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A Rede de Sementes do Xingu (RSX) realizou entre 5 e 7 de novembro, a sua segunda Expedição. Mais de 60 pessoas percorreram a região do Xingu Araguaia, no Mato Grosso, em uma intensa troca de saberes e conhecimentos. Os participantes, entre coletores indígenas, agricultores familiares, técnicos, parceiros e apoiadores, puderam entrar em contato com toda a cadeia de sementes florestais - desde a produção, beneficiamento, armazenamento e plantio.
Com quase dez anos de existência, a Rede de Sementes desenvolve uma série de ações com as comunidades visando o restauro de áreas degradadas da região Xingu Araguaia. As sementes coletadas pela rede já possibilitaram a restauração de mais de 3.500 hectares de áreas degradadas nessa região, recuperando centenas de nascentes e matas de beira de rio.
“Nós, coletores, vivemos da natureza, da floresta. Se uma árvore parar de produzir, ou produzir frutos que não têm muita qualidade, vai prejudicar diretamente o nosso trabalho, que é mais que um trabalho, é um modo de vida”, explica Milene Alves, jovem coletora e responsável pela Casa de Sementes de Nova Xavantina. “Eu me sinto especial em fazer parte dessa equipe, é muito gratificante tudo o que fazemos. Atuamos em prol de algo maior, tudo o que fazemos tem uma grande importância para o meio ambiente e, graças ao meu interesse pela natureza, tive a oportunidade de conhecer pessoas e lugares diferentes”.
No primeiro dia de atividades, os participantes conheceram o histórico da Campanha Y Ikatu Xingu, iniciativa que nasceu em 2004 com o objetivo de recuperar as nascentes do Rio Xingu. Além de reflorestar e recuperar as áreas das cabeceiras do Rio Xingu, a RSX se consolidou como uma importante alternativa socioeconômica para as comunidades indígenas, rurais e urbanas do Xingu Araguaia.
Ainda no primeiro dia a Expedição visitou a Casa de Sementes, que funciona junto ao Viveiro Municipal de Canarana, para conhecer uma das nove casas onde são armazenadas as sementes entregues pelos coletores. Durante a visita, os técnicos da RSX falaram sobre a técnica de plantio conhecida como ‘muvuca’, que consiste em misturar sementes de várias espécies para o plantio direto manual ou utilizando maquinário agrícola.
A expedição também teve a participação de parceiros e apoiadores, como a Universidade do Mato Grosso (Unemat), Serviço Florestal Brasileiro, Fundo Brasileiro para a biodiversidade (Funbio), World Resources Institute (WRI), Ipam, Embrapa e dona Clara, da comunidade do Bailique, no Amapá, que veio conhecer a experiência da Rede para ajudar a fortalecer as iniciativas de sua região.
Roberta Simonetti, consultora externa do WRI Brasil, esteve pela primeira vez em Canarana e acompanhou toda a expedição: “A beleza do projeto está nas suas profundas raízes fincadas no tripé econômico, social e ambiental. O projeto extrapola a dimensão ambiental e inclui a comunidade local e os povos indígenas, fazendo com que, além da geração de renda, essas pessoas se sintam parte da solução que coletivamente precisamos prover como sociedade diante da questão da água, da produção de alimentos e das mudanças climáticas”, observa.
No segundo dia os integrantes da Expedição conheceram a Terra Indígena Pimentel Barbosa, dos índios Xavante. Localizada no pé da Serra do Roncador, a aldeia Ripá compõe o núcleo que conta com três grupos coletores: Ihöibaté, dos jovens, Nödzö’u, das mulheres que coletam junto com suas filhas e netas, e o grupo dos caçadores, que orientam as expedições de coleta. Os visitantes percorreram 15 km em veículos e a pé para conhecer uma área de coleta e observaram como o grupo indígena se organiza para coletar e beneficiar sementes como o buriti, o baru, a bacaba e a peroba.
Entusiasmados, os coletores que vivem em assentamentos ou nas cidades trocaram técnicas de manejo das sementes com os indígenas e participaram de danças e cantos. A articulação entre indígenas e pequenos produtores rurais é extremamente importante nos projetos da RSX, tanto na troca de conhecimentos sobre as sementes e técnicas de plantio, quanto nas diversas percepções do que é o tempo e das mudanças no clima. Carolina de Mello Batista é coletora de sementes florestais há cinco anos e conheceu a Rede por meio de sua mãe Rutemara: “Fiquei muito emocionada em conhecer os Xavante. A Rede conseguiu unificar todas as pessoas por um objetivo maior, que é a preservação ambiental”, conta.
No último dia, a expedição levou os coletores até o município de Bom Jesus do Araguaia. Lá a comitiva visitou várias áreas em diferentes estágios de desenvolvimento de restauração. Alguns dos coletores puderam ver, pela primeira vez, áreas que foram recuperadas com as sementes que coletaram. Eles se juntaram em mutirões e juntos fizeram uma grande ‘muvuca’, destinada ao restauro de 18 hectares da fazenda Rancho 60 no âmbito do Projeto Amazonia Live (veja mais abaixo).
Artemizia Moita, responsável pela área ambiental do grupo Agropecuária Fazenda Brasil (AFB), proprietário da fazenda Rancho 60, é parceira da Rede desde 2009. Ela ressaltou que a preocupação com o restauro de Áreas de Preservação Permanente (APPs) é uma questão transversal no trabalho da AFB, que utiliza as muvucas de sementes comercializadas pela RSX para recuperar áreas degradadas. Das 645 áreas de APPs degradadas, 341 foram restauradas. Para ela, a técnica de restauro com a muvuca otimiza os processos de recuperação das áreas e facilita o trabalho dos técnicos envolvidos.
Mesmo debaixo de forte chuva, Artemizia, os coletores e parceiros, subiram no trator e manualmente jogaram no solo as sementes que no futuro se tornarão floresta. Esse plantio foi o primeiro realizado dentro do Projeto Amazonia Live, uma iniciativa do Rock in Rio em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade). “A parceria ideal que encontramos para encarar esse desafio foi o ISA, através da Rede de Sementes do Xingu”, conta Alexandre Ferrazoli Camargo, do Funbio, que participou da expedição para conhecer de perto o trabalho da RSX. O projeto é mais uma ação para minimizar os impactos do desmatamento na Amazônia. Foram 1,2 t de sementes nativas para o florescimento de 200 mil árvores na fazenda Rancho 60. A expectativa é que 1 milhão de árvores sejam plantadas nos próximos anos na região do Xingu Araguaia.