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Txai Suruí: juventude indígena contra a emergência climática!

#ElasQueLutam! Filha de Almir Suruí e Ivaneide Bandeira, a jovem de 24 anos despontou na COP26 como a principal voz na defesa da floresta e na luta contra a crise climática
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Por Victória Martins

Walelasoetxeige, mais conhecida como Txai Suruí, tinha somente seis anos quando seu avô a colocou sentada em um tronco, de frente ao povo Paiter-Suruí, e disse que ela ainda seria uma grande líder indígena. Foi a primeira vez que alguém se referiu a ela dessa forma, mas certamente não seria a última.



“Antes de eu vir para cá [à Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas], meus tios prepararam um cocar de guerra para mim, um cocar de luta. E meu tio falou: ‘tem que ser esse, porque é cocar de labiway, cocar de líder’”, ela lembra. “Isto mexeu muito comigo, porque não é o líder que se diz, é o povo que diz que ele é o líder. Você só vai ser legítimo se seu povo, se sua comunidade, disserem que você é líder”.

Dezoito anos depois, ela desponta hoje, tanto dentro das aldeias quanto internacionalmente, como uma das principais lideranças jovens do país e uma das vozes mais relevantes na defesa da floresta e na luta contra a crise climática.

Única brasileira a discursar na abertura da 26ª Cúpula do Clima (COP26), em Glasgow, Escócia, ela ressaltou, a centenas de chefes de Estado, que a única chance de frear e reverter a crise climática passa por ouvir os povos indígenas e seus saberes milenares sobre a natureza.

“A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo,” alertou. “Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo. Deixe-nos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis, acabar com a poluição das palavras vazias e lutar por um futuro e presente habitáveis”, continuou Txái.

A liderança é um caminho natural para Txai, que herdou dos pais - o cacique Almir Suruí e a indigenista e ativista Ivaneide Bandeira, a Neidinha Suruí - a responsabilidade por defender a Amazônia e os direitos dos povos da floresta. Inspirada por eles, desde pequena ela frequenta encontros e protestos e acompanha suas incursões pela floresta para monitorar invasões aos territórios tradicionais. “Quando a gente nasce indígena, não tem como a gente fugir muito da luta, e com dois pais ativistas não tinha como ser muito diferente,” conta. “Não tinha outro caminho [para mim]. É o que eu amo fazer e aquilo com que me identifico na vida”.

O olhar indígena como solução para a crise climática

Txai cresceu entre dois territórios: o seu próprio, a Terra Indígena 7 de Setembro (RO e MT) e a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, onde seus pais atuavam, através da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Mais velha, em 2018, ela entrou oficialmente para a organização, onde começou a contribuir com a defesa dos Uru-Eu, povo que considera uma família, e de outras dezenas de etnias com as quais a entidade atua.



A virada que a fez se tornar também uma ativista climática é recente e se iniciou na COP25, que ocorreu em Madri, em 2019. Por seu papel de jovem liderança, Txai foi convidada pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para participar do evento, mas, até então, tinha pouca clareza sobre o que significava a emergência climática e qual era a importância dos povos originários neste debate. Até que foi chamada para contar a outros jovens presentes na Conferência sobre as pressões vividas por seu povo e território.

“Eu falei das invasões [ao nosso território], das ameaças às nossas vidas, do desmatamento, das queimadas. E apesar de não ter usado uma única vez as palavras ‘mudanças climáticas’, eu consegui ver no olhar e no rosto das pessoas que aquilo que eu estava falando tinha tudo a ver com as coisas pelas quais elas estavam lutando,” conta.

“Parece muito óbvio falar de mudanças climáticas, falar de floresta, e pensar nos povos indígenas, mas antes isso não era uma realidade”, explica. Apesar de acreditar que houve alguns avanços na Conferência deste ano, Txai diz que o lugar comum em uma COP e outros espaços semelhantes são “homens, brancos e engravatados” e que faltam jovens, especialmente os indígenas e de comunidades tradicionais, expressando suas realidades e pontos de vista.

