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Os debates e ações em torno da conservação e restauração da biodiversidade tem esbarrado em um gargalo legal. Trata-se da lei de sementes e mudas que torna obrigatória uma série de procedimentos e documentações para a venda de sementes e mudas no Brasil. Se por um lado, a lei se propõe a aplicar um sistema nacional de controle de qualidade de sementes e mudas com fiscalização, por outro, escancara as limitações para colocar tais exigências em prática, considerando a realidade das iniciativas e comunidades rurais. Esses cenários controversos trazem uma importante questão: como conseguir sementes e mudas legalizadas para a recuperação de áreas degradadas no Brasil?
A Rede de Sementes do Xingu incorporou a questão em sua atuação para estudar e propor um plano estratégico de adequação para que as sementes possam ser utilizadas. Para além de cumprir puramente as exigências burocráticas, a Rede partiu do princípio de que a melhor opção seria adequar-se à lei, o que traria ganhos efetivos na qualidade da produção e na gestão da iniciativa.
A adequação legal é um trabalho que exige tempo e formação, já que os seus reflexos incidem na gestão de toda a cadeia de produção de sementes. Há alguns anos, as questões legais estavam mais distantes das atividades e do trabalho dos coletores. Com a lei de sementes e mudas o cenário se alterou.
Um levantamento realizado em 2012, sinalizou que por mais que os coletores da Rede avaliassem como importante a existência de um sistema nacional para controlar a qualidade, eles não conheciam a lei e suas implicações na prática.
Hoje a Associação conquistou a sua inscrição no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem). “É inédito uma associação comunitária se credenciar para produzir sementes de acordo com a legislação vigente. Esse resultado é fruto da construção participativa, passo a passo. Espero que essa conquista possa encorajar outras iniciativas Brasil afora a seguir o mesmo caminho", avalia Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu.
O tema qualidade de sementes tem ocupado espaços e atividades no cotidiano da Rede, sendo tratado em oficinas e encontros com a participação dos coletores e técnicos. Assim, foi construído um caminho participativo para a adequação legal, o que representa que a legalização das sementes é apenas um dos resultados de um processo maior voltado continuamente para a qualidade. Nesse caminho, muitas parcerias têm fortalecido essas proposições, caso do Laboratório Qualidade de Sementes da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), com o qual a Rede atua conjuntamente realizando os testes de qualidade dos lotes de sementes.
Além de atuar na legalização das sementes, a Rede também tem sido propositiva contribuindo com reformulações e adaptações da legislação. Nesse sentido, tem participado de comissões sobre o tema para respaldar com dados práticos as novas proposições. Isso é de fundamental importância, já que as atividades de produção de sementes florestais são de base familiar e comunitária, o que torna prioritário unir a dimensão social e econômica das comunidades rurais nos requisitos legais.
O que diz a lei de sementes e mudas?
Desde os anos 1970, o Brasil tem uma legislação específica para tratar do controle do governo na venda de sementes. No entanto, somente em 2003 foi criado um Sistema Nacional de Sementes e Mudas (Lei nº 10.711). De forma geral, a legislação trata do controle da qualidade física, fisiológica, sanitária e da procedência das sementes.
O pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, Ingo Isernhagen, afirma que um dos grandes ganhos com a legislação é a possibilidade de o consumidor ter acesso às origens das sementes e mudas, ou seja, a rastreabilidade. Para isso, a lei torna obrigatório que a atividade de produção seja acompanhada por um responsável técnico (Engenheiro Florestal ou Agrônomo), além de uma série de documentos e processos, como o mapeamento das áreas de coleta, credenciamento de coletores e a análise laboratorial das sementes.
A professora da UFSCar, Fatima Piña-Rodrigues, avalia que a legislação trouxe uma proposta para a organização do sistema produtivo, com uma característica educativa para auxiliar no planejamento. “Um importante avanço foi o reconhecimento da figura do coletor de sementes como um prestador de serviços. Outro ganho são os testes de qualidade para serem apresentados ao comprador, o que adiciona valor às sementes”, avalia.
O conjunto de todas as demandas legais exige investimentos de recursos humanos, financeiros e tecnológicos. Uma das grandes questões colocadas pela legislação é que as sementes florestais para restauração ecológica são tratadas do mesmo modo que os cultivares agrícolas ou espécies. Isso acarreta uma grande lacuna na adequação da produção, já que os materiais genéticos e sistemas produtivos e tecnológicos são diferenciados, mas pautados pela mesma lei.
Apenas em 2011, foi publicado pelo Ministério da Agricultura a Instrução Normativa N° 56 para auxiliar na execução dos parâmetros legais relacionados às sementes de espécies florestais. Para Ingo Isernhagen é necessário permitir certa flexibilidade em alguns casos. “Não existe uma ‘receita’ que possa ser aplicada a todas as espécies, e é preciso avançar nas pesquisas sobre como, na falta de condições ideais, os coletores de sementes conseguiriam vencer essa barreira sem prejuízo ao consumidor final”, afirma.
Ainda muitas adaptações são necessárias, por isso a Comissão Técnica de Sementes e Mudas de Espécies Florestais Nativas e Exóticas tem atuado para propor soluções nesse sentido para o setor. Para a profa. Fatima Piña-Rodrigues, integrante dessa comissão, a legislação exige documentos complexos que não consideram as características ecológicas das espécies florestais. “Existe uma grande diversidade de fenologia entre as espécies florestais, e por mais que seja feito um planejamento surgem novas oportunidades de coleta de outras espécies. No entanto, é exigido que os relatórios de produção sejam atualizados com a listagem das novas espécies que venham a ser coletadas”, aponta.
Quais são os passos dados pela Rede para a formalização da produção?
A primeira ação se deu com a institucionalização da iniciativa, por meio da identidade jurídica de uma Associação com finalidade social, produtiva e comercial. A partir daí um planejamento foi adotado para inscrever a iniciativa no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), contando com a participação das organizações parceiras e dos grupos de coletores de sementes.
Entre as etapas, a Rede atuou no credenciamento de um responsável técnico e na organização documental para a inscrição da Associação no Renasem. O processo tem sido acompanhado pela Superintendência Federal de Agricultura do Mato Grosso (SFA-MT). Obter o registro não é uma etapa única, as atividades são contínuas e dinâmicas, e devem ser incorporadas em toda a gestão da iniciativa de forma contínua.
Quais são as perspectivas legais para o setor de sementes florestais?
A promoção da restauração ecológica no Brasil ainda é restringida por entraves legais, principalmente quando são envolvidas comunidades e redes sociais para fomentar novos arranjos econômicos e produtivos. “O fato é que a lei, sozinha, pouco serve. O ‘ideal’ seria um conjunto de ações que implementem a lei e deem apoio à pesquisa e extensão rural, onde a temática de adequação ambiental é tratada de forma muito marginal. Assim, ciência, técnica, extensão rural, educação, fiscalização e correta gestão de negócio poderiam ser contemplados”, considera o pesquisador Ingo.
Além disso, dependendo de como as informações e dados do Renasem serão aplicados mais adiante das exigências legais, existem possibilidades de se construir canais de troca de informação e comunicação para o fortalecimento do setor. “O Renasem pode ser utilizado como um importante instrumento político, pois pode informar quem, o que e quando são produzidas as sementes. Se essas informações forem divulgadas pelo sistema para o público serão democratizadas”, indica a professora Fátima.
Para saber mais sobre a Rede de Sementes do Xingu acesse www.sementesdoxingu.org.br