Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Em declaração conjunta na semana passada, ministros de 18 países e da União Europeia reforçaram a promessa de atingir a meta de disponibilizar US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020 para financiar o combate às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. A ideia é implantar metodologias para contabilizar recursos já existentes nos bancos multilaterais e nos fundos bilaterais de clima e desenvolvimento – que precisariam se alinhar mais com os objetivos da Conferência do Clima de Paris (COP-21), que acontece em dezembro. Também reiteraram a importância do financiamento privado. O problema, no entanto, é que não houve um compromisso concreto de como e quando isso será realizado.
O compromisso de financiamento dos países ricos foi oficializado na Conferência do Clima de Copenhague, em 2009. Definir o caminho pelo qual vão se atingir esses US$ 100 bilhões é uma exigência permanente dos países do G77 – aliança de nações em desenvolvimento – e um elemento chave para o sucesso do acordo que será fechado em Paris.
O próprio presidente francês François Hollande afirmou recentemente que, sem o financiamento, o acordo ficaria comprometido (leia mais).
Atualmente com US$ 10 bilhões, o Fundo Verde para o Clima, que entrou em operação neste ano, é o a pedra angular do financiamento para o clima entre os países do norte e do sul. Com uma governança pactuada, esse fundo precisa canalizar uma quantidade crescente de recursos para preparar e implantar projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas em países em desenvolvimento.
A transferência desses recursos é percebida como uma questão de justiça climática, pois, os países mais pobres tenderão a sofrer cada vez mais com os impactos das alterações no clima, problema que eles não criaram. Além disso, esses países e a sociedade civil seguem cobrando recursos novos e mais transparência sobre eles da parte dos países ricos (saiba mais).
Como definir e medir esse fluxo de recursos tem sido uma das maiores polêmicas nas negociações do clima. Existe um pouco mais de consenso e informação sobre a contabilização de recursos públicos (bilaterais ou multilaterais) canalizados por meio de doações ou créditos concedidos entre os países do Norte e do Sul. Porém, há menos consenso e informação sobre assuntos como os recursos privados, o papel dos fluxos sul-sul, instrumentos de mercado ou o papel das ONGs e empresas do norte (saiba mais)
“A escala necessária não pode vir do setor público, mas precisa ser alavancada pelo setor público”, defendeu Christiana Figueres, Secretária Executiva da Convenção do Clima da ONU.
Urgência para descarbonizar a economia
Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas IPCC, o mundo tem um orçamento de carbono de aproximadamente mil gigatoneladas. Isso significa que, se emitirmos mais do que essa quantidade, a temperatura média do planeta subiria mais de 2ºC, limite para evitar os efeitos mais graves do aquecimento global. No ritmo atual de emissões, isso aconteceria em 30 anos.
A solução é a urgente “descarbonização” de todos os setores da economia – principalmente energia, transporte, agricultura e usos do solo (desmatamento) – que deveria acontecer em média a um ritmo de 6% ao ano até final do século, segundo a consultora Price Waterhouse&Coopers. Porém, em 2013 a descarbonização mundial foi de apenas 1,2%.
Na contramão da trajetória internacional, o Brasil está “carbonizando” sua economia, com uma elevação de 5,5% ao ano. Apesar disso, o nível de carbonização da economia do Brasil é um dos mais baixos entre os países do G20 – só perde para a França (veja aqui).
Em agosto, o Brasil anunciou a promessa de descarbonizar sua economia até 2100 em uma declaração conjunta com a Alemanha, durante a visita da chanceler Angela Merkel ao país. O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, no entanto, advertiu que essa meta deveria ser mais precisa e ter prazo mais curto. “Faltam ao país ambição e estratégia para lidar com o tema e clareza sobre aonde queremos chegar na resposta a esse desafio, resposta essa que pode trazer ganhos para a economia”, afirmou Rittl (leia mais).
Quanto é preciso investir para enfrentar as mudanças climáticas?
Em 2014, o financiamento global existente para o enfrentamento às mudanças climáticas foi estimado entre US$ 340 bilhões e US$ 650 bilhões. Esse valor inclui os recursos dos países do norte para os países do sul, calculados entre US$ 40 bilhões e US$ 175 bilhões, dos quais US$ 35 bilhões a US$ 50 bilhões vêm do setor público. Os números foram divulgados em agosto pela comissão Canfin Grandjean, encarregada pelo governo francês de mapear os recursos necessários para o acordo de Paris (leia aqui).
Segundo o IPCC, para construir um cenário dentro do limite dos 2º C de aquecimento nos próximos 20 anos, a nova arquitetura das finanças para o clima exigirá dobrar os investimentos anuais em energia renovável, multiplicar por cinco os investimentos em eficiência energética, triplicar os fluxos de investimentos dos países desenvolvidos nos países em desenvolvimento e desinvestir anualmente cerca de US$500 bilhões em fontes de energia fóssil.
