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No mesmo dia em que a Norte Energia comemorou o giro da primeira turbina da hidrelétrica Belo Monte, na quarta (17/2), as mulheres indígenas que vivem há 10 km da barragem principal da usina bloquearam o acesso de trabalhadores para pleitear uma reunião com a empresa Norte Energia sobre os danos causados pelo enchimento do reservatório. A usina está há quatro anos em construção no Rio Xingu (PA).
“Nós perdemos muita coisa e estamos tendo muito prejuízos com a pesca”, diz Leiliane Juruna, conhecida como Bel (veja o vídeo).
Os índios Juruna e Arara da Volta Grande do Xingu alegam que não foram comunicados sobre a abertura das comportas e liberação de uma quantidade de água inesperada. Eles dizem que a chegada repentina da água teria levado embora pertences que estavam nas praias e beiras do rio nas aldeias, como redes de pesca e barcos, entre outros.
Da seca a enchente
O Rio Xingu viveu uma seca intensa no fim de 2015, época em que o rio foi definitivamente barrado após a licença de operação da usina. Os índios afirmam quer foram surpreendidos por uma enchente repentina nos dias 24 e 25 de janeiro, na Terra Indígena Paquiçamba. O enchimento do reservatório principal e o intermediário, por meio do desvio das águas do Xingu, foi concluído no dia 13 de fevereiro, segundo informações no site da Norte Energia, empresa responsável pela obra.
Além de uma indenização pelos danos materiais, os índios pedem a criação de um fundo para manutenção das associações indígenas. Outra exigência para desocupar o acesso aos canteiros de obras é ter informações sobre a fase de operação e barragem do rio.
“Soubemos ainda por pessoas que trabalham na barragem que há diversas rachaduras e infiltrações no paredão do Pimental e queremos saber informações da Norte Energia, Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente], Ministério Público Federal e do governo a respeito, pois estamos com medo da barragem romper e acabar com nosso povo”, afirma uma carta divulgada pelos manifestantes (leia documento completo).
Na manhã desta quinta-feira (18/2), os Juruna e Arara também prenderam 43 ônibus da Norte Energia, na rodovia Transamazonica, impedindo o acesso de trabalhadores ao sítio Belo Monte, onde esta localizada a casa de força principal da usina.
Até o fechamento desta reportagem a Norte Energia ainda não havia enviado porta voz para falar com os índios. Ainda sobre as possíveis rachaduras na estrutura da usina, a reportagem entrou em contato com o Ibama. Em nota, o órgão afirmou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é responsável pela fiscalização da segurança de barragens.
Juruna é o nome pelo qual o povo Yudjá da Volta Grande ficou conhecido nos contatos com os brancos. Os Yudjá são exímios navegadores, canoeiros, e também chamados de “os donos do rio”, pelo fato de, no passado, terem cruzado da foz as cabeceiras do Rio Xingu. Ao lado dos Arara da Volta Grande, são os grupos indígenas que vivem mais próximos dos canteiros de obras de Belo Monte. Além de já conviverem com os impactos da obra há pouco mais de 10 km de suas terras, também terão de conviver com cerca de 80% de redução do fluxo de água após o barramento do rio. Será um grande teste de resistência da biodiversidade e dos povos que vivem neste trecho da Amazônia.
Com Belo Monte, os Juruna se veem, mais uma vez, ameaçados. As famílias dependem da pesca artesanal e ornamental para alimentação e geração de renda. Os estudos de impacto ambiental da Volta Grande do Xingu são inconclusivos. Nem os cientistas e nem os indígenas sabem, neste momento, as dimensões do impacto que a usina poderá causar no rio, com a possível extinção de espécies endêmicas, que só existem nesta região do planeta.