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Pequenas centrais hidrelétricas ameaçam populações tradicionais no Vale do Ribeira

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Depois de 28 anos de luta contra hidrelétrica de Tijuco Alto, comunidades alertam para os potenciais impactos sobre agricultura familiar e turismo de pelo menos 13 empreendimentos previstos para a bacia.
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Em 2016, o Vale do Ribeira viveu uma conquista histórica: após 28 anos de luta, conseguiu barrar o projeto da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, que traria graves impactos socioambientais. Foi um caso marcado pela resistência popular, citada inclusive pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) no despacho que enterrou a proposta.

Agora, a região depara-se com nova ameaça: uma série de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) estão planejadas para a região. As PCHs têm potência de até 30 KW e, justamente pelo tamanho menor, possuem licenciamento ambiental simplificado e desburocratizado, muitas vezes, dependendo apenas do aval de instâncias estaduais e municipais.

No próximo sábado (17), movimentos farão ato contra essas barragens em Adrianópolis (PR), como parte das atividades do Dia Internacional de Luta contra as Barragens, celebrado nesta quarta-feira (14).

Está prevista grande quantidade de projetos na região. Apenas no Rio Açungui, no Paraná, são planejadas oito PCHSs e uma CGH (Central Geradora Hidráulica), de até 5 KW. No Rio Turvo, afluente do Ribeira, são três projetos (2 PCHs e uma CGH) e, no próprio Rio Ribeira, mais uma PCH está planejada. Sete projetos já se encontram em fase avançada de licenciamento. Todo o percurso do Rio Ribeira poderá ser afetado.



O Rio Ribeira, nos Estados do Paraná e de São Paulo, é um dos poucos que ainda não foi explorado para a geração hidrelétrica. Maior remanescente contínuo de Mata Atlântica do mundo, o vale tem uma grande concentração de comunidades quilombolas, que dependem majoritariamente da agricultura e do turismo para a subsistência.

Rodrigo Marinho, membro do Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB) e quilombola de Ivaporanduva, afirma que as PCHs alteram o fluxo natural da água, o que transforma todo o equilíbrio ecológico. Isso pode afetar a sobrevivência dos peixes, por exemplo. Mas, para ele, o maior impacto é o social. “O vale é uma região montanhosa e a área fértil fica próxima do rio. Alaga a área, onde o agricultor vai plantar? No morro? A tendência é a expulsão desses agricultores para as grandes cidades”, diz ele.

Marinho explica que as PCHs são estratégicas para o empreendedor, porque exigem uma burocracia reduzida para a concretização do empreendimento e os estudos ambientais são simplificados.

O Rio Açungui é um dos casos emblemáticos. É após cruzar com o Açungui que o Ribeira adquire as características que o acompanham pela maior parte do Vale (veja aqui). Os empreendimentos nesse rio, portanto, alterariam a composição da água e o fluxo do Ribeira por quase todo o seu trajeto, impactando não só os moradores de áreas próximas das PCHs, mas comunidades tradicionais e agricultores familiares de toda a Bacia do Ribeira.

“O barramento de rios para a construção de usinas hidrelétricas, grandes ou pequenas, causa diferentes impactos no ambiente. Um deles é reter os sedimentos que são levados rio abaixo e ajudam a fertilizar as suas margens, importantes na agricultura tradicional do Vale do Ribeira. Outro efeito negativo já registrado em Pequenas Centrais Hidrelétricas é que os peixes não conseguem mais subir o rio, por causa da barragem, dificultando sua reprodução e prejudicando quem utiliza o peixe na alimentação”, explica Ciro Campos, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA).

Questionamentos

O Ministério Público Estadual do Paraná tem feito questionamentos sobre esses projetos. Um dos pontos levantados é a insuficiência dos estudos ambientais elaborados pelos empreendedores.

“Existe uma desconsideração do impacto global desses empreendimentos”, afirma Alexandre Gaio, da promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público do Paraná.

