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Os ruralistas lançaram mais uma frente de pressão para abrir as Terras Indígenas (TIs) aos grandes empreendimentos econômicos. Nesta semana, foi reinstalada a Comissão Especial da Câmara que vai analisar o Projeto de Lei (PL) 1.610/1996, sobre mineração nessas áreas. O deputado Índio da Costa (PSD-RJ) foi eleito presidente do colegiado e Édio Lopes (PMDB-RR) foi reconduzido ao cargo de relator. Lopes foi o responsável pelo substitutivo que tramitou na legislatura passada, mas que não chegou a ser votado.
A comissão é dominada pelos ruralistas. Cléber Verde (PRB-MA), Nilson Leitão (PMDB-MT) e Marcos Montes (PSD-MG) foram eleitos, nessa ordem, como vice-presidentes. Todos são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária e os dois últimos fazem parte da Comissão Especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000. Leitão é o presidente do colegiado. A PEC transfere do Executivo para o Congresso a prerrogativa de oficializar TIs, territórios quilombolas e unidades de conservação. Na prática, se aprovada, a medida paralisará de vez a regularização dessas áreas protegidas.
Representantes de povos indígenas e organizações da sociedade civil vêm alertando para os graves impactos socioambientais que a mineração pode causar nas TIs, como contaminação da água e do solo. As organizações indígenas reivindicam que o tema seja discutido no projeto do Estatuto dos Povos Indígenas, cuja tramitação arrasta-se há 25 anos. O objetivo é garantir os direitos indígenas frente a esses impactos, entre eles o de consulta prévia sobre qualquer medida que afete suas terras, conforme determinado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), referendada pelo Brasil.
Índio da Costa acredita que a mineração nas TIs concede aos índios o “direito de enriquecerem”. “Estamos ampliando, e não tirando, os direitos dos índios”, diz. Ele defende a aprovação, a mais rápida possível, do texto do projeto original do PL 1.610, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR). “O que eu conversei com o relator é a intenção de avançar e de aprovar a lei”, afirmou.
Se a proposta de Jucá for aprovada pela Câmara sem emendas, ela segue para sanção ou veto presidencial imediatamente, sem retornar ao Senado. Caso o relator não apresente alterações ou um substitutivo, sequer haverá novo prazo para emendas, pois a interpretação adotada por Costa do Regimento da Câmara é de que o desarquivamento do PL o recoloca em tramitação na etapa em que se encontrava na legislatura passada, quando já havia se esgotado o prazo para emendas.
Como o projeto tem caráter “terminativo”, se o texto original de Jucá for aprovado, ele só terá de passar pelo plenário da Câmara caso seja apresentado um recurso subscrito por pelo menos 51 deputados. Na ausência de recurso, será considerado aprovado e seguirá para sanção. Se for alterado na Câmara, precisará voltar ao Senado.
Índio da Costa defende que qualquer modificação à proposta original seja encaminhada à Comissão Especial que discute o novo Código de Mineração para eventual incorporação a essa lei mais geral, sem atrasar a aprovação da legislação específica para a mineração em TIs.
Indagado sobre se a pressa na aprovação do projeto não atropelaria a exigência de consulta prévia aos povos indígenas, Índio da Costa moderou o tom do discurso. “Claro que vou ouvir os índios. Que vai haver debate, vai. A questão é que tem 20 anos que se está debatendo [o projeto]. Só que estou querendo estabelecer um modelo em que não se fica debatendo sem conclusão”, assinalou.
Em dezembro de 2014, o próprio Romero Jucá pediu o arquivamento do PL, em um pronunciamento no Plenário (veja aqui). O projeto de Jucá já havia sido aprovado por unanimidade pelo Senado e, mesmo assim, ele enviou ofício para Lopes explicando as razões de sua decisão.
Portanto, a comissão do PL 1.610 pode ser considerada mais uma frente, entre outras simultâneas, aberta pelos ruralistas para pressionar o governo a modificar o trâmite de demarcação das TIs e abrir essas áreas aos grandes empreendimentos econômicos.
“Consideramos oportuna a retomada da discussão do projeto, mas precisamos fazer uma consulta interna sobre essa posição de se aprovar o projeto original do Senado”, informa Marcelo Tunes, Diretor de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Ele lembra que o texto do novo Código de Mineração não trata da questão indígena, atendendo posição do próprio governo. Fontes do setor da mineração, porém, relatam divergências em relação ao conteúdo do PL 1.610.
"A pressa dos deputados visa aproveitar o momento de protagonismo político vivido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fazendo-o incluir a matéria na sua agenda conservadora de curto prazo", analisa Márcio Santilli, sócio fundador do ISA. “Esse projeto está sendo ressuscitado pela enésima vez pelas empresas de garimpo que pretendem explorar predatoriamente os recursos minerais das Terras Indígenas”, conclui.
Índio da Costa entrou na política, nos anos 1990, apoiando o ex-prefeito do Rio César Maia. Em 1995, entrou para o PFL, hoje DEM. Em 2011, ajudou a fundar o PSD, de Gilberto Kassab. Já foi vereador, secretário municipal de Esportes e Administração e secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro. É deputado federal desde 2006. Foi um dos relatores da Lei da Ficha Limpa. Em 2010, saiu candidato a vice-presidente na chapa de José Serra (PSDB-SP) à Presidência.
Financiamento
A maioria dos parlamentares da comissão do PL 1.610 recebeu financiamento na última campanha eleitoral de grandes empresas ligadas ao setor minerário e de energia, além de empreiteiras e bancos. Édio Lopes, por exemplo, recebeu da Vale Manganês R$ 200 mil, e da Vale Energia R$ 150 mil. Já Cleber Verde, eleito 1º vice-presidente, embolsou R$ 100 mil da Vale Mina do Azul.
O parlamentar que mais recebeu doação desse segmento é Marcos Montes, 2º vice-presidente, que embolsou sozinho meio milhão de reais das Minerações Brasileiras Reunidas e quase R$ 300 mil da Vale Energia.
Alguns deputados da comissão também receberam doações de construtoras investigadas pela Operação Lava Jato, como é o caso de Índio da Costa, que ganhou R$ 270 mil da Construtora Queiroz Galvão, e de Édio Lopes, que embolsou R$ 500 mil da Andrade Gutierrez.
Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral, sistematizados pelo jornal O Estado de São Paulo (leia mais).
Veja a reportagem do Portal de Políticas Socioambientais.