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“Não tem mais árvore em pé no igapó”: Médio Rio Negro investiga impactos de incêndios florestais

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Na região de Barcelos, Amazonas, grupo de agentes indígenas de manejo ambiental começou uma pesquisa sobre os prejuízos ambientais e socioeconômicos da destruição pelo fogo
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Uma equipe de sete agentes indígenas de manejo ambiental (AIMAs) da região de Barcelos, no Médio Rio Negro, iniciou uma pesquisa colaborativa sobre os efeitos da seca extrema que aconteceu entre setembro de 2015 e março de 2016. Na época, incêndios florestais se espalharam por amplas áreas do município. Mesmo com o passar dos anos, os efeitos das queimadas nessa escala seguem devido à lenta recuperação dos ecossistemas. Um dos objetivos do estudo é avaliar os prejuízos ambientais e socioeconômicos imediatos pós queimadas em áreas de produção agrícola e de manejo familiar e os efeitos que continuam a ser sentidos atualmente.

Os incêndios nos igapós geraram os impactos de maior longo prazo, mostrou estudo publicado no volume inaugural da Aru, Revista de Pesquisa Intercultural do Rio Negro (baixe aqui). O solo das florestas alagáveis acumulam uma camada espessa de matéria orgânica – folhas, madeira, raízes – que resseca nos longos verões e é muito propícia ao fogo. O fogo subterrâneo não se apaga facilmente e vai queimando as árvores pelas raízes. Mesmo aquelas que sobreviveram de imediato, morreram depois, provavelmente porque suas raízes já haviam sido atingidas.
Clarindo Campos, morador e conhecedor indígena de Barcelos, e que teve suas roças perdidas com o fogo, fez seu relato:

“Nos igapós as árvores como que entristeceram, começaram a cair sozinhas. Em alguns lugares, aquelas árvores que não queimaram, ficaram bem bonitas. A gente falou – nossa, que bom! Não queimaram essas árvores! Mas logo em seguida, vendo seus parentes morrendo, começaram também a cair. E agora não tem mais nenhuma árvore em pé, caíram tudinho. Acho que quando queima, queima aquele fundo de raízes onde elas se firmam. Os peixes ainda ficaram uns seis meses naquele igapó queimado em busca de comida, frutas... para pegar pacu o cara precisa de aranha, e não tem mais nenhuma, queimaram tudinho. Pouco a pouco, eles foram sumindo, porque os minhocais também foram queimados, borboletas sumiram, gafanhotos sumiram. Os macacos também, que derrubam frutas para os peixes, não podem mais sair porque não tem mais mato. Tudo isso trouxe prejuízo, e agora meu medo é esse – o peixe vai sumindo. Os peixes são iguais a nós, o ser humano do planeta Terra, nessa dimensão – ele também tem suas histórias, seus meios de transporte... então o que vai acontecer? Se vem mais uma queimada, uma seca, o risco é eles migrarem para outro lugar distante, para outros rios maiores. É tipo estrada, quando não tem mais circulação de gente, a estrada cerra, uma árvore cai e fica inviável o transporte. Então os canais onde os peixes se movimentam ficam assim também – o lago se enterra, fica raso, a água se esquenta, os peixes morrem, e eles não querem mais vir, esse é o risco hoje. Isso está acontecendo gradualmente, não é de uma vez só – um ano, menos, outro ano ainda menos... Esses dias fui no sítio, e só comi frango, não tem como pescar mais.”

Além do impacto local nos ciclos de vida, a queima das florestas de igapó e da turfeira (tipo de solo chamado na região de bucha) também geram altas emissões de gases de efeito estufa, muito superior às queimadas ocorridas em florestas de terra firme.

Os AIMAs que iniciaram esse estudo são das comunidades de São Roque (no rio Caurés), Cauboris, Cumaru e Canafé (no rio Negro), Bacabal (no rio Aracá) e na própria cidade de Barcelos. Eles estão conversando com outros moradores que tiveram suas áreas de uso impactadas, reunindo informações para entender melhor as consequências dos incêndios na economia familiar, calcular os prejuízos causados nas comunidades, conhecer como essas paisagens e áreas de manejo estão se recuperando e, ainda, como as populações indígenas afetadas buscam mitigar os efeitos das queimadas e se adaptar às novas condições ambientais.



Essa pesquisa local está sendo complementada com análises de dados meteorológicos e de sensoriamento remoto. Entre janeiro de 2015 e agosto de 2020, o satélite AQUA registrou 810 focos de calor na região de Barcelos, desse total cerca de 84%, ou 684 focos, foram registrados entre 2015 e 2016. As análises das imagens de satélite desses anos indicam que cerca de 3900 km² de campinaranas e cerca 523 km² de florestas de igapó foram queimadas. Embora as maiores áreas queimadas sejam as de campinaranas, quando analisamos a proporção da paisagem queimada vemos que 12% das florestas de igapó foram queimadas nesses anos e foram, portanto, o tipo vegetacional mais impactado pelos incêndios (Fonte ISA).

As análises dos dados meteorológicos disponíveis indicam que o aumento das queimadas está em grande medida relacionado ao estabelecimento de condições climáticas propícias à dispersão do fogo, tais como o aumento da temperatura e da velocidade do vento e a diminuição da umidade relativa do ar.

Tanto as análises das imagens de satélite quanto os focos de calor apontam que as áreas mais afetadas pelos incêndios, em relação à área e a severidade, foram regiões de campinaranas e igapós -- relativamente distantes das comunidades. No entanto, comparando à detecção dos focos de calor com as imagens de satélite, as últimas permitem acessar melhor o impacto dos incêndios sobre as áreas das comunidades. Em uma análise visual, foi verificado que 40 comunidades tiveram parte de suas áreas de uso atingidas pelas queimadas.



Além desse estudo, os AIMAs também estão envolvidos na pesquisa e monitoramento ambiental e climático da Bacia do Rio Negro (PMAC), um projeto mais abrangente geograficamente e de mais longo prazo, que acompanha os ciclos anuais a partir de um conjunto de indicadores definidos coletivamente. O PMAC é uma das atividades da rede que soma 50 AIMAs, incluindo moradores de outras cinco sub-regiões do alto e médio rio Negro.

Equipe PRN-ISA
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