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Por Tainá Aragão
As Terras Indígenas Jacareúba-Katawixi (AM) e Pirititi (RR) estão sofrendo uma ofensiva de destruição devido a dois grandes projetos de desenvolvimento herdados da ditadura militar: a pavimentação da BR-319 e a retomada do Linhão de Tucuruí, como aponta relatório técnico produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Apesar dos projetos ainda não terem saído do papel, somente a possibilidade da implementação já ativa invasões e desmatamentos nas duas terras indígenas com presença de isolados.
Segundo o estudo, a explosão de irregularidades aconteceu durante a pandemia, coincidindo com a proximidade do término da vigência das Portarias de Restrição de Uso, mecanismos de proteção legal de grupos de indígenas isolados emitidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
A restrição da TI Pirititi caducou em 5 de dezembro e a da TI Jacareúba/Katawixi vence no próximo domingo (12/12). A Funai, por sua vez, não afirmou se vai garantir a proteção desses territórios, o que pode deixá-los em um limbo jurídico.
O desmatamento e a atividade de madeireiros, encorajados pelas obras de infraestrutura, oferecem risco à segurança física e alimentar dos grupos isolados. Além disso, a aproximação de não-indígenas, em meio à maior pandemia dos últimos 100 anos, aumenta a vulnerabilidade dos indígenas.
Imagens de satélite demonstram que a degradação florestal aumenta próximo à área de influência dos dois projetos de infraestrutura. As ações dos invasores são proibidas pelas determinações das Portarias de Restrição de Uso, que impedem qualquer atividade de não-indígenas nos territórios.
Dados recentes de desmatamento na Amazônia divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento nesses territórios cresceu 245% no atual governo, entre 2020 e 2021. “Sem as renovações das portarias que garantem a proteção dos territórios, os invasores podem se sentir mais autorizados a ocupar as Tis”, afirma Antonio Oviedo, Coordenador do programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA.
Frente à situação emergencial, verificada também nas terras com isolados Piripkura (MT) e Ituna-Itatá (PA), um coletivo de organizações indígenas e indigenistas encabeçado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), lançou em agosto a campanha “Isolados ou Dizimados”, que conta com uma petição para pressionar as autoridades a agir para proteger as quatro terras com registros de isolados.
A campanha visa pressionar a Funai, por meio de uma petição, a garantir o direito ao isolamento e a de vida aos povos isolados, algo já referendado na constituição de 1988, mas distante das prioridades na gestão de Bolsonaro.
Em Roraima, a construção do Linhão de Tucuruí, no sul do estado, preocupa as organizações indígenas. A linha de transmissão pode ser implementada ao longo do eixo da BR-174, que corta a TI Waimiri-Atroari em 125 km, e afeta uma área de influência da TI Pirititi.
A implementação da obra consiste na construção de torres gigantescas a uma distância segura em relação à estrada, implicando em novos desmatamentos ao longo de todo o trecho rodoviário e dificultando a conexão entre as partes do território separadas pela estrada e todos os processos ecológicos envolvidos.
A terra Pirititi faz limite e tem alta conectividade com a TI Waimiri-Atroari (RR), localizada no município de Rorainópolis. A Funai classificou essa TI com um registro “confirmado” de isolados, que comprova a existência de um povo indígena em isolamento. Desde 2012, a portaria de restrição da TI foi renovada seguidas vezes.
Contudo, o mecanismo legal venceu no domingo (05/12) e, até o momento, a Funai não se pronunciou se vai garantir o direito ao território para os isolados. A omissão do órgão pode aumentar as tensões e encorajar os invasores a invadir.
Em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) em que expediu recomendações para proteger o povo indígena isolado Pirititi, visando a demarcação da TI e a determinação de ações de combate às infrações ambientais. Mas, até agora, nada foi feito. A ação relata que a existência dos Pirititi é ameaçada pelo avanço de madeireiros e grileiros.
