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PEC que tira direitos dos índios sobre suas terras pode ser votada na Câmara

Projeto dá carta branca a governo para arrendar áreas sem consulta e participação das comunidades. CCJ pode votar proposta nesta quarta (21)
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Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, na prática, abre as Terras Indígenas (TIs) aos grandes empreendimentos econômicos e retira das comunidades indígenas os direitos sobre essas áreas pode ser votada, nesta quarta (21), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

A PEC 343/2017 permite que até metade de uma determinada TI seja arrendada a produtores rurais, sob a figura da “parceria agrícola ou pecuária”, sem participação ou consulta às populações indígenas, apenas com a autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai). O projeto também acaba com a necessidade do Congresso de autorizar a mineração ou a construção de hidrelétricas nessas mesmas áreas. A PEC 343 está apensada à PEC 187/2016, que apenas autoriza as populações indígenas a realizar atividades agropecuárias ou florestais.

Na semana passada, após discussão acalorada, a oposição evitou a votação da proposta por um pedido de vistas. Após solicitações de parlamentares oposicionistas, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), retirou a matéria da pauta da sessão de hoje (20). Sob pressão ruralista, porém, convocou uma sessão extraordinária apenas para apreciar a PEC, para a manhã desta quarta (21).

Após a sessão de hoje, Franscischini foi interpelado por um grupo de lideranças indígenas. Para se defender, apenas reproduziu o discurso bolsonarista de que as populações indígenas são manipuladas por ONGs. Os índios deixaram claro que são contra as PECs e que seu movimento tem autonomia política (veja vídeo abaixo).

A bancada ruralista tenta aprovar o projeto surfando na retórica anti-indígena do governo. Desde a campanha, Jair Bolsonaro repetiu inúmeras vezes que não vai demarcar nenhuma TI e que pretende abrir essas áreas atividades econômicas de alto impacto ambiental.

Se aprovada na CCJ, as PECs seguem para uma Comissão Especial. Se forem aprovadas, vão ao plenário da Câmara e, depois, se também forem aprovadas, vão ao Senado.

O que diz a Constituição?

De acordo com a Constituição, as TIs são bens da União e os índios têm o usufruto exclusivo de seus recursos naturais. No caso da exploração mineral e hidrelétrica, o texto constitucional garante a partilha dos resultados dos empreendimentos com as comunidades por meio de royalties, prevê a necessidade de regulamentação do tema por lei, consulta às comunidades envolvidas e autorização do Congresso. A Constituição exige ainda que a concessão ou alienação de qualquer área federal de mais de 2,5 mil hectares também seja precedida de consulta ao Congresso.

Durante a sessão da CCJ de hoje, o autor da PEC 187, deputado Vicentinho Júnior (PSB-TO), disse que sua proposta visa apenas legalizar e permitir incentivos à produção agrícola e pecuária nas TIs. “Por que as comunidades indígenas não podem ter acesso aos fundos constitucionais, por meio da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, que os fazendeiros, outros cidadãos ‘brancos’ têm? Eles não podem ter por não ter uma inscrição estadual de propriedade dada por um governo estadual”, disse.

A verdade, no entanto, é que a legislação atual não proíbe atividades agrícolas e pecuária nas TIs nem a concessão de incentivos e crédito agrícola a essas comunidades. Várias delas já realizam cultivos e criam gado, em diversas regiões no país.

“Essas PECs, além de restringir os direitos constitucionais de autonomia dos povos indígenas, que já fazem suas atividades econômicas, com o entendimento que têm sobre isso, pretendem abrir essas terras ao arrendamento. Isso é inconstitucional! A PEC 343 dá uma carta branca à Funai, um órgão do governo, para fazer parcerias com produtores rurais”, contrapôs a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira indígena eleita para o Congresso brasileiro.

“Estamos muito preocupados porque essas propostas não pretendem regulamentar as atividades agropecuárias para que os próprios índios possam produzir. Quem vai definir tudo é a Funai, sem consulta e participação das comunidades afetadas”, reforça a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.

Ela alerta que as PECs retomam o modelo “integracionista” de tutela do Estado brasileiro sobre os direitos e a autonomia dos índios anterior à Constituição de 1988 e típico da Ditadura Militar. Também lembra que as PECs contrariam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil e incorporada à legislação nacional e que prevê a consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que as afetem.

O relator das PECs é o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e um dos mais ativos políticos anti-indígenas do país. Em 2014, em Vicente Dutra (RS), ele foi flagrado num vídeo incitando agricultores ao conflito armado contra indígenas. “Reúnam verdadeiras multidões e expulsem [os indígenas] do jeito que for necessário”, afirmou. Em 2016 e 2017, presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), organizada e conduzida pelos ruralistas para perseguir e criminalizar servidores públicos, lideranças indígenas, organizações indigenistas e até procuradores da República defensores dos direitos dessas populações.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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