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Seis meses após decisão da Justiça Federal prevendo a saída dos ocupantes não indígenas da Terra Indígena (TI) Pankararu, nos municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, no centro-sul de Pernambuco, nenhum posseiro deixou a área. Com o descumprimento do acordo firmado em fevereiro, o juiz Felipe Mota Pimentel de Oliveira, da 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada, emitiu nova decisão, em 28 de agosto, prevendo a retirada dos ocupantes irregulares com apoio de força policial até depois de amanhã. O clima na região é de tensão, apontam fontes ouvidas pela reportagem. (Leia a nova decisão).
“Nós estamos esperando. Está todo mundo apreensivo, porque está todo mundo se sentindo ameaçado”, diz um indígena que prefere não se identificar. Ele acrescenta que os indígenas estão sofrendo ameaças por parte dos posseiros. De acordo com a liderança, invasores chegaram a quebrar um dos canos que leva água até as aldeias, prejudicando o abastecimento. "Eu mesmo estou só em casa. Não estou saindo. As outras lideranças também estão evitando sair para evitar confronto", completou.
A decisão judicial de fevereiro previa a saída voluntária dos posseiros, no prazo de um ano, que poderia ser feita de forma gradual, com a saída de 25% das famílias por trimestre.
“Ao invés de se estar solucionando, se está complicando cada vez mais. À medida que a gente não consegue resolver a saída dos posseiros, as famílias aumentam, o vínculo com a terra aumenta e a gente começa a ter uma complexidade maior”, avalia Ivo Augusto, da coordenação regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) na área do Baixo São Francisco.
O líder dos posseiros dentro da TI Pankararu, Eraldo de Souza, disse que o grupo admite sair da área de posse indígena, mas considera as indenizações pelas benfeitorias feitas de boa-fé e o reassentamento injustos: “A terra é dos índios? É. Então diga para onde nós vamos. Nós queremos terra para construir casa e trabalhar. E indenização justa, porque a indenização da Funai é um roubo”.
Souza nega as acusações de ameaças contra os indígenas e acrescenta que os posseiros entraram com um agravo de instrumento para evitar a retirada dos não indígenas. No total, 346 famílias de não índios ocupam aproximadamente 20% do território tradicional. Deste total, no entanto, 190 não residem mais na área demarcada.
A decisão judicial de fevereiro prevê tanto indenização das benfeitorias realizadas de boa fé, quanto o reassentamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) dos ocupantes não indígenas de boa-fé no território. O valor das indenizações chegam a R$ 5,5 milhões. A Funai tentou pagar os posseiros em 2013, mas o grupo não aceitou os valores.
“O Incra disponibilizou vagas a essas famílias em um projeto de assentamento na região, mas elas não aceitaram”, respondeu o Incra por meio de nota. De acordo com Souza, os posseiros não aceitaram o novo local por ser distante da área atual e por não comportar todas as famílias.
São consideradas de boa-fé as ocupações e benfeitorias realizadas antes de 1994, quando foi constituído o primeiro Grupo de Trabalho (GT) para estabelecer os valores das indenizações. O GT foi criado após o Ministério Público Federal ajuizar, em 1993, ação civil pública contra a União, a Funai, o Incra e os posseiros, requerendo a retirada dos ocupantes não indígenas.
Os índios pleiteiam a saída dos posseiros há décadas. Existem registros que indicam tensão entre os grupos desde pelo menos os anos 1940, quando a área foi demarcada pela primeira vez. Após a homologação da área, etapa final da demarcação, em 1987, começou a luta na Justiça, que se arrastou até a decisão do início deste ano.
“É uma questão social. A gente está lidando com vidas. Mas tem de cumprir porque é uma terra indígena reconhecida há muito tempo e esse processo vem se arrastando há mais de 30 anos”, considera Ivo Augusto.
A exemplo de quase todos os grupos indígenas do Nordeste brasileiro, a história Pankararu remete a políticas e ação missionária implementadas desde o início da colonização portuguesa. Sua organização social é baseada em troncos familiares e aldeias habitadas por esses grupos familiares. Assim como os outros povos do Nordeste, o principal emblema da cultura Pankararu consiste no sistema ritual do Toré e no culto aos Encantados a ele associado.
Sua população atual é de cerca de 8.184 pessoas. Eles estão distribuídos nas Terras Indígenas Pankararu Entre Serras e Fazenda Cristo Rei, em Pernambuco, Cinta Vermelha de Jundiba e Pankararu de Araçuaí, em Minas Gerais, além de uma Reserva Indígena na Bahia e a favela Real Parque, na zona sul na cidade de São Paulo.
Homologada em 1987, a Terra Indígena Pankararu corresponde à memória que os Pankararu mantêm da doação imperial de uma sesmaria à missão religiosa que aldeou seus antepassados, nos séculos XVIII e XIX.
Desde os primeiros registros do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na década de 1930, as terras reivindicadas pelos Pankararu correspondem a "uma légua em quadra", delimitada em 14.290 hectares. Quando da primeira intervenção local do órgão indigenista, em 1940, no entanto, os limites reivindicados não foram respeitados e o funcionário responsável reduziu a área para 8.100 hectares, afinal oficialmente reconhecidos. Os conflitos fundiários com posseiros não indígenas que habitavam a porção sudoeste do território reconhecido aumentaram e os índios passaram a reivindicar na Justiça o reconhecimento de seus direitos.
Em 1984, a Funai deu início a estudos para revisar a área Pankararu, corrigindo a redução realizada em 1940.
Na área em litígio parte sudoeste, o GT realizou um levantamento fundiário das posses, com fins de desapropriação. Essa proposta foi recusada no Ministério da Agricultura e, num acordo com as lideranças indígenas, o acréscimo das área ao norte e ao leste foi trocado pela promessa de imediata retiradas dos não indígenas do antigo trecho em litígio.
Em 1987, a mesma área demarcada pelo SPI foi novamente homologada, agora pela Funai, sem que a promessa de retirada fosse cumprida. Apenas em 1993, por força de uma ação civil pública movida pela Procuradoria da República contra a União, Funai e Incra, a Justiça decidiu-se pela retirada de doze famílias de posseiros.
Lideranças do grupo de posseiros argumentam existir famílias descendentes de seus ancestrais casadas com indivíduos Pankararu e hoje consideradas indígenas, da mesma forma que existiriam muitas famílias de posseiros descendentes de índios casados com não índios e transferidas para fora do que hoje são os limites da TI. Em 2007, a área restante à extensão reconhecida foi homologada como Terra Indígena Entre Serras.
Informações extraídas do verbete “Pankararu”, produzido em 2005 pelo antropólogo José Mauricio Arrutti para a Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil. Saiba mais