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And parties in a position to do so (que em português significam "e os países com capacidade de fazê-lo”). Essas oito palavras inseridas pelos países em desenvolvimento no rascunho do texto que está sendo negociado na Conferência do Clima de Paris (COP 21) são o centro das tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
“Todo país com capacidade deve contribuir”, afirmava o comissário europeu de Clima e Energia, Miguel Arias Cañete. A União Europeia defende que já não faz sentido uma divisão binária do mundo, e dá como exemplo China, Índia e o Brasil, que estão entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo. “A União Europeia quer que a diferenciação – entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento – se dilua”, afirmava uma negociadora de um país em desenvolvimento (saiba mais).
“Não estamos reduzindo o compromisso dos países ricos, mas expandindo o financiamento, chamando os países com capacidade de contribuir”, afirmou Todd Stern, negociador americano (leia aqui).
Em reação, o grupo BASIC - Brasil, África do Sul, Índia e China - fazia, na terça (8/12), uma declaração conjunta lembrando que, na Convenção do Clima, desde a Rio-92, o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” ainda continua vigente. Na visão desses países, isso significa que cabe aos países desenvolvidos, pelas suas responsabilidades históricas e emissões per capita mais elevadas, repassar os recursos financeiros e tecnológicos aos países em desenvolvimento para combater as mudanças climáticas (leia mais).
A questão central é quem vai pagar os US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, prometidos pelos países desenvolvidos aos países mais pobres para enfrentar a mudança climática. Esse é o motivo das divergências o G77 (grupo de países em desenvolvimento), o BASIC e os países desenvolvidos.
Segundo o relatório lançado em outubro pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Climate Policy Iniciative, em 2014, US$ 62 bilhões teriam sido investidos pelos países desenvolvidos nos países em desenvolvimento na luta contra as mudanças climáticas (leia mais).
“O estudo da OCDE que tanto é citado pela UE e os Estados Unidos tem sérios problemas e é profundamente defeituoso”, afirmou o ministro indiano de Finanças, Arun Jaitley. O governo indiano analisou as metodologias do relatório e concluiu que somente US$ 2,2 bilhões foram transferidos efetivamente pelos fundos climáticos no ano passado (leia aqui).
“Sabemos que existem diversas tentativas de forjar os números, fazendo análises que mostram que [os países desenvolvidos] já se aproximam de entregar os US$ 100 bilhões. Precisamos de transparência em torno dessa questão”, declarou Tasneem Essop, do WWF.
O tema já foi analisado pelo Comitê de Finanças da ONU no seu relatório de 2014, que identificou que os repasses de países desenvolvidos aos países em desenvolvimento estariam entre US$ 40 bilhões e US$ 175 bilhões, um leque muito amplo que mostra o enorme desafio de estabelecer metodologias e aprimorar as informações.
No fundo, as emissões de carbono e suas consequências estão vinculadas às desigualdades no planeta. “Cerca de 10% dos mais ricos no planeta produzem a metade das emissões enquanto 3,5 bilhões de pessoas entre os mais pobres produzem somente 10% das emissões globais”, explica o relatório lançado pela Oxfam, “Extreme Carbon Inquality”.
Por isso, o economista francês Thomas Piketty propôs que a taxação do carbono deveria ser progressiva, levando em consideração essas desigualdades.
Segundo a Agência Francesa de Desenvolvimento, os US$ 100 bilhões representam apenas 0,16% do PIB das 20 maiores economias do mundo.
Tempestade de anúncios para a luta climática
Os $100 bilhões tem muita importância política para os países mais pobres no processo de negociações da Conferência de Paris. Porém, outros números dimensionam o tamanho da mudança que precisa acontecer na economia para que o mundo não ultrapasse o aumento de temperatura média do planeta considerado seguro, entre 1,5ºC e 2ºC.
