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A Justiça Federal aprovou os termos do acordo de leniência negociado entre a empreiteira Andrade Gutierrez e o Ministério Público Federal. Os acordos de colaboração premiada dos principais executivos da empresa também foram homologados pelo Supremo Tribunal Federal. Para completar, a empresa fez publicar nos principais veículos de comunicação do país um “pedido de desculpas e manifesto por um Brasil melhor”, contendo oito propostas de alterações nos procedimentos relativos à licitação de obras públicas para “aprimorar os mecanismos legais anticorrupção”.
São elas: obrigatoriedade de estudo de viabilidade técnica e econômica antes do edital de concorrência; de projeto executivo de engenharia antes da licitação e de obtenção prévia de licenças ambientais; aferição por empresa especializada da qualidade dos serviços realizados; garantia dos direitos contratuais das partes; modelo de governança em empresas estatais e órgãos públicos; disponibilidade de recursos financeiros antes do início das obras; e punição de empresas e contratantes que não cumpram os contratos na sua totalidade.
É bem possível que estas propostas melhorem os procedimentos vigentes, mas beiram à obviedade e podem suscitar entre os comuns mortais a indagação: “mas já não é assim”? Além disso, provoca estranhamento o fato de que propostas para a superação do estado lamentável a que chegou o setor de infraestrutura venham de onde vêm. O que teriam a dizer as empresas não envolvidas nessa situação?
O pedido público de desculpas da empresa à sociedade brasileira é bem vindo e deveria servir de exemplo para as demais empreiteiras envolvidas em sucessivos escândalos de corrupção. O acordo de leniência da Andrade Gutierrez inclui a devolução de um bilhão de reais roubados, o que é muito bom para o combalido erário público. Porém, o que mais importa ao povo brasileiro é que os malfeitos das empreiteiras sejam corrigidos e que futuros contratos sejam submetidos a um maior controle social.
Uma providência nesse sentido seria a revisão dos contratos e aditivos ainda vigentes, relativos às grandes obras públicas em que o cartel das empreiteiras investigadas atua, de modo a eliminar os sobrepreços praticados, desidratando-os do superfaturamento havido. Outra medida seria a revisão dos parâmetros de preços dos serviços, equipamentos e materiais envolvidos nas obras, levando-se em conta, também, os custos de obras similares em países que disponham de mecanismos de controle com eficiência comprovada.
Outra, ainda, seria a revisão dos editais que regem as licitações das obras, de modo a suprimir cláusulas que restringem a concorrência, viabilizando a participação de empresas de menor porte, ou, mesmo, de empresas de outros países que pratiquem preços mais razoáveis. Também se faz necessária a melhoria da qualidade dos projetos de engenharia, considerando previamente as condições socioambientais das áreas de influência das obras, não deixando só por conta do licenciamento o olhar sobre os impactos delas sobre regiões e populações.
Da mesma forma, é preciso rever a metodologia usada na elaboração dos estudos de viabilidade econômica das grandes obras, que atualmente subestimam custos e superestimam benefícios, enganando a população e os agentes econômicos. Seria fundamental, ainda, antes de investir bilhões em novos contratos, avaliar os resultados dos investimentos realizados nessa última geração de obras, pois, além da corrupção praticada, várias delas consumiram bilhões sem que tenham sido entregues à população até hoje, como a Ferrovia Norte-Sul, em construção desde 1987 e até hoje incompleta — não conecta a ferrovia de Carajás ao eixo central —, e a transposição do rio São Francisco, obra ainda em execução e que segue sem levar água ao semiárido.
Também deveria ser revista a prática adotada pelos últimos governos de diluir as obras de infraestrutura em programas de feição publicitária, como o “Avança Brasil” e o “PAC”, que misturam de forma indiscriminada projetos de envergadura nacional com outros de interesse fisiológico ou regional, que não têm relevância equivalente e não merecem o mesmo grau de prioridade e de atenção por parte do governo federal. Trata como iguais, por exemplo, a pavimentação da BR-163, que liga o Mato Grosso ao Pará, e estradas vicinais, que recebem asfalto para facilitar o acesso de políticos e coronéis a suas fazendas.
Finalmente, seria prudente submeter a aprovação e o acompanhamento da execução de grandes obras a um conselho nacional, composto por representantes do governo, dos órgãos oficiais de controle, das associações de empresas e de organizações de usuários, para dificultar a ocorrência de conluios entre autoridades públicas e interesses privados, aumentando o grau de reconhecimento da sociedade e da legitimidade desses gigantescos investimentos.
Apesar da escabrosa situação a que chegamos, ainda não há um processo de discussão organizado sobre as medidas cabíveis para enfrentá-la. Ao contrário, o que se vê no governo, no Congresso e no comando dos maiores partidos, são iniciativas de mudança dos parâmetros legais para pior, com a edição de medidas provisórias para fragilizar a punibilidade de empresas envolvidas em corrupção e ainda lhes transferir a competência de desapropriar por interesse público. Também estão em curso processos legislativos para acabar com o licenciamento ambiental e enfraquecer os procedimentos licitatórios, além da ampliação dos subsídios do BNDES para o financiamento de obras públicas. Assim, continuaremos correndo para trás em vez de começarmos a olhar à frente.