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Relator de mineração em Terra Indígena vai reapresentar parecer e diz que consulta já foi feita

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Peemedebista de Roraima volta ao cargo de relator com proposta polêmica de usar debates de temas diversos realizados, há sete anos, como consulta prévia sobre assunto. Deputado afirma que vai reapresentar parecer, contrariando proposta de presidente da comissão de aprovar projeto original
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O deputado Édio Lopes (PMDB-RR) está de volta à relatoria do Projeto de Lei 1.610/1996, que pretende regulamentar a mineração em Terras Indígenas (TIs). Depois de ter relatado a matéria na legislatura passada, sem conseguir apresentar e votar seu parecer, ele foi reeleito para a função no dia 16/6, depois que a comissão especial que analisará o tema foi ressuscitada por um grupo de ruralistas, com aval do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) (veja aqui).

A mineração em TIs é criticada por organizações indigenistas e indígenas pelos graves impactos socioambientais que provoca, como a contaminação da água e do solo. Se o tema já provoca polêmica acirrada há anos, Lopes deixa claro que não pretende esconder-se dela.

Em entrevista exclusiva ao ISA, ele informa que vai considerar um debate promovido, em 2008, pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) – colegiado integrado por governo, indígenas e indigenistas – como consulta prévia sobre o PL. A oitiva é exigida pela Convenção 169 da Convenção Internacional do Trabalho (OIT) para qualquer medida administrativa ou legislativa que afete territórios e populações indígenas. A ideia deverá provocar reações no movimento indígena, que defende que o tema da mineração seja tratado no projeto do Estatuto dos Povos Indígenas e que as consultas sejam feitas com um mínimo de preparação, com tradução para a língua das comunidades e com o tempo necessário para uma decisão informada e autônoma, como determina a convenção.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao ISA.

ISA – O deputado Índio da Costa (PSD-RJ), eleito presidente da comissão do PL 1.610, propôs aprovar o projeto original do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e que emendas e até o substitutivo do senhor fossem encaminhados à Comissão do Código de Mineração. Qual a sua posição sobre isso?

EL – Estamos vivendo um novo momento, uma nova composição de comissão, com evoluções próprias da dinâmica do país. Mesmo porque o [projeto] original, que foi apresentado há 19 anos, ele hoje deixa lacunas que precisam ser esclarecidas. Iremos apresentar um substitutivo que irá passar por um debate. Nada aqui será feito de maneira atropelada, pelo menos no que concerne à autonomia e à esfera de competência do relator.

ISA – Pretende apresentar um novo substitutivo ou o antigo?

EL – Na verdade, não há um substitutivo anterior oficialmente apresentado. O que há é um substitutivo produzido, há oito anos, duas legislaturas atrás, pelo então deputado, hoje falecido, Eduardo Valverde [PT-RO]. Não apresentei um substitutivo final à comissão. O que houve foi um esboço para uma discussão prévia, e não um relatório submetido à apreciação final da comissão. Aquele texto será o condutor do projeto substitutivo final.

ISA – O senhor obviamente vinha conversando com o setor minerário. Qual foi a posição do setor em relação ao projeto? Já conversou com o setor neste ano? Qual a posição dele?

EL – Não conversei neste ano com nenhum setor. Com o setor minerário, a bem da verdade, conversamos muito pouco na legislatura passada. O que recebemos foram manifestos, propostas do setor encaminhadas para a comissão, como sugestão. E devo dizer, até por uma questão de justiça, que o setor minerário, na legislatura passada, transpareceu-nos com muita preocupação com o relatório que estávamos produzindo, com muito descontentamento. Em primeiro lugar, não recepcionávamos, e vamos continuar com essa premissa, de não recepcionar nenhum título ou requerimento [minerário] anterior à promulgação do PL. Então, tudo o que aconteceu antes e depois da Constituição de 1988 será declarado terminantemente sem efeito legal nesse projeto.