Será preciso realocar trilhões de dólares dos investimentos e ativos considerados “sujos” para os “limpos” do ponto de vista climático. Para isso, é preciso dobrar os investimentos anuais em energia renovável, multiplicar por cinco os investimentos em eficiência energética, triplicar os fluxos de investimentos dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento relacionados ao enfrentamento das mudanças do clima e desinvestir anualmente cerca de US$ 500 bilhões nas fontes de energia fóssil.
“Precisamos organizar a transição de maneira coerente e sem bagunça”, lembrava em conferência, na Assembleia Nacional francesa, o brasileiro Luiz Pereira da Silva, diretor do poderoso Banco de Compensações Internacionais – o banco central dos bancos centrais.
Desde o ano passado, governos, alianças de bancos e empresas realizam anúncios com as suas contribuições à luta contra a mudança climática (leia mais).
O primeiro veio da parte do movimento de desinvestimento nas energias fósseis, liderado pela ONG 350.org e que recebeu o apoio do secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, em Nova York, em setembro de 2014. A Coalizão para Descarbonização de Portfólios (CDP) tinha como meta remover investimentos “sujos” de US$ 100 bilhões, mas atingiu US$ 600 bilhões com 500 grandes atores financeiros envolvidos (saiba mais).
O presidente do Fundo dos irmãos Rockefeller, Stephen Heintz – cuja riqueza histórica veio do petróleo – disse que a mudança climática é principalmente uma questão moral, mas também econômica, ambiental e política. “Não tem sentido investir em perdedores, invistamos nos ganhadores”, afirmou.
O Banco Mundial também articulou uma aliança de bancos de desenvolvimento e privados, que assinaram o compromisso de aplicar princípios relacionados à mudança climática, lidar com o risco climático e ter mais transparência. O BNDES não assinou o compromisso (leia mais).
Outros anúncios relevantes foram feitos pela Noruega, Alemanha e o Reino Unido, que se comprometeram a investir US$ 5 bilhões para lutar contra o desmatamento, dos quais US$ 400 milhões iriam para o Fundo Amazônia. A França anunciou que investirá €$ 2 bilhões para desenvolver a energia solar na África e Bill Gates, junto com 28 fundos privados, divulgou que irá investir bilhões em tecnologias limpas (leia mais).
Um pra lá dois para cá
O economista alemão Ottmar Edenhofer, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), explicava em uma das palestras que ocorreram nos últimos dias em Paris que há um renascimento do carvão como fonte de energia. “Há 1000 Gw de novas usinas termelétricas de carvão planejadas nos próximos anos”, disse. “Se queremos viver em um mundo de menos de 2ºC, 89% das reservas de carvão, 63% das reservas de petróleo e 64% das reservas de gás tem que ficar embaixo do solo”, completou.
Precisamos remover os subsídios das energias fósseis – que atingem US$ 200 bilhões, segundo a OCDE – e o cenário de preços baixos do petróleo é excelente para isso, lembrava Kamel Bennaceur, diretor de energias renováveis da Agência Internacional da Energia (veja). Com o cenário atual, no entanto, não vamos atingir o pico de emissões nos próximos 2 a 5 anos, que seria crucial para nos manter no cenário de 2 ºC.
Em 2014, foram investidos US$ 1,1 trilhão no setor de energias fósseis, de acordo com a Agência Internacional da Energia. Porém, esses investimentos têm grave risco de se tornarem antieconômicos no novo marco do Acordo de Paris (veja aqui).
As finanças privadas também tem uma grande responsabilidade no renascimento do carvão. A iniciativa Banktrack denunciou essa situação em um encontro na Cúpula Cidadã alternativa, em Paris. Entre 2009 e 2014, US$ 257 bilhões foram destinados a minas e centrais de carvão. Por isso a iniciativa solicita assinaturas para os cidadãos para realizar um chamado aos bancos para que desinvistam no carvão (veja mais).
Os Amigos da Terra – França entregaram o prêmio Pinocchio – que se outorga anualmente às empresas que mais praticam o “green-washing” e têm as piores práticas ambientais – ao Banco francês BNP, um dos maiores investidores em carvão do mundo (veja aqui).