O relatório “Crescimento Melhor, Clima Melhor”, de 2014, coordenado pelo ex-presidente mexicano Felipe Calderón e o economista inglês Nicholas Stern, estimou que a demanda de infraestrutura de baixo carbono – incluindo investimentos em energia renovável, infraestrutura urbana, transportes e eficiência energética – exigirá cerca de US$ 93 trilhões nos próximos 15 anos, o que significa entre 1% e 4% do PIB mundial anual. Por outro lado, a demanda de investimento no cenário de manutenção do status quo atual é calculada em US$ 89 trilhões nos próximos 15 anos. Portanto, a principal conclusão é que a maioria dos recursos já existe e só falta alocá-la de forma diferente.
“Há US$ 9 trilhões – 9 vezes o PIB do Brasil – no espaço de investidores institucionais já disponíveis para projetos orientados para o clima”, afirmou Richard Samans, presidente do Fórum Econômico Mundial, no Dia de Finanças Climáticas, em Paris, em maio.
Para alguns especialistas, a COP-21 deveria ser a guinada política para a construção de uma nova arquitetura financeira que reoriente os investimentos da economia fóssil para a infraestrutura de baixa emissão de carbono.
“O que falta para esse dinheiro ir para a direção certa? Vontade política, reconhecendo que existem fortes interesses que se beneficiam do status quo energético e que freiam a transição”, analisa Santiago Lorenzo, responsável de Finanças Verdes da Iniciativa Global de Energia e Clima do WWF.
Investidores estão tirando dinheiro de energias fósseis
O desinvestimento global nos combustíveis fósseis é um dos processos mais expressivos no contexto das negociações da COP-21. Elaborada por estudantes de algumas universidades norte-americanas, hoje a ideia conta com o engajamento de grandes investidores, fundos públicos de pensão (da Suécia, França ou Califórnia), empresas de seguros e fundos soberanos (Noruega).
“Desinvestimento é o oposto de um investimento, significa se livrar de ações, títulos ou fundos de investimento que são antiéticos ou moralmente ambíguos”, define a organização 350.org, que lidera a campanha de desinvestimento “Fossil Free”. O foco da mobilização é promover a retirada de investimentos da cadeia produtiva do carvão e do petróleo, responsáveis por 55% das emissões mundiais.
“Todas as empresas, investidores e bancos que rastreiam investimentos novos e existentes considerando o risco climático estão simplesmente sendo pragmáticos”, defendeu Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial (leia mais). Além do risco que as mudanças climáticas representam para o funcionamento de alguns setores da economia, o Acordo de Paris deve desenhar para os próximos anos um cenário de regulações internacionais para as emissões de carbono, entre elas a diminuição de subsídios nas energias fósseis.
No ano passado, uma coalizão de investidores institucionais comprometeu-se a descarbonizar US$ 100 bilhões em investimentos até a COP de Paris (saiba mais). O valor corresponde a 2% do total de investimentos existentes nas energias fósseis (saiba mais). O anúncio foi o pontapé inicial da Coalizão para Descarbonização de Portfólios (CDP), que está agregando compromissos de maneira progressiva. Em junho, a Noruega votou uma lei histórica para abandonar ações de empresas de carvão geridas por seu fundo soberano, desinvestindo US$ 900 bilhões.
Entretanto, o setor de fósseis ainda mostra sua força com investimentos de mais de US$ 1,1 trilhão por ano, de acordo com a Agência Internacional da Energia. A questão é que esses investimentos correm risco de tornarem-se antieconômicos no novo marco que será estabelecido pela Conferência de Paris. Estima-se que, para mantermos o limite de 2º C, 90% das reservas atuais de carvão, 35% de petróleo e 50% de gás deveriam permanecer no subsolo, sem serem usadas, segundo o relatório lançado pela Carbon Tracker, em 2013 (saiba mais).
Brics e financiamento climático
Nos países desenvolvidos e nos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), 75% do investimento climático é originário de fontes nacionais. Isso significa que a maior fonte de investimentos para lutar contra a mudança climática está nas instituições financeiras existentes em cada país: bancos de desenvolvimento, fundos de pensão, seguradoras e mercados de dívida, por exemplo.
No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem papel fundamental para disponibilizar os recursos necessários à transição para a economia de baixo carbono. Hoje, o banco gerencia o Fundo Amazônia, que apresenta cerca de US$ 900 milhões em doações da Noruega, Alemanha e Petrobrás para a conservação da Amazônia.
“O BNDES tem de liderar essa pauta. Para isso, é necessário integrar uma visão climática e de sustentabilidade aos critérios de investimento e às salvaguardas para o conjunto de atividades do banco, além de ser transparente com a sociedade, tal e como estão mostrando alguns bancos de desenvolvimento em outros países”, afirma Adriana Ramos, Secretária Executiva do ISA.
O BNDES pertence à aliança de 19 bancos nacionais de desenvolvimento (International Development Finance Club – IDFC) que, neste ano, comprometeu-se a financiar US$ 70 bilhões em projetos de mitigação e US$ 15 bilhões em projetos de adaptação a cada ano.
O debate sobre infraestrutura de baixo carbono é importante para o Brasil. “O Brasil, diferentemente de um país europeu, não tem sua infraestrutura toda implantada”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao site do Observatório do Clima.
“Há um mito de que a ação climática vai custar muito, mas a inação vai custar muito mais”, completa Ban Ki-Moon (veja aqui).