Em 2018, o Ibama promoveu a maior apreensão de madeira ilegal da história de Roraima (7.387 toras, equivalentes a 15.000 m³), na região dos Pirititi. Nos últimos dois anos, o sistema de monitoramento independente do ISA, Sirad, detectou invasões e pequenos desmatamentos no interior da TI.
Apesar das evidências, os procedimentos para formalização da demarcação da área jamais foram iniciados. Devido à demora em regularizar a área, a ACP pede a realização da demarcação em um prazo de três anos.
Em setembro, a Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA) lançou uma nota repudiando anúncio do Governo Federal sobre o início das obras do Linhão Tucuruí. Leiloada há 10 anos, a linha de transmissão estava com as obras paralisadas e esperava a resolução do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para atravessar o território indígena.
A emissão da licença ambiental de instalação veio depois que a Funai autorizou a obra. Entretanto, o povo Waimiri-Atroari afirma que o acordo compensatório não foi firmado e que, por essa razão, não aceitarão a construção do empreendimento dentro dos limites da TI.
Segundo um estudo realizado pelo ISA e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um cenário de baixa governança ambiental das políticas de comando e controle, e licenciamento ambiental, a TI Pirititi poderá acumular um desmatamento de 5.049 hectares entre os anos de 2022 a 2039.
A rodovia BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, segue à margem da TI Jacareúba-Katawixi e tem alto potencial de estimular o desmatamento na região, uma vez que abrirá acesso a vastas áreas da floresta amazônica, preservada pela presença de populações indígenas.
A área, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea, no Amazonas, é habitada por um grupo de indígenas isolados denominados Katawixi. A “descoberta” da presença dos indígenas isolados aconteceu durante o planejamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando a Funai alertou o Ibama para a existência de vestígios dessas populações.
Por isso, em 2007, foi expedida a primeira portaria de restrição de uso, que foi sendo renovada, sucessivamente, com prazo de validade entre um e quatro anos. A última portaria foi publicada em 14 de dezembro de 2018 e expira no domingo (12/12).
No estudo realizado pela UFMG, foram analisados os possíveis impactos da pavimentação da BR-319 por meio do modelo “SimAmazonia”, que integra variáveis do meio físico, infraestrutura, dinâmica demográfica, ordenamento territorial e governança ambiental para simular o desmatamento.
A pavimentação pode incidir no aumento expressivo do desmatamento, atingindo 9,4 mil km² por ano em 2050 no estado, taxa similar à verificada no ano de 2019 para toda a Amazônia Legal, quando se verificou uma alta de 34,4% em relação ao ano anterior.
Em um cenário de baixa governança ambiental das políticas de comando e controle, e licenciamento ambiental, os impactos da BR-319 podem acarretar novos desmatamentos na TI Jacareúba-Katawixi, podendo degradar 269.974 hectares entre os anos de 2022 a 2039.
No fim de novembro, a Coiab lançou um manifesto em defesa da vida dos povos indígenas isolados, onde destacou que os crescentes ataques e pressões sobre os territórios estão ligados ao gradual enfraquecimento da política indigenista da Funai e do fortalecimento da pauta governamental anti-indígena.
“O ano inteiro [2021], a Funai só falou sobre etnodesenvolvimento e não falou sobre a proteção dos territórios, privilegiaram esse tema em detrimento da regularização fundiária e da homologação. Além desproteger terra indígena e dar posse ilegal ao invasor”, enfatiza Luciano Pohl, da Gerência de Povos Indígenas Isolados e Recente Contato da Coiab.
Frente aos retrocessos de proteção por via dos órgãos de estado, o movimento indígena está fortalecendo estratégias para conter as invasões nas TIs, com monitoramento e ações de proteção autônomas no território, a fim de proteger os seus “parentes isolados”, como denominam.
“Estamos aperfeiçoando cada vez mais nossas iniciativas autônomas e nossas estratégias para a proteção de nossos territórios, e para o bem viver dos povos indígenas isolados. Dessa forma, reforçamos que continuaremos vigilantes em defesa de nossos direitos” diz trecho da carta.
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