Em segundo lugar, a nossa proposta quanto à participação das comunidades indígenas dos resultados da lavra – uma das condicionantes do parágrafo 3º do artigo 231 [da Constituição] – é “aterrorizadora”, segundo palavras de representantes do setor. Para discussão inicial, estabelecemos um parâmetro da ordem de 5% do resultado da extração bruta, e não do líquido, como, infelizmente, o Brasil ainda adota hoje. Eles acharam um absurdo. Como você pode perceber, o setor minerário é absolutamente descontente com a proposta que tínhamos apresentado.

ISA – O projeto original de Jucá foi criticado porque seria permissivo em relação aos garimpos. Como pretende tratar essa questão em seu substitutivo?

EL – O nosso projeto exclui absolutamente a possibilidade de garimpo feito por “brancos” em TIs. Nós cumprimos a Constituição, lá no artigo que trata do extrativismo mineral, e traremos um capítulo inteiro disciplinando a extração na forma de garimpagem, apenas e exclusivamente, por comunidades indígenas. Terão de ter uma empresa ou uma cooperativa formalizada, registrada, credenciada, e a exploração só poderá ser por mão de obra indígena.

ISA – Como vinha sendo a conversa com o governo? Qual a posição do governo em relação ao seu antigo substitutivo?

EL – Tivemos dois momentos de conversa com o governo. Eu participo dessa comissão desde 2007, quando aqui cheguei [na Câmara]. Tínhamos um canal de conversação muito frágil com o governo. O governo se mantinha numa posição muito arredia à discussão da matéria. Com a ascensão da Dilma, já no final do governo do Lula, quando Dilma era ministra, houve um momento em que houve uma intervenção do governo junto ao então relator, deputado Eduardo Valverde, na questão que concerne às consultas. Porque a posição do deputado era que a consulta de que trata o 3º [parágrafo do artigo] 231 – e que, a reboque, trata a [Convenção] 169 [da OIT] – essa consulta teria caráter deliberativo e, portanto, conclusivo. O governo entendeu, naquele momento, que esse entendimento, se acatado, estaríamos abrindo uma porta para [o mesmo entendimento] com a questão das hidrelétricas. Aí veio a reação do governo naquele momento.

ISA – Quando o senhor diz “conclusivo” está se referindo ao direito de veto aos empreendimentos de mineração da parte das comunidades indígenas?

EL – Exato. Ao consultar a comunidade indígena, se ela dissesse “não”, na proposta do então relator, ali teria terminado a discussão, o processo seria arquivado e não se falava mais. Então, veio o alerta do governo. Realmente, se você pegar a redação do artigo 231, o constituinte misturou a questão da exploração dos recursos hídricos com mineração. Daí o perigo de que tal proposta fosse aceita. Ainda que todas as interpretações abalizadas de renomados juristas nacionais apontem que a consulta obrigatória, segundo o artigo 231, tenha caráter informativo e de demonstrar ao Congresso: “olha, vocês querem aprovar, aprovem; mas a comunidade é contra, então já se sabe que haverá problema adiante”; e não como caráter conclusivo. Até na Convenção 169 – na qual indigenistas e setores que defendem essa ideia [baseiam-se]; apegam-se tanto à essa convenção – fica bem claro que não terão caráter vinculativo essas consultas.

No segundo momento, em que já estivemos como relator na legislatura passada, devo confessar que havia – não um apoio explícito do governo à matéria – mas certa aquiescência, vamos dizer assim. O presidente da comissão, o Padre Tom, que era do PT, nunca obstaculizou ou fez qualquer gesto de caráter protelatório nos trabalhos da comissão, como seria comum num partido que é a base do governo e estivesse numa posição contrária ao trâmite da matéria.

ISA – O movimento indígena continua defendendo que o tema da mineração em TIs deve ser tratado no projeto do Estatuto dos Povos Indígenas, conforme proposta da CNPI. Por que não avançar nessa direção?

