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Uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que as Medidas Provisórias (MPs) 756/2016 e 758/2016, se aprovadas, vão beneficiar latifundiários, garimpeiros, madeireiros ilegais e, provavelmente, grileiros de terras, ao contrário do que alegam o governo e parlamentares ruralistas.
As duas MPs estão entre os primeiros itens da pauta do plenário da Câmara. A votação deve acontecer entre hoje (16/5) e amanhã (17/5). As medidas alteram os limites de cinco Unidades de Conservação (UCs) no sudoeste do Pará, na região da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), onde estão os maiores índices de desmatamento na Amazônia. As MPs colocam em risco quase 1,2 milhão de hectares de florestas que estavam protegidas e que, com sua edição, em grande parte ficaram desprotegidas na prática. Isso acontece porque a maioria desse território deixará de ser Floresta Nacional ou Parque Nacional, por exemplo, para tornar-se Área de Proteção Ambiental (APA), tipo de UC que que permite a mineração, corte raso da vegetação e até a presença de propriedades privadas.
A justificativa das MPs e das emendas parlamentares seria regularizar posses de boa-fé, em especial de pequenos agricultores que estariam na região há décadas, e conter o desmatamento. O levantamento do ISA mostra, no entanto, que as áreas em risco vêm sendo desmatadas em larga escala e ocupadas ilegalmente principalmente nos últimos dez anos, depois que as UCs foram criadas. A análise do ISA reforça que a aprovação das duas medidas vai emitir um sinal de que vale a pena apostar na ilegalidade, o que tende a estimular a grilagem e o desmatamento em toda Amazônia.
O levantamento detalha os interesses por trás das MPs. Aponta que foram realizadas várias operações de combate ao desmatamento, nos últimos anos, justamente nas áreas que, na prática, estão sendo desprotegidas. Há entre os interessados em áreas de mineração empresas de grande porte, como a Vale.
As UCs alteradas foram todas criadas até 2006. De lá para cá, nessas áreas foram registrados Cadastros Ambientais Rurais (CARs) com milhares de hectares em trechos que deverão ser desprotegidos ou ter seu grau de proteção reduzido. Um CAR com quase 90 mil hectares foi registrado sobre a Floresta Nacional do Jamanxim. Casos como esses indicam o interesse de latifundiários e, muito provavelmente, de grileiros de terras sobre as áreas.
Previsto pelo Código Florestal de 2012, o CAR pretende viabilizar a regularização ambiental das propriedades rurais por meio do registro das áreas desmatadas e das que devem ser reflorestadas em cada uma delas. De acordo com a Lei, o cadastro é autodeclaratório, feito pela internet e não tem valor para fins de regularização fundiária. Apesar disso, ele vem sendo usado para tentar comprovar a posse legal de terras, sobretudo na Amazônia.
Em dezembro de 2016, o governo federal editou as Medidas Provisórias 756 e 758, alterando duas UCs no sudoeste do Pará, na prática desprotegendo 305 mil hectares de florestas. No Congresso, a desproteção foi ampliada para cinco UCs e quase 1,2 milhão hectares. O efeito dessas alterações será:
Estímulo ao Desmatamento
A desproteção vai estimular o desmatamento onde ele mais avança na Amazônia. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), 68% do desmatamento recente em unidades de conservação na Amazônia ocorreu nesta região, sendo a Floresta Nacional do Jamanxim responsável por 38% do total. Nesse cenário, qualquer flexibilização da proteção acelera o desmatamento e só se justificaria para reconhecer o direito das famílias que já estavam lá quando as UCs foram criadas. Entretanto, pela proposta atual, todos os ocupantes, legais ou ilegais, seriam beneficiados. No caso do Parque Nacional do Jamanxim, que também será impactado para a construção da Ferrovia Ferrogrão, a desproteção abre caminho para o desmatamento no único setor da BR-163 que ainda abriga floresta contínua nas duas margens da estrada. O desmatamento também ameaça alcançar a Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, que ficou parcialmente sobreposta a uma APA.
Esquartejamento da Amazônia
A desproteção ocorre no local mais estratégico para evitar a fragmentação da Amazônia: a última conexão entre as florestas das bacias dos rios Tapajós e do Xingu. Embora a Amazônia seja vista como um bloco homogêneo, ela é formada por diversas paisagens e ecossistemas e sua gigantesca biodiversidade também depende da comunicação entre esses ambientes. Mas quando a floresta é fragmentada pelo desmatamento, populações de plantas e animais sofrem perdas e ficam mais vulneráveis à extinção, o fluxo de espécies e genes diminui e a biodiversidade vai sendo gradativamente perdida. A região é também um importante centro de endemismo, ou seja, abriga espécies que não existem em nenhum outro lugar. Parte das funções da floresta também é comprometida, como a formação e transporte de chuvas para o abastecimento e a agropecuária no centro-sul do Brasil.
Estímulo ao Crime Organizado
O governo explica que optou pela desproteção porque não consegue combater o desmatamento e o crime organizado na região, justificando que existe “uma escalada na violência contra agentes públicos, com o aumento de confrontos armados, emboscadas, e infelizmente mortes”, que o quadro geral é “baseado na extração ilegal de madeira, minérios e grilagem de terras” e que sua intenção é “promover a regularização de ocupações existentes desde a época em que fora criada a Flona do Jamanxim, além de permitir o regular assentamento de novas ocupações”. Entretanto, essas ‘novas ocupações’ incluem desmatamentos recentes feitos por grileiros e madeireiros, cujo modus operandi já foi demonstrado por diversas operações de combate ao crime ambiental realizadas na região, entre 2008 e 2016 (Operação Boi Pirata, Operação Castanheira, Operação Rios Voadores, etc). Ao regularizar grileiros recentes, governo e congresso incentivam o crime e também ajudam a financiar novas grilagens e desmatamentos na região.