Ou seja: as empresas fazem o estudo de impacto ambiental para cada PCH individualmente, mas não consideram as consequências globais da instalação de vários empreendimentos ao longo do curso do rio. Além disso, para as PCHs de até 10KW são exigidos apenas Relatórios Ambientais Simplificados (RAS), muito menos abrangentes que os EIA-RIMA (Estudos de Impacto Ambiental) exigidos para as grandes hidrelétricas e PCHS entre 10 KW e 30 KW.



Conjuntura desfavorável

Uma das anuências para esses empreendimentos ocorre na esfera municipal. Em audiências com a população e autoridades locais, militantes e a própria promotoria têm insistido no argumento econômico: as PCHs teriam impacto direto na agricultura - ao alagar terras e mudar a composição da água - e no turismo - ao alterar a paisagem e impedir atividades como o rafting, por exemplo. Por outro lado, os impostos municipais que incidem sobre a produção hidrelétrica seriam muito baixos, e não compensariam os impactos.

É por isso que hoje, segundo Laura de Jesus Moura, membro do Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (CEDEA), há uma conjuntura política desfavorável para a construção das PCHs na maior parte dos municípios, o que tem retardado o seu avanço.

O município de Cerro Azul (PR), por exemplo, criou uma lei que torna a bacia do Rio Turvo patrimônio histórico, cultural e ambiental, e proíbe a instalação de obras que alterem significativamente a paisagem. Lei parecida foi aprovada em Dr. Ulysses (PR). Segundo Laura Moura, diante disso os empresários não desistiram e começaram a se interessar por empreendimentos na microbacia do Rio da Bomba.

Patrimônio arqueológico

Marlon Borges Pestana, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), ajudou no levantamento arqueológico para os estudos dos empreendimentos do Rio Açungui. A região foi ocupada, na pré-história, por grupos indígenas Kaingangs da família Jê. Vestígios se encontram em sítios arqueológicos nas margens do rio.

Pestana afirma que, ao longo do percurso, cinco sítios arqueológicos seriam impactados diretamente, e 15 indiretamente.

As outras usinas previstas, em trechos mais distantes da foz, impactariam não só os sítios arqueológicos, mas a vegetação nativa que resta na região, que teria de ser desmatada para as PCHs.

Segundo Pestana, além dos empreendedores da usina, madeireiros e cimenteiros também possuem um forte interesse econômico nesses empreendimentos. A região é alvo da exploração do eucalipto. Hoje, o rio não serve como rota de transporte para a madeira, mas isso poderia mudar com a construção dos reservatórios, reduzindo custos para essas empresas.

“O Rio Açungui não é navegável. Mas se tiver reservatório, ficaria bem mais fácil”, explica. O reservatório também ajudaria a elevar o nível da água e facilitar o bombeamento para irrigação de fazendas, segundo Pestana. “Hoje, o rio é muito cheio de cânions, o vale é muito profundo”, informa.

A luta contra Tijuco Alto – uma história de resistência

Por 28 anos, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares, organizações e população do Vale do Ribeira se uniram em defesa de um patrimônio comum: o rio Ribeira. O projeto da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), que previa, inicialmente, a construção de quatro barragens (Tijuco Alto, Itaóca, Funil e Batatal), foi alvo de permanente mobilização, com a realização de audiências, ocupações no IBAMA, manifestações, estudos independentes e pressão, que buscava evidenciar os impactos irreversíveis de empreendimento desse tipo na região.

Foi em novembro de 2016 que o IBAMA indeferiu o licenciamento da UHE Tijuco Alto com base em sua inviabilidade ambiental. A concessão para a obra, ou seja, a permissão da Agência Nacional de Energia Elétrica para empreendimento do tipo, foi suspensa em fevereiro de 2018. Apesar do projeto ter sido enterrado, há um passivo deixado na região, envolvendo as centenas de famílias que foram retiradas de suas terras.

Clara Roman
ISA
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