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Morre Bep-djoti Xikrin, importante liderança do povo Xikrin

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Vítima da Covid-19, Bep-djoti foi fundamental para a demarcação da Terra Indígena Trincheira-Bacajá e deixa como legado a disposição para continuar lutando
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Bep-djoti Xikrin, importante guerreiro e cacique do povo Mebengokre-Xikrin, faleceu na noite do dia 18 de maio de 2021. Tendo enfrentado no ano passado a Covid-19, ele conseguiu se recuperar e retornou, curado, à aldeia Bacajá na Terra Indígena Trincheira-Bacajá. Teve que retornar à cidade de Altamira no último domingo onde foi hospitalizado no Hospital Regional com Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Bep-djoti foi uma das muitas pessoas que foram infectadas pela Covid na Terra Indígena Trincheira-Bacajá, doença que levou também a liderança Bep-tok Xikrin, o Onça, com quem ele dividiu, por mais de uma década, a liderança da antiga aldeia Bacajá. Filho de Mereti, grande benadjwyry, como são reconhecidas essas lideranças, Bep-djoti foi criado para seguir seu pai e ser benajwyry também, posição que ocupou ao lado de Onça, como sempre se havia feito.

Bep-djoti cresceu nos tempos em que andavam “no mato”, como traduzem, ou seja, no tempo em que andavam, caçavam, plantavam, faziam aldeias em uma grande extensão de terras na região que foi cortada pela Transamazônica. Como sempre disse, essa extensão de terras passou a ser ocupada pelos não-indígenas, que fundaram as cidades de Marabá e Repartimento. Parte dessa geração, que tem a memória viva da liberdade de movimento, lembrava de quando vieram chegando os kuben, os não-indígenas, e ocupando as terras. Atualmente, lamentava, era só sair da Terra Indígena que se testemunhava a terra devastada, plantada de capim e dedicada ao gado, tomada deles por os que vieram de longe.



Era jovem quando viu chegarem as primeiras equipes de contato e pacificação. Durante um longo tempo, os Xikrin do Bacajá experimentaram diversas estratégias para lidar com a situação. Até então, já conheciam os kuben, mas estes eram ou gateiros, que andavam pelos mesmos territórios que eles em busca de pele de gato, ou famílias de seringueiros, que também andavam pelo mato em busca do caucho e mantinham pequenos ranchos - um dos quais, Flor do Caucho, é o local onde foi erguida a antiga aldeia do Bacajá que ele veio a liderar. Com esses kuben, se fazia guerra, se trocava visitas, se roubava roupas, instrumentos e cachorros - mas não se brigava pelas terras.

O advento das frentes de contato fez com que fosse necessário tomar decisões - aceitar viver com eles, ou permanecer no mato, livres, com sua ampla mobilidade. No entanto, nessa época, quando Bep-djoti era jovem, os Xikrin sofriam muito com enfermidades e com ataques que, por mais que conseguissem saquear e rapidamente dominar o uso das armas de fogo, mantinham essa desigualdade de forças. A perda populacional era grande, o luto constante, as doenças imprevisíveis e desconhecidas. Se tentou, ainda, por algum tempo, não sucumbir aos braços do Estado, manterem-se livres. Foi um tempo de idas e vindas. Vários chegaram a morar no Posto Velho, nos arredores onde atualmente está a aldeia Portikrô (já chamada também de Trincheira, daí o nome da TI), mas uma nova doença os levou de volta à floresta e às andanças.

Foi na aldeia do Bacajá, aberta primeiro pela equipe de contato com o auxílio de alguns mebengokré que vieram de outras terras e alguns jovens xikrin, que os Xikrin do Bacajá foram reunidos, para viverem agora sob as regras do Estado. Uma aldeia primeiro em formato de rua, com as casas ladeadas e em paralelo, para depois conseguirem construir a bela aldeia do Bacajá, com suas casas em círculo e o pátio no centro. A antiga aldeia, aliás, foi tornada, pela família de Bep-djoti, em um belo bananal, e um caminho foi aberto por ela para dar acesso ao local de banho que manteve seu nome de “pedral”. Lá, puderam enfim ter as doenças controladas e retomar o crescimento populacional, enquanto também tiveram que se acostumar com as novas relações com os kuben, em especial o Chefe de Posto - essas novas relações que, como para tantos outros povos, foram deixando de ser generosas em presentes e serviços como prometiam no primeiro momento.

