes, logram expulsar invasores, apreender os maquinários e notificar às autoridades. Além de tentar manter as únicas áreas de floresta amazônica que restam no Maranhão, os guardiões tentam proteger os Awá-Guajá, isolados que vivem nestas áreas.
Outra estratégia das organizações indígenas é pressionar os Governos para criar “corredores territoriais” ou “mosaicos de áreas protegidas”, isto é, áreas contínuas de proteção integral que garantam o uso exclusivo dos territórios por esses povos. É o caso da proposta do Corredor Territorial Pano, Arawak e outros que também abrangeria áreas protegidas no Peru e no Brasil (Acre), como as Terras Indígenas localizadas no vale do alto Juruá. Povos em situação de isolamento têm se refugiado em regiões remotas e de difícil acesso que, muitas vezes, coincidem com as zonas de fronteira.
Participaram do II Encontro Internacional Olhares sobre as Políticas de Proteção aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, lideranças Tapayuna, Tenharim, Uru-Eu-Wau-Wau, Jamamadi, Zo’é, Waiwai, Katxuyana, Huni Kuĩ, Manchineri, Ashaninka, Waorani, Uwottüja (Piaroa), Ayoreo, Kukama Kukamiria, Kubeo, Inga, Tenetehara, Tacana, Hixkaryana, Kahyana, Kulina-Pano, Marubo, Matis, Kanamari, Awa Guajá, Harakbut, Shipibo.
Como resultado do encontro, foi elaborado um documento que traz os principais pontos debatidos pela plenária. Dentre eles, as estratégias dos povos e organizações indígenas para a proteção dos territórios que são compartilhados com povos isolados e de recente contato. O documento reafirma a resiliência dos povos indígenas na luta pela defesa de seus direitos, especialmente, o direito à autodeterminação dos povos em isolamento. Leia aqui o documento na íntegra, nas versões em português e em espanhol.
Anexo | Tamanho |
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esp_docfinal_iiecnontrointernacional.pdf | 561.41 KB |