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Reportagem e edição: Oswaldo Braga de Souza
Reportagem atualizada em 6/8, às 12h
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou integralmente a liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do início de julho, que obrigou o governo Bolsonaro a tomar medidas emergenciais para combater a pandemia entre os povos indígenas (saiba mais no quadro ao final da reportagem). Todos os ministros votaram a favor e nem mesmo a Advocacia-Geral da União (AGU), que representa a administração federal, contestou a decisão. A Procuradoria-Geral da República (PGR) fez o mesmo.
O julgamento começou na segunda (3) mas foi suspenso e sua conclusão foi transferida para hoje (5). Os ministros ainda deverão analisar o mérito da ação, mas não há data marcada para isso acontecer. O novo julgamento abre espaço para que mais medidas sejam tomadas pelo tribunal, caso o governo não aja.
“Não é exagero alertar esta corte de que temos, sim, um risco de genocídio. Temos povos isolados que, se forem contaminados, um grupo inteiro pode ser exterminado”, denunciou Luiz Eloy Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), responsável pela ação original.
A advogada do ISA Juliana de Paula Batista falou na sessão na qualidade de amicus curiae (“amiga da causa”) e reforçou a associação entre invasões às Terras Indígenas (TIs) e a disseminação do novo coronavírus. “Invasores não fazem home office e levam a Covid-19 para dentro das terras, violando o direito dos indígenas ao isolamento e ao refúgio durante a pandemia”, disse. Ela lembrou que os garimpeiros e ladrões de madeira estão a poucos quilômetros das comunidades nas TIs Yanomami (RR) e Trincheira-Bacajá (PA), por exemplo.
No voto referendado hoje, Barroso determinou o isolamento e a contenção dos invasores que estão nas TIs Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau (RO); Kayapó, Munduruku e Trincheira Bacajá (PA); Araribóia (MA); e Yanomami (AM/RR). Apenas o ministro Edson Fachin votou para ampliar a decisão anterior no sentido de determinar retirada imediata dos invasores dessas áreas, conforme o pedido original da Apib.
Apesar desse resultado, Barroso repetiu que é dever da União retirar esses invasores e que, se o governo não apresentar um planejamento para essas ações em tempo adequado, ele poderá “voltar ao tema”, ou seja, pode vir a exigir essas ações.
“A situação [é] calamitosa nessas sete Terras Indígenas que sofrem mais acentuadamente no ano corrente invasões de terras e desmatamento, fatos que agravam os riscos de contágio e elevam sobremaneira a mortandade dos índios”, avaliou Fachin. Ele reforçou que é possível viabilizar operações de retirada de grileiros, garimpeiros e exploradores ilegais de madeira com a adoção de protocolos de saúde adequados. Também pediu que fosse estabelecido um prazo de 60 dias, após homologação por Barroso do planejamento das operações, para que o governo as efetive.
O ministro Ricardo Lewandowiski já havia proposto um prazo de 60 dias para que o governo enviasse informações sobre as sete TIs e outros 120 dias para que apresentasse um plano com cronograma das operações. Afinal, nenhum limite de tempo foi fixado na decisão final da corte.
Para não atender o pedido da retirada imediata de invasores, Barroso justificou que a organização de grandes operações de fiscalização leva tempo, demanda a articulação de diferentes instâncias dos governos federal e estaduais e que a falta de planejamento pode ter o efeito contrário, agravando a disseminação da pandemia nos territórios indígenas. Nesta quarta, o ministro chegou a dizer que essas ações podem ser efetivadas após a pandemia.
Ao contrário, as organizações indígenas entendem que o combate às invasões é urgente e, como argumentou Fachin, ele pode ser viabilizado com os cuidados de saúde adequados.
O governo Bolsonaro reduziu o número de operações de fiscalização nas TIs, exonerou e agora ameaça com processos administrativos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que realizaram ações nessas áreas nos últimos meses.
Conforme levantamento independente do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena da Apib, mais de 630 indígenas morreram e 23 mil já foram infectados pelo novo coronavírus. Enquanto a taxa de mortalidade nacional é de 44 por 100 mil habitantes, entre essas comunidades ela alcança 70 por 100 mil ou um número 60% maior (considerando a população indígena de quase 900 mil pessoas do Censo 2010 do IBGE).
Embora a epidemia esteja aparentemente estabilizada ou até decrescendo em alguns estados, deu um salto entre os povos originários. O número de mortes e casos entre eles aumentou 54% e 115%, respectivamente, entre junho e julho, ainda segundo a Apib. O número de povos atingidos pelo vírus cresceu de 118 para 143, no mesmo período.
Nesta quinta, dos onze ministros do STF nove ratificaram integralmente a liminar deferida por Luís Roberto Barroso, em 8/7. Os ministros Cármem Lúcia e Celso de Mellho não participaram do julgamento. A ação original foi uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709/2020 movida pela Apib. Esse tipo de ação busca evitar ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público. O ministro reconheceu a entidade, que congrega as organizações indígenas regionais e locais nacionalmente, como parte integrante e legítima do processo. É a primeira vez que isso acontece.
Veja quais são as medidas determinadas na liminar confirmada agora
- Instalação de grupo de trabalho, com participação de representantes do governo e dos indígenas, para acompanhar o andamento das ações gerais de combate à pandemia
- Instalação de sala de situação para a gestão de ações para os povos indígenas em isolamento e de recente contato
- No prazo de 10 dias contados a partir da notificação da decisão, o governo deve criar barreiras sanitárias em terras de povos isolados
- Em 30 dias a partir da notificação da decisão, o governo deve elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19
- Estabelecer, no âmbito do Plano de Enfrentamento, medidas de contenção e isolamento de invasores em relação a terras indígenas
- Garantir que indígenas em aldeias tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde, independente da fase de demarcação da TI
- Indígenas não aldeados (urbanos) também devem acessar o subsistema de Saúde Indígena caso não haja oferta no SUS