Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
A explosão do desmatamento na Amazônia foi maior em territórios com a presença de povos indígenas isolados. Dados do Instituto Socioambiental (ISA) mostram que, em 2019, a derrubada da floresta nessas terras cresceu 113%. No total de todas as Terras Indígenas (TIs), o aumento foi de 80%. Os números constam em relatório do ISA que será apresentado nesta terça-feira (3/3), na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O líder indígena Davi Kopenawa Yanomami participa da audiência em Genebra, na Suíça. Baixe aqui o relatório.
A sessão é promovida pelo ISA, Comissão Arns e Conectas Direitos Humanos (veja abaixo) e tem o objetivo de denunciar a frágil situação dos povos indígenas em isolamento no Brasil, e os crescentes riscos de etnocídio (quando a cultura tradicional é destruída) e de genocídio destas populações. O relatório detalha de maneira inédita o desmonte em curso das políticas ambientais e indigenistas do atual governo. O evento terá transmissão ao vivo pelo canal do ISA no Facebook a partir das 9h (horário de Brasília).
Os dados do desmatamento se baseiam no Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O levantamento aponta que seis Terras Indígenas que possuem dez registros de povos indígenas isolados estão entre os 13 territórios que respondem por 90% do desmatamento registrado em 2019 nas TIs localizadas na Amazônia brasileira.
O panorama para os povos indígenas isolados no Brasil, portanto, é devastador. Com a explosão do desmatamento e da destruição das florestas e o avanço de práticas ilícitas, como o garimpo, extração ilegal de madeira e grilagem de terras, a existência desses grupos está gravemente ameaçada.
Os povos indígenas isolados são populações que, para sobreviver ao contato promovido pelo homem branco, refugiam-se no interior das florestas e vivem em isolamento total ou sem contato significativo com a sociedade nacional. Doenças, violência física, espoliação de recursos naturais e outras agressões dizimaram populações inteiras no passado. Hoje, são 115 registros de grupos indígenas isolados no Brasil, 28 deles confirmados.
O relatório apresentado na ONU demonstra, ponto a ponto, como o desmonte de políticas públicas e o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e de seus ministros, estimulam as invasões de garimpeiros, madeireiros e grileiros ilegais nos territórios onde vivem esses povos.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) sofre cortes de orçamento, perseguição a servidores, deslegitimação dos dados de desmatamento e desautorização de orçamentos. No Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), a gestão de Unidades de Conservação perdeu 29% no seu orçamento e a de fiscalização ambiental e combate a incêndios, 21%.
A Fundação Nacional do Índio (Funai ), no entanto, é o órgão que apresenta a pior situação. As atividades estão praticamente paralisadas com os cortes orçamentários e a alteração de quadros e coordenações. A instituição sofre influência de alas religiosas e ruralistas, como foi o caso da nomeação de um missionário para a Coordenação Geral dos Povos Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e que pode colocar em risco a política de não contato, que nos últimos 30 anos evitou epidemias e massacres dos povos isolados.
A audiência na ONU conta com a presença e a voz de Davi Kopenawa, líder Yanomami e ganhador em 2019 do Prêmio Right Livelihood Award, o “Nobel Alternativo”. Os Yanomami enfrentam atualmente a maior invasão garimpeira desde a demarcação de sua terra, em 1992: cerca de 20 mil garimpeiros estão ilegalmente dentro do território em busca de ouro. A atividade ilícita deixa um rastro de contaminação por mercúrio nos rios e peixes, doenças e toda sorte de violência causadas pelos garimpeiros. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz realizada em 2014 na comunidade yanomami de Araça, em Roraima, constatou que 92% dos indígenas continham alto índice do metal no sangue.
A TI Yanomami possui oito registros de povos isolados, um deles confirmado. São os Moxihatëtëma, da Serra da Estrutura. A poucos quilômetros da região, foram rastreadas pistas de pouso de garimpeiros. “Estou muito preocupado. Eu não queria que eles morressem sozinhos, sem ver quem um dia matou eles. É o garimpeiro que mata”, afirmou Kopenawa em depoimento ao livro Cercos e Resistências: Povos Indígenas Isolados na Amazônia brasileira. “Se um dia eu encontrar os Moxihatëtëma, vou dizer que é melhor não encontrar o napë (não indígena), melhor eles ficarem por lá. O napë não cuida do índio”.
Abaixo, foram destacados alguns casos de ameaça iminente a povos isolados:
Localização: Terra Indígena Yanomami (RR/AM)
1 registro de povos isolados confirmado: Moxihatëtëma
6 em informação
1 em estudo
Ameaça: Invasão de 20 mil garimpeiros
Pista de pouso a poucos quilômetros de um registro de isolados
330 mil ha degradados em decorrência do garimpo
Principais rios contaminados por mercúrio
Lideranças ameaçadas de morte
Localização: Terra Indígena Araribóia, Caru, Awá (MA)
2 confirmados;
2 em estudo;
1 em informação
Ameaças: Invasão madeireira: degradação de 92% na TI Awá
Mais de mil quilômetros de ramais madeireiros detectados na TI Araribóia, onde vivem cerca de 60 Awá isolados.
Violência: Guardião da floresta na TI Araribóia Paulo Paulino Guajajara assassinado em 2019 por defender a floresta da invasão madeireira.
Localização: Parque do Araguaia (Ilha do Bananal) (TO)
1 registro em estudo
Ameaça: Grupo de isolados foi avistado pela última vez por agentes do ICMBio fugindo das queimadas que castigam a Ilha do Bananal. Outra grave ameaça à existência do grupo é a construção de estrada no território que irá cortar a floresta onde esses indígenas vivem.
Localização: Terra Indígena Vale do Javari (AM)
Terra Indígena com mais registros de isolados do país
10 registros confirmados,
3 em estudo,
3 em informação
Ameaça: Presença constante de missionários na região com intuito de evangelizar povos isolados e de recente contato
Violência: Ataque a tiros a uma base da Funai (ago/19), e o assassinato de um colaborador e ex-servidor da Funai em setembro, em Tabatinga/AM