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Índios, ribeirinhos e pesquisadores se reúnem para pensar novas formas de proteger o Xingu

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Ameaças como desmatamento, estradas, hidrovias e hidrelétricas no Rio Xingu e articulações para proteção do patrimônio socioambiental da bacia foram temas debatidos no encontro realizado em Altamira (PA) entre 27 e 29/9
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O Encontro Xingu + Diversidade Socioambiental no coração do Brasil teve como objetivo compartilhar informações sobre a diversidade dos povos do Xingu e da biodiversidade da região, as ameaças que pesam sobre as Áreas Protegidas e refletir sobre estratégias de valorização do corredor de diversidade socioambiental da Bacia do Xingu ao longo dos 27 milhões de ha, um dos maiores do mundo, formado por Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Organizado pelo ISA, entre 27 e 29/9, em Altamira (PA), a abertura do evento contou com uma exposição fotográfica retratando os 25 povos indígenas que vivem no Xingu, e teve a participação de aproximadamente 120 pessoas, entre lideranças indígenas, extrativistas, especialistas, representantes de organizações da sociedade civil e governo federal.

Veja aqui a galeria de fotos da exposição.

“Pela primeira vez temos a oportunidade de pensar todo o rio e todos os povos que habitam o Xingu como uma unidade ligada por este rio. A diversidade tem que ser transformada em uma grande unidade. O desafio está em unir os diferentes povos”, disse o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sócio-fundador do ISA, no início do encontro.

André Villas Bôas, secretário executivo do ISA, abriu o encontro lembrando que também estava se iniciando a Mobilização Nacional Indígena que reuniu povos indígenas de todo o país. “Nós estamos aqui para fortalecer a luta do Xingu sem perder de vista a luta do Brasil”, disse.
Durante três dias os participantes, que participaram de quatro rodas de conversa, falaram sobre o que existe e como se deve cuidar da “Casa Grande do Xingu”, definição usada pelo cacique xinguano Aritana Yawalapiti ao falar da Bacia do Xingu, onde vivem cerca de 600 mil pessoas.

Os participantes falaram sobre o patrimônio a ser protegido, as ameaças de desmatamento, projetos de estradas, ferrovias, hidrovias e hidrelétricas que pretendem cortar a Bacia do Xingu para gerar energia e escoar a produção de grãos. Falaram também sobre as possíveis articulações entre os povos e instituições para fortalecer o patrimônio socioambiental da bacia.

O antropólogo Mauro Almeida, que ao lado do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988, e de outros líderes seringueiros, ajudou a criar e consolidar as primeiras Reservas Extrativistas do Brasil, falou sobre os desafios de integrar a gestão dos territórios indígenas e outras Unidades de Conservação, sobretudo com as Reservas Extrativistas, áreas dos seringueiros.

Mauro, que é sócio do ISA, acredita que é preciso criar uma nova organização política entre os povos na gestão da Bacia do Xingu. “Nos Estados Unidos eles chamam de Shadow Government, ou governo sombra. Aqui eu acredito que poderia funcionar um conselho entre os povos que pudesse falar, opinar e trazer uma unidade de discurso que fortaleça a organização política entre índios e seringueiros (extrativistas) de todo o Xingu”. Benki Pianko Ashaninka, liderança do povo indígena Ashaninka, do Acre, lembrou da experiência da Aliança dos Povos da Floresta formada na época de Chico Mendes entre seringueiros e indígenas.

O presidente da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), Winti Kisêdjê ressaltou a importância de proteger o Xingu. “É preciso criar esta linha entre todos os povos do Xingu para continuar este diálogo sobre uma rede de informação e proteção sobre o nosso território, muitos povos não estão aqui, precisa organizar outro encontro com mais povos, principalmente os da região [de Altamira]”.

Obras de infraestrutura

Um diagnóstico preciso e alarmante sobre as ameaças à bacia foi debatido. Segundo a advogada do ISA, Biviany Rojas, neste momento, estão em trâmite projetos de construção e pavimentação de mais de dois mil km de rodovias, uma delas cortando a Bacia do Xingu. Trata-se da antiga BR-080, hoje MT-322, principal estrada do projeto Mato Grosso Integrado.