Foi nessa aldeia do Bacajá que, tendo perdido o pai, Bep-djoti foi reconhecido como benadjwyry. Dono de um vasto conhecimento, grande cantor, dominando a arte de fazer adornos, cestos, bordunas, cocares, e tudo que uma jovem mãe e seu bebê precisam para seus primeiros dias, Bep-djoti também era um grande contador de histórias. Contava as histórias de como o mundo se criou e também essas histórias de quando eram meninos e jovens no mato. Contava as histórias das doenças, das guerras, dos lutos, da nova aldeia.

A aldeia do Bacajá foi ganhando alegria, com muita gente, muita festa, profusão de caça e pesca. Crianças e jovens foram crescendo para essa nova vida, com um futuro pela frente, e um passado para contar. Mas a terra concedida não lhes bastava.

Bep-djoti foi, então, parte dessa geração que atuou junto ao Grupo de Trabalho para a revisão da demarcação de suas terras, coordenado pela antropóloga Lux Vidal. Até então, suas terras rodeavam apenas a aldeia do Bacajá, e foram ampliadas para abranger as aldeias Bacajá e Trincheira, retornando a eles o Posto Velho, seu primeiro local de contato. Amplas, fartas, que, se não eram a amplitude das terras por onde andavam, era uma terra deles, em que podiam voltar a viver a vida em paz, como diziam. Os desafios nunca faltaram - garimpos, madeireiros ilegais, Belo Monte, mais recentemente pescadores ilegais - mas essa é a geração da conquista das terras e de uma nova possibilidade de futuro. E assim é reconhecida pelas lideranças mais jovens, que assumem agora a responsabilidade pelo futuro:

“Essas pessoas (Onça e Bep- djoti) lutaram por nós e deixaram muitas coisas para gente. O nome dele vai ser muito lembrado. Nunca vai ser esquecido. O que ele deixou para nós? Ele lutou pela gente e deixou nossa terra para todas as comunidades da Terra Indígena Trincheira-Bacajá”. Bep-Kra Xikrin, agente ambiental da aldeia Moinõro.

Os Xikrin dizem que tudo que se ensina é para ser repassado. O movimento está sempre presente em seu pensamento, e se se aprende algo agora, é para um dia se ensinar para as gerações futuras. Bep-djoti sempre cuidou de ensinar o kukradjà, seus conhecimentos, a beleza do ser mebengokre, para os mais jovens, e foi mesmo incansável em ensiná-los e mostrar seu valor a antropólogos e profissionais de diversos campos das equipes que foram trabalhar com eles. Suas histórias foram contadas e ouvidas por essas jovens lideranças, que podem hoje valorizar a conquista da terra e lutar por elas - uma luta que continua imensa, frente às invasões e a violência ao rio Bacajá que vem com Belo Monte.

Bep-djoti e sua geração deram a suas crianças, e às crianças que vêm, uma nova possibilidade de futuro. Partem tristes, porque percebendo que agora o desafio é cuidar dessa terra e mantê-la para as próximas gerações. Mas partem deixando seu legado da terra, desse novo futuro, e de todas as histórias que contaram e que embasam a continuidade de sua luta. Partem deixando aos mais novos essa memória, essa disposição para continuar lutando, e o kukradjà que é sua maior arma para manter o mundo belo e continuar lutando por um futuro para as novas gerações.

*Clarice Cohn é antropóloga, professora na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e faz pesquisas com os Xikrin do Bacajá há 30 anos, quando conheceu Bep-djoti e começou uma longa relação de aprendizado, admiração e respeito.

Clarice Cohn*
ISA
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