EL – Da parte legal, volto à questão sobre o porquê de [a regulamentação] não ser dentro do Código de Mineração, da mesma forma sobre o porquê não no Estatuto dos Povos Indígenas ou dentro de qualquer outra legislação. O constituinte tratou essa questão de forma separada. Quando a Constituição diz “na forma da lei”, é uma lei específica regulamentando aquilo, e não uma lei que traga uma miscelânea de situações. É este o entendimento pacífico dos juristas.

Ontem, estive por mais de duas horas, numa audiência longa, demorada e cortês, com o novo presidente da Funai. Fui tratar da minha relatoria. Nessa conversa, foi levantada essa questão, que é presente nesse processo. Disse a ele que o Congresso amadureceu para as grandes discussões. O Estatuto dos Povos Indígenas está dentro de uma gaveta desde 1992. É mais antigo do que esse PL. Propus ao presidente criarmos um grupo de trabalho para aprovarmos, levarmos à frente e pacificarmos essa questão.

ISA – Deixando a mineração fora?

EL – Em nenhum momento a mineração será tratada aqui.

ISA – Pode adiantar o que conversou com o presidente da Funai?

EL – Levei a ele uma minuta de projeto [de mineração em TI], que havia sido esboçada ainda na legislatura passada. Não alterei uma única vírgula. Disse a ele: “presidente, tal qual o governo, no final do governo do presidente Lula, uma situação produzida pela então ministra Dilma Rousseff, continuo entendendo que a consulta às comunidades indígenas não pode ter caráter vinculante, caráter de deliberação”. O que propus ao presidente? Propus que a comunidade, ao se manifestar contrária, o processo ficaria sobrestado por um período que vamos discutir: dois anos, cinco anos, dez anos... E que só após o término disso ele voltaria a ser discutido novamente no âmbito da consulta.

ISA – O que o presidente da Funai disse sobre essa proposta?

EP – Ele ouviu, pediu, perguntou, perguntou, mas, como era de se esperar, nada confirmou.

ISA – Vocês combinaram algum encaminhamento político do PL?

EP – Não. Apenas uma coisa ficou bastante clara que, tanto nós quanto ele, temos a intenção de que tudo seja objeto de discussão e com participação dos diversos nichos do governo e principalmente da Funai. O presidente não assumiu compromisso com nenhum dos pontos que nós discutimos.

ISA – A consulta estaria no início ou no final do processo?

No início. Na nossa proposta, o DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral] recebe o requerimento e imediatamente comunica a Funai [Fundação Nacional do Índio]. São montadas três comissões específicas que trabalharão simultaneamente. Uma comissão do DNPM vai analisar o pedido do ponto de vista geológico. A segunda comissão, do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente], vai analisar do ponto de vista ambiental. Esses estudos são relatórios preliminares. Isso não é relatório de licença para projeto. Isso é um relatório preliminar, mas de orientação. E a Funai, com seus antropólogos, fará um relatório ou parecer do ponto de vista antropológico. Esses três relatórios preliminares seriam levados a conhecimento dos povos indígenas, na sua língua, como trata a Convenção 169 da OIT, para consulta.

ISA – Então, pretende incluir no parecer o que está na Convenção 169 sobre a consulta?

EL – Sim, não tenho como fugir de um tratado internacional, muito embora eu ache que o Brasil não deveria ter assinado aquele tratado. Não pela questão de mineração, mas por uma questão muito mais ampla.

ISA – O movimento indígena vem cobrando a aplicação da consulta prévia e informada também em relação à elaboração da lei. O senhor vai propor uma consulta regulada e sistemática?

EL – A CNPI realizou esse trabalho. Então, eu não poderia ter um documento formal oficial mais detalhado, mais abalizado do que aquele produzido naquele momento. Onde participaram mais de 90% das etnias nacionais. Onde o governo como um todo estava lá dentro. Do Ministério Público ao Poder Executivo.

ISA – Mas essa consulta foi sobre o Estatuto dos Povos Indígenas...?

