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São Gabriel da Cachoeira se despede de líder Baniwa morto pela Covid-19

Cidade mais indígena do Brasil perdeu o professor Walter Antônio Benjamin, que estava em UTI de Manaus (AM); De 26 de abril a 4 de maio, casos de contaminação saltaram de dois para 18
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Com os encontros presenciais proibidos por causa da pandemia do novo coronavírus, as redes sociais foram o principal meio para homenagear e se despedir do professor, educador e liderança indígena Walter Antônio Benjamin Baniwa, de 44 anos, morador de São Gabriel da Cachoeira, na Região do Alto Rio Negro (AM).



Ele morreu na madrugada dessa terça-feira (05/04), de Covid-19, no Hospital Delphina Aziz, em Manaus, para onde foi transferido após ser atendido no Hospital de Guarnição (HGU) em São Gabriel e ter o quadro agravado.

Em 24 de abril, ele foi internado no HGU com problemas respiratórios e, no dia 26, saiu a comprovação de que ele havia contraído a doença. Esse foi justamente um dos dois primeiros casos da Covid-19 registrados na cidade, que já acumula 18 confirmações do novo coronavírus, conforme boletim epidemiológico de 4 de março.

Nascido no Distrito de Assunção do Içana, o professor Antônio Benjamim atuou em São Gabriel da Cachoeira como coordenador regional da Secretaria de Estado da Educação e Desporto (Seduc) do Amazonas e professor efetivo. Deu aulas na Escola Estadual de Assunção do Içana, sendo indicado pela comunidade a estudar no curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Estadual do Mato Grosso.

A Seduc-AM, por meio da Secretaria Executiva Adjunta do Interior, manifestou solidariedade a familiares e amigos. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) divulgou nota de pesar lamentando o falecimento, solidarizando-se com a família e destacando a contribuição de Antônio Benjamin para a cidade, como professor e liderança indígena. O líder indígena André Baniwa manifestou seu pesar. “Perdemos mais um Baniwa. Dessa vez um professor”! “Ele era do meu clã. Era meu tio”, disse.



Em relato emocionante, o padre Justino Sarmento, da etnia Tuyuka,lembrou a alegria de Antônio Benjamin. “No ano de 1994, em Iauareté (distrito indígena no Alto Rio Negro), iniciamos um trabalho com jovens que pretendiam aprofundar sua vocação no Centro de Formação Indígena (CFI). Antônio era um desses jovens, vindo da região de Assunção de Içana, do povo Baniwa. Destacava-se por ser um jovem muito animado, animava as músicas no Seminário, nas missas, nos encontros. Fez o Ensino Médio em Iauareté. Depois, seguiu sua trajetória na Educação com êxito.Toda vez que eu me encontrava com ele era uma alegria (...).”

O também professor Gersem Baniwa, coordenador do curso de Formação de Professores Indígenas da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) enviou texto aos amigos lembrando que Antônio fez parte de uma geração que nasceu em Assunção do Içana e viveu no calor da dura batalha por direitos indígenas, principalmente direito à educação humana, libertadora e cidadã. “Mesmo mergulhado em profunda tristeza e dor por sua partida para junto dos nossos ancestrais, Antônio continuará vivo em minhas memórias e coração pelo que ele representa”, escreveu. Os dois eram primos.

Sobrinha de Antônio Benjamim, a enfermeira Maria Michelle da Silva Luciano acompanhou seu tio até Manaus e foi a única familiar a participar do sepultamento, realizado na terça-feira (05/05) na capital. O professor era casado com Maria Rodrigues e o casal não tinha filhos. “Ele considerava todos os sobrinhos como filhos”, disse Michelle.

Escalada de casos

Os dois primeiros casos do novo coronavírus foram registrados em São Gabriel da Cachoeira em 26 de abril. Segundo boletim epidemiológico divulgado na segunda-feira, na cidade já são 26 casos confirmados, sendo três óbitos confirmados e um em análise. Os casos suspeitos chegam a 94. Esse balanço não inclui o falecimento de Antônio Benjamin e do barqueiro Jorge.

Em oito dias – de 26 de abril a 4 de maio – os casos saltaram de dois para 18 na cidade
.O cenário fica mais preocupante levando-se em conta que a cidade conta apenas com uma unidade hospitalar, o Hospital de Guarnição (HGU), do Exército, com 59 leitos e sete respiradores.

Esse hospital é utilizado pelos moradores da cidade e por indígenas que ocupam um grande território no Alto Rio Negro, onde estão cerca de 750 comunidades de 23 etnias. Em caso de necessidade de transferência para Manaus, o quadro pode se agravar, já que a capital passa por colapso do setor de saúde. A crise já chegou até mesmo aos cemitérios, com uso de retroescavadeira para abertura de covas.

Com isso, segundo o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, da etnia Baré, há uma grande preocupação com a chegada do novo coronavírus no território indígena. A orientação é para que os indígenas fiquem nas suas aldeias. Alguns grupos já se organizaram para impedir a entrada de estranhos ou até mesmo de agentes de saúde em suas áreas, temendo a proliferação do vírus.

Na cidade já há contágio comunitário, o que dificulta o controle da disseminação do vírus. Foram montadas barreiras sanitárias no aeroporto e portos para evitar a entrada da doença na cidade. Tais barreiras contam com profissionais do Dsei, Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), Guarda Municipal. Em algumas delas há a presença do Exército.

A Semsa, com o apoio do Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19 do município, chegou a adaptar a Escola Estadual Irmã Inês Penha para receber pessoas que vinham de área com circulação com o vírus e precisavam cumprir a quarentena. A medida foi tomada porque muitos descumpriram a determinação de fazer o isolamento domiciliar. Atualmente, as medidas de atendimento foram reforçadas e a Escola Inês Penha está funcionando como unidade de referência para casos de síndrome gripal.

Ana Amélia Handam
ISA
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