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Comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, em especial os Terena, realizam, hoje, uma mobilização para pressionar o governo estadual a dar uma solução aos conflitos em Terras Indígenas (TIs). Os índios farão manifestações em vários pontos do estado.
Eles também protestam contra a instalação, prevista para hoje, da Comissão Especial (CE) da Câmara que vai analisar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. O projeto tira do Executivo e transfere ao Legislativo a atribuição de aprovar e demarcar TIs, criar Unidades de Conservação (UCs) e titular territórios quilombolas. Se aprovado, na prática significará a paralisação definitiva desses processos.
Na semana passada, as negociações sobre os conflitos em TIs no Mato Grosso do Sul chegaram a um impasse. Em reunião, em Brasília, integrantes do governo sul-mato-grossense informaram que não haveria terras estaduais passíveis de serem adquiridas pela União para indenizar fazendeiros que se disponham a deixar as TIs.
O anúncio foi um balde de água fria nas expectativas de lideranças indígenas, representantes do Ministério da Justiça e da Fundação Nacional do Índio (Funai), que aguardavam fechar, nesse encontro, o acordo para a compra de uma área estadual pelo governo federal com Títulos da Dívida Agrária (TDA). Os papéis seriam repassados à administração estadual para indenizar os produtores rurais que ocupam a TI Buriti, de 17 mil hectares, em Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande. A intenção era usar esse modelo em outros casos no estado.
Na reunião, ficou decidido que o governo federal fará um levantamento sobre áreas da União que poderiam ser repassadas ao estado. O resultado será apresentado na próxima semana, em nova reunião.
“O governo sul-mato-grossense não demonstra interesse em achar a solução para a situação no estado”, critica Lindomar Terena. Ele avalia ainda que a aprovação da PEC 215 levará por água abaixo a mesa de diálogo criada pelo governo federal para discutir os conflitos em TIs em todo País. A negociação no Mato Grosso do Sul é a primeira ação da mesa.
“O governo estadual também tem de entender que houve, com a conivência do estado, ao emitir título que incidiam nesses territórios [indígenas], uma participação do governo estadual. Ele também tem de considerar que houve essa parcela de culpa. Infelizmente, tem restrição em aceitar isso”, disse, depois da reunião, o procurador federal em Dourados (MS), Marco Antônio Delfino.
Ele vê falta de priorização de recursos financeiros da “esfera governamental” para resolver a questão, mas acredita que há boa vontade das partes envolvidas nas conversas.
Sinais ambíguos
O anúncio de que não haveria terras disponíveis no estado para fechar o acordo foi mais um sinal político ambíguo do governador André Puccinelli (PMDB). No dia 13/8, depois de uma reunião com todas as partes envolvidas, em Campo Grande, sua assessoria informou que ele concordava com as linhas gerais do plano, mas aguardava seu detalhamento. Uma semana antes, no entanto, colocara em dúvida o acordo, depois do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciar suas linhas gerais (saiba mais).
No encontro da semana passada, era esperada pelo menos a presença da vice-governadora, Simone Tebet, ou de algum secretário de Estado. Puccinelli enviou o procurador geral adjunto, José Aparecido Barcello de Lima.
“Foi uma surpresa para nós. Esperávamos outra resposta”, afirmou, depois da reunião, Tonico Benítez Guarani-Kaiowá. Ele reforça que o governo sul-mato-grossense não quer assumir responsabilidades nas negociações e acredita que pretende deixá-las.
Os governos federal e estadual negam-se a disponibilizar recursos para as indenizações. A alternativa dos TDAs foi proposta por causa disso. O governador e representantes de produtores rurais seguem pressionando o Planalto a colocar dinheiro vivo sobre a mesa.
Os fazendeiros também exigem que a avaliação das terras leve em conta preços de mercado e tentam evitar que a Funai seja responsável pela avaliação das benfeitorias construídas por eles nas TIs.
Em nota enviada ao ISA, a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) afirma que a ideia de comprar terras do governo estadual, repassando a ele TDAs, foi a “a primeira alternativa concreta apresentada pelo Governo Federal e, ainda está em análise pelo próprio Governo Federal”.
A expectativa da Funai é que uma solução para a TI Buriti ainda seja possível segundo o plano inicialmente previsto. Outras áreas serão estudadas caso a caso por causa das diversas situações em que estão envolvidas (ações na justiça, diferentes etapas no processo de demarcação e graus de conflito).
A Constituição determina que todos os títulos incidentes sobre TIs sejam considerados nulos e que apenas benfeitorias de ocupantes de boa-fé sejam indenizadas. Diante do acirramento dos conflitos em TIs no Mato Grosso do Sul nos últimos meses, o governo federal tenta costurar um acordo que, sem ferir a lei, permita a compra de terras para indenizar fazendeiros detentores de títulos obtidos legalmente.
Lista de prioridades
Na reunião da semana passada, foram definidas mais duas TIs Terena prioritárias cujos com conflitos serão analisados na busca de uma solução: Cachoeirinha, nos municípios de Aquidauana e Mirana, e Taunay-Ipegue, também em Aquidauana. Em Campo Grande, já haviam sido incluídas nessa lista as TIs Guarani-Kaiowá Yvycatu, em Japorã, Potrero Guaçu, em Paranhos, e Ñande Ru Marangatu, em Antônio João.
A TI Taunay-Ipegue consta de uma lista divulgada pelo ISA de sete áreas, sem pendências administrativas ou legais, que aguardam ter sua portaria declaratória assinada pelo ministro da Justiça (veja aqui).