EL – Era uma grande assembleia em dez lugares distintos do Brasil. Aí dentro tinha as oficinas. Uma das oficinas tratou exclusivamente de mineração em TI. [Questiona um assessor sobre a data] Foi em 2008. Então, se você pegar dentro dessa oficina, por exemplo, Manaus; você vai ver em Manaus essa discussão, por quase 100% das etnias do Amazonas, detalhando o que o Baniwa pensa, o que o Tukano pensa, o Yanomami, o Baré, o outro, enfim. Houve essa discussão.

ISA – Posso dizer que o senhor considera que houve consulta e essa consulta é válida?

EL – E vou propor à comissão para que essa consulta, esse documento oficial do governo brasileiro seja acatado na comissão como consulta aos povos indígenas nessa questão.

ISA – O movimento indígena cobra que seja feita uma consulta conforme o determina a Convenção 169, com o tempo devido, tradução para a língua das comunidades...

EL – Esse é o processo de quem quer ficar mais 20 anos [discutindo] com essa proposta.

ISA – Qual sua perspectiva de prazo para apresentar e votar seu parecer?

EL – Não discutimos um plano de trabalho, o que deverá acontecer na próxima semana [semana passada]. É possível. Dentro desse plano de trabalho, como relator, não abrirei mão de audiências nas principais regiões de interesse dessa questão. Talvez umas quatro audiências. Isso vamos discutir. Não poderia ser uma coisa tão pequena que não tivéssemos uma leitura do que pensam as comunidades e as lideranças e também não poderia ser uma coisa tão grande, quanto muitos querem, e que pode se perder por mais quatro anos. Mas eu, exatamente ao contrário de muito deputado novo que chegou aqui ontem e imagina que deveríamos votar isso em 60 dias, continuo advogando que essa é uma questão tão importante e tão complexa que deveremos dar tempo ao tempo dentro de um limite razoável para que possamos produzir um relatório de bom senso e equilíbrio.

ISA – Mas acha que o projeto será votado neste ano?

EL – É possível. Acho que sim. É tempo bastante para se discutir. E quando se quer discutir. Porque essa é outra questão que sempre tenho dito, principalmente em conversas reservadas com líderes indígenas: a pior postura não é ser favorável ou contrário ao projeto; a pior postura é não discutir o projeto.

ISA – Já conversou com o presidente da Câmara sobre o projeto?

EL – Não conversei especificamente sobre esse projeto nesta legislatura. Conversei muito com o deputado Eduardo Cunha quando ele era líder do PMDB e eu era o relator, na legislatura passada. A posição dele é que devemos discutir. Ele não está dizendo que vai votar a favor ou contra. O que ele demonstrou no passado, e que eu creio que ele não mudou, é que devemos votar. Eu dou ponto ao presidente Eduardo Cunha pela determinação de levar propostas que, há décadas, dormiam nas gavetas e que os outros presidentes não tinham coragem de botar para serem apreciadas.

ISA – Acha que o PL de mineração em TIs está dentro da agenda de prioridades de Cunha?

EL – Não. Não creio que esse projeto esteja numa agenda prioritária que tenha de ser votada até dia tal. Creio que ele está dentro de uma agenda ampla que, mais dias menos dias, no momento em que estiver amadurecido, o projeto deverá ser apreciado. Mesmo porque, inicialmente, ele será apreciado em caráter conclusivo na comissão.

ISA – Mas sendo apresentado um substitutivo ele volta ao Senado, certo?

Ele volta ao Senado.

ISA – Não precisa passar pelo plenário.

EL – A menos que tenha um recurso, coisa que há quem duvide que não tenha.

ISA – O senhor acha que será apresentado um recurso? Que deve ser apresentado um recurso?

EL – É possível. É uma das matérias mais complexas que existem nesta casa. Acho que será apresentado um recurso. Não digo que deve ou que não deve. Acho que terá pela própria natureza da matéria.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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