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Pandemia de Covid-19 expõe abandono do Estado com quilombos

Em todo o país, são 53 quilombolas mortos pela Covid-19; doença atinge com maior intensidade quilombos da Região Norte e lideranças reclamam da falta de testes
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A Covid-19 avança sobre os quilombos no Brasil. Já são ao menos 53 quilombolas mortos pela doença. Desde que a primeira morte foi registrada, no dia 11 de abril, elas têm seguido numa média de uma por dia.

O país também soma, até o fechamento desta reportagem, 300 casos confirmados da doença entre quilombolas.

Observatório da Covid-19 nos Quilombos

Para preencher a lacuna de informações sobre o avanço da pandemia nos quilombos, a Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e o ISA lançaram na semana passada a plataforma Observatório da Covid-19 nos Quilombos.

A plataforma reúne dados atualizados de casos monitorados, confirmados e óbitos decorrentes da Covid-19 entre quilombolas. O lançamento foi realizado com debate ao vivo entre Sandra Andrade, representante da Conaq, Jurema Werneck, médica e secretária executiva da da Anistia Internacional Brasil, e Milene Maia, assessora do ISA. Clique para assistir.

O Pará é, hoje, a unidade da federação em que as comunidades quilombolas foram mais atingidas pela pandemia, com 18 mortes e 163 casos confirmados. O Amapá, com 12 quilombolas mortos e 165 casos confirmados até o momento, é o segundo estado mais impactado. Foi lá, no município de Macapá, capital do estado, que a primeira morte foi registrada.

A região Norte concentra mais da metade das mortes. Os quilombos do Nordeste tiveram dez óbitos confirmados, e os do Sudeste, oito. Os do Centro-Oeste tiveram dois. Os dados estão na plataforma Observatório da Covid-19 nos Quilombos.

Acesse: quilombosemcovid19.org

“Eu tenho dito que o coronavírus é apenas um elemento adicional à dificuldade que a região Norte sempre enfrentou. Essa situação só vem acirrar aquilo que já era deficiente. Isso acaba refletindo no aumento gigantesco dos casos de coronavírus e na confirmação de óbitos, infelizmente”, considera Raimundo Magno Cardoso Nascimento, integrante da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará, a Malungu.


Invisibilidade e descaso

A crise tem sido enfrentada sem assistência do Estado brasileiro. Os números só foram contabilizados com o esforço independente de levantamento e monitoramento dos próprios quilombolas, que criaram redes de informação sobre o avanço da doença em todas as regiões do país.

Além da ausência de informações sobre casos e óbitos, a falta de apoio refere-se a outras medidas de enfrentamento. Há, de acordo com lideranças, falta de testes e ausência de medidas de apoio emergencial às famílias vulneráveis.

“As maiores dificuldades de enfrentamento à Covid nos quilombos têm sido [relativas] à ausência das políticas públicas. Essa ausência não foi gerada pela Covid, mas a Covid estampou tanto o abandono do Estado com as comunidades quilombolas quanto ao racismo institucionalizado”, afirma Givânia Silva, membro-fundadora da Conaq.

Ela alerta para a falta de medidas específicas para os quilombos e para a ausência de testagem de quilombolas que tiveram contato com pessoas infectadas.

“Os protocolos das autoridades, dos órgãos de saúde, dizem que, ao detectar uma pessoa infectada, todos os que têm contato têm que ser testados. Na questão quilombola, não está acontecendo isso. Nós achamos que isso é muito grave e tem muito a ver com as vidas que importam viver e as que não importam viver”, diz Givânia Silva.

Núbia Cristina, coordenadora da Conaq no Amapá, também sustenta que faltam testes no estado para os quilombolas que convivem ou tiveram contato com infectados pela Covid-19. Ela relata que mesmo os quilombolas doentes vêm encontrando dificuldades para conseguir medicamentos e tratamento hospitalar.

Além disso, ela pontua, a falta de auxílio -- visto que vários quilombolas no estado não conseguiram acessar os R$ 600 do auxílio emergencial criado pelo governo -- faz com que pessoas tenham de deixar as comunidades para procurar formas de sustentar suas famílias, sendo potenciais portas de entrada da doença nos quilombos.

“O racismo estrutural fica mais evidente agora. É alto o índice de contaminação porque a gente não tem políticas específicas, não tem quem nos proteja, quem faça uma ação específica e nem quem divulgue”, enumera Núbia Cristina. “Se não fôssemos nós por nós mesmos, talvez vocês nem teriam informação de que o Norte hoje ocupa o primeiro lugar [em número de mortes]”, completa.

Levantamento da Agência Pública, com dados de abril, revela uma situação alarmante. No Brasil, há uma morte a cada três internações de pessoas negras por síndrome respiratória aguda grave, causada pelo coronavírus. Entre brancos, essa média é de uma morte a cada 4,4 hospitalizações. A análise foi feita com base em dados do Ministério da Saúde divulgados até 26 de abril.

O Ministério só passou a incluir dados de cor nas atualizações sobre o avanço da Covid-19 mais de um mês depois do início da crise, após pressão da Coalizão Negra de Direitos. Mesmo assim, se for tomado como exemplo o último boletim do Ministério da Saúde (que compreende o período de 17 a 23 de maio), dos 18.128 óbitos registrados, 6.245, ou 34% deles, não informam a variável raça/cor. Além disso, o portal do governo que divulga os dados (https://covid.saude.gov.br/) não possui a separação por raça/cor.

Há também total ausência de dados oficiais sobre o impacto do coronavírus entre quilombolas.


O que diz o Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde, questionado sobre a falta de medidas específicas para as comunidades quilombolas no país e as denúncias de racismo na busca pelo atendimento médico, respondeu em nota. Reproduzimos, abaixo, os trechos nos quais a nota foca na população quilombola.

“O Ministério da Saúde informa que, no âmbito da Atenção Primária, a pasta está mobilizada no apoio aos profissionais e gestores de saúde locais, principalmente os que cuidam de populações mais vulneráveis, como quilombolas. [...] Ainda em relação à população quilombola, cabe esclarecer que o Ministério da Saúde é responsável pela articulação de ações, e fomento à políticas públicas. Cabe aos gestores municipais a organização, execução e gerenciamento dos serviços e ações locais, de forma universal, dentro do seu território, implementando ações que garantam o acesso das populações quilombolas nos seus territórios.”

Segundo Milene Maia, assessora do ISA, “o Ministério da Saúde não apontou nenhuma ação específica para as comunidades quilombolas para o enfrentamento da doença.” Ela considera que, agora, são dois caminhos a seguir: continuar pressionando o governo brasileiro a cumprir o dever de atender as comunidades mais vulneráveis, como as quilombolas, e apoiar as ações que as comunidades vêm realizando de apoio e ajuda aos quilombos.

Uma destas ações visa suprir a limitação de renda e de acesso à alimentação de diversas comunidades e povos tradicionais do Vale do Ribeira e de outras localidades. A iniciativa partiu da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) e ajudou a atender as necessidades básicas de 716 famílias, entre quilombolas, indígenas, moradores da zona sul da capital paulista e dos municípios de Eldorado e Iporanga (SP), disponibilizando 15 toneladas de alimentos.

A reportagem entrou em contato com as Secretarias de Saúde do Pará e do Amapá, com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e com a Fundação Palmares, mas não obteve resposta até o fechamento do texto.

Victor Pires
ISA
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