Já Juan Doblas, especialista em geoprocessamento do ISA, alertou para a chegada de grandes projetos de mineração na Amazônia. Citou a empresa canadense Belo Sun, que aguarda licença ambiental da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) para iniciar o maior projeto de mineração a céu aberto do país, distante cerca de 10 km da barragem principal da usina de Belo Monte e a 9,5 km da Terra Indígena Paquisamba.

“A pressão sobre a floresta da Bacia do Xingu está aumentando em diferentes formas e por diferentes motivos, com a aprovação do novo Código Florestal, a política governamental e alta de preço das commodities. Além do aumento do desmatamento, crescem os ramais na floresta para retirada ilegal de madeira, proliferam garimpos ilegais e o fogo”.

Em relação à usina de Belo Monte, o cientista Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) afirmou que não será a única hidrelétrica do Xingu. “Durante quatro meses do ano Belo Monte vai ficar sem girar uma turbina sequer. As turbinas representam a parte mais cara na construção de uma usina hidrelétrica. Porque governo e empresas privadas iriam investir tanto dinheiro em turbinas?”. Fearnside acredita que o governo deverá construir ao menos mais uma hidrelétrica acima de Belo Monte para compensar o tamanho do reservatório da usina.

Reservas Extrativista na Terra do Meio

Os extrativistas também deram seu depoimento. Raimundo Belmiro, presidente da Associação de Moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio (Amora), falou em nome dos mais de mil extrativistas que vivem na região Terra do Meio, centro do Pará, trabalhando na comercialização de produtos não madeireiros.

“O governo criou as unidades e foi embora”, desabafou Belmiro. O extrativista passou mais de um ano sob escolta da Força Nacional, depois de receber inúmeras ameaças de morte de grileiros e pistoleiros da região. As Resex do Riozinho do Anfrísio e do Iriri foram decretadas, entre 2004 e 2006, como parte de um grande pacote ambiental que serviu como resposta do governo federal à série de assassinatos, principalmente à morte da irmã Dorothy Stang. [A missionária Dorothy Stang foi assassinada em Anapu (PA), em 2005, quando caminhava para o trabalho em um assentamento do Incra]. (saiba mais)

Hoje, apenas três funcionários do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), são responsáveis pela proteção, fiscalização e desenvolvimento social de populações que vivem em de mais de oito milhões de hectares de Áreas Protegidas na Bacia do Xingu.

“Enquanto bilhões são investidos em hidrelétricas, mineradoras, asfaltamento de estradas, incentivos para a soja e gado, os recursos investidos nas Áreas Protegidas não garantem o mínimo necessário para o desenvolvimento das populações e valorização da diversidade socioambiental que existe no Xingu”, analisou Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA.


ICMBio planeja ações na Terra do Meio

O presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Roberto Vizentin, admitiu empenho do órgão na criação de um mosaico de Áreas Protegidas no Xingu. “Temos um foco de criar um mosaico de conservação na região da Terra do Meio, onde se concentram as Terras Indígenas e Unidades de Conservação, para que lideranças, gestores da Funai e do ICMBio participem juntos de um planejamento e definição do que fazer, onde fazer e como fazer ações neste mosaico Terra do Meio”.

O cacique kayapó Raoni Metuktire, que aos 84 anos ainda lidera com muita disposição a luta dos povos indígenas do Xingu por seus direitos, encerrou o encontro com um recado ao povo Juruna, uma das principais etnias atingidas pela construção de Belo Monte “Eu quero estar com vocês, mas vocês vão apanhar e vão ter que se unir pra se defender”. Em seguida, Raoni chamou a jovem Juma Xipaya, liderança indígena da região, para dividir com ela o discurso final.

“Nós aqui em cima não temos uma associação como a dos Kayapó, nós não temos uma organização como os índios do Parque (Parque Indígena do Xingu), como a Associação Kabu, nós estamos perdidos. Por isso este encontro tem que acontecer ano que vem e quantas vezes forem possíveis”, disse Juma.

Uma carta assinada por povos indígenas, comunidades tradicionais, cientistas e pesquisadores que atuam na Bacia do Xingu, foi divulgada no final do evento, exigindo o fim da destruição da Bacia do Xingu, da PEC 215, do PLP 227 e da Portaria 303 da AGU. (leia aqui a íntegra da carta).

Leticia Leite
ISA
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