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Em meio à sequência de más notícias na área socioambiental, os povos indígenas obtiveram uma nova vitória no Congresso. Por volta das 23h desta quarta (21), apoiada por lideranças indígenas que passaram o dia protestando na Câmara, a oposição afinal arrancou da bancada ruralista um acordo para adiar, para a próxima terça (27), a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187/2016 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Além disso, o projeto será apreciado separado da PEC 343/2017.
Se aprovada, a PEC 187 segue para uma Comissão Especial e, se lá tiver o mesmo fim, vai ao plenário da Câmara.
As duas propostas estavam tramitando apensadas, ou seja, em conjunto, o que permitiria votar um parecer com o conteúdo de ambas, posição defendida pelos ruralistas. Segundo o acordo definido nesta quarta, no entanto, os dispositivos da PEC 343 não poderão ser inseridos no relatório sobre a PEC 187. A oposição comprometeu-se a não obstruir a votação.
Na prática, se aprovados, dispositivos da PEC 343 acabariam com grande parte dos direitos das comunidades indígenas sobre suas terras. O projeto prevê que até metade de uma determinada Terra Indígena (TI) possa ser arrendada a produtores rurais, sem participação ou consulta às populações da área, apenas com a autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai). O projeto também acaba com a necessidade do Congresso chancelar projetos de mineração ou hidrelétricas nesses mesmos territórios. Já a PEC 187/2016 apenas autoriza as populações indígenas a realizar atividades agropecuárias ou florestais - o que já é permitido pela legislação vigente.
De acordo com a Constituição, as TIs são bens da União e os índios têm sua posse permanente e o usufruto exclusivo de seus recursos naturais. No caso da exploração mineral e hidrelétrica, o texto constitucional garante a partilha dos resultados dos empreendimentos com as comunidades por meio de royalties, prevê a necessidade de regulamentação do tema por lei, consulta às comunidades envolvidas e autorização do Congresso. A Constituição exige ainda que a concessão ou alienação de qualquer área federal de mais de 2,5 mil hectares também seja precedida de consulta ao Legislativo federal(saiba mais).
O acordo só foi conseguido após um dia inteiro de negociações tumultuadas e uma guerra de manobras regimentais entre parlamentares ruralistas e defensores dos direitos indígenas. À tarde, o clima esquentou na CCJ, com bate-boca entre os deputados. A segurança da Câmara chegou a ser acionada para acalmar os ânimos.
“O [relator] deputado Alceu Moreira fará uma complementação de voto pela retirada, aliás, pela inadmissibilidade da PEC 343. Então ela não retorna. Há um acordo da frente parlamentar da agricultura, e do PSL também, e que nós fizemos também junto ao Democratas, de não retornar o texto da PEC 343 em uma eventual comissão especial, numa aprovação aqui na CCJ. Foi um acordo costurado. Acredito que ficou bom para todo mundo”, anunciou o presidente da comissão, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), no plenário da Câmara.
A primeira indígena eleita para o Congresso, deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), comemorou a decisão com o grupo de cerca de 50 indígenas que continuavam na Câmara até tarde da noite. Ela deixou claro que os ataques aos direitos indígenas no Congresso e no governo irão continuar e que o movimento indígena deve continuar mobilizado.
Ao longo do dia, os ruralistas continuaram insistindo que a PEC não coloca em risco os direitos indígenas. “Os indígenas que não quiserem produzir em suas terras não precisarão fazê-lo. O que estamos fazendo aqui na proposta dessa PEC é permitir para aqueles que quiserem dispor de suas terras para a produção que possam fazê-lo”, defendeu o relator da matéria e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Alceu Moreira (MDB-RS).
“Temos uma Constituição que há 35 anos assegura o direito à posse da terra e o usufruto exclusivo sobre seus recursos naturais aos povos indígenas. Em seus artigos 231 e 232, essa Constituição assegurou esses direitos como fundamentais e como cláusulas pétreas. Isso quer dizer que elas não podem ser modificadas por interesses individuais e politiqueiros”, defendeu Wapichana.
“Esta proposta traz de volta o conceito já ultrapassado pela Constituição da tutela, pelo qual os povos indígenas justamente não terão mais autonomia para decidir com quem vão fazer parcerias”, criticou. Ela voltou a lembrar que o Brasil ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta aos povos indígenas de todas as medidas administrativas e legislativas que os afetem. “Essa medida não poderia nem mesmo estar sendo pautada sem que os povos indígenas pudessem ter o direito de se manifestar”, assinalou.