“O meu trabalho também é levar um pouco da voz e da visão indígena para esses lugares. [Afinal], quem tem soluções sustentáveis melhores do que os povos tradicionais, que fazem isso há milênios?”, questiona. “É uma grande responsabilidade, mas eu me sinto muito orgulhosa por estar aqui, representando quem ficou lutando lá no território”. Além de participar de conferências climáticas, Txai é conselheira global da Aliança “Amplificando Vozes pela Ação Climática Justa”, uma união que pretende engajar grupos da sociedade civil local para que assumam papel central na elaboração e defesa de soluções climáticas.

Cada aprendizado que ela adquire como ativista, faz questão de compartilhar com as comunidades. Sua intenção é tornar o debate climático acessível para todos e todas. “A gente fala de mudanças climáticas há muito tempo, mas a gente não sabe disso, a gente não entende de NDC, do Acordo de Paris. Mas a gente deveria estar nessas discussões. Então, quando a gente leva para dentro do território, só estamos nos apoderando dos nomes que a gente não conhece,” afirma.



Para Txai, não há dúvidas: a saída para a crise climática está na sabedoria dos povos indígenas. São eles que sabem como viver em harmonia com a natureza, que reforçam o princípio de quem nem tudo pode ser vendido e que já estão colocando em prática as soluções sustentáveis que o mundo todo busca para impedir que essa emergência continue.

Um dos exemplos está no próprio povo Paiter-Suruí, que trabalha com café, mas faz isso de forma sustentável, reflorestando as áreas degradadas e gerando renda para as comunidades. “É economicamente sustentável, é ambientalmente correto e é socialmente justo,” comenta. “Não dá para simplesmente proteger o meio ambiente e esquecer das pessoas, assim como não dá para olhar só para o lucro e esquecer o meio ambiente. E isso tudo está dentro da visão dos povos indígenas”.

“Meu pai me ensinou muito bem a ouvir o que a floresta está falando. A mãe Terra já está falando e a gente não está conseguindo ouvir,” diz. “Mas os povos indígenas têm esse poder de escutar. Mesmo que eles [as autoridades] não queiram, vamos nos fazer ouvir”.

Juventude: presente e futuro

Depois de voltar da sua primeira COP e entender que sua luta também era uma luta pelo equilíbrio climático, Txai se juntou ao Engajamundo, uma organização feita por e para jovens, para empoderá-los a compreenderem, participarem e incidirem nos processos políticos locais, nacionais e internacionais.

Recentemente, uniu-se a outros jovens do Engajamundo e da Fridays For Future Brasil para processar o governo Bolsonaro por pedalada climática. Trata-se de uma manobra contábil na NDC, a meta brasileira no Acordo de Paris, que permite ao país reduzir sua ambição climática.

Em 2015, o Brasil se propôs a reduzir 43% da emissão anual de gases do efeito estufa até 2030, com base naquilo que se emitia em 2005. Mas uma revisão na quantidade de gases que foram emitidos em 2005 (que subiu de 2.1 bilhões de toneladas de CO2 para 2.8 bilhões de toneladas de CO2) permite que o Brasil aumente em 400 milhões de toneladas as emissões previstas para 2030, mesmo mantendo o compromisso de reduzir em 43% as emissões.

“O Brasil consegue, assim, a proeza de ter uma meta menos ambiciosa do que a anterior. Isso é uma flagrante violação do Acordo de Paris, que só admite aumento no nível de ambição das NDCs, nunca uma redução,” Txai explica ao WWF Brasil. “É claro que a gente não poderia permitir que isso acontecesse, porque o Brasil estava querendo dar um jeitinho brasileiro de poluir mais. Se for para mudar a NDC, que seja por uma melhor para o meio ambiente, até porque, se não for assim, logo a gente não vai ter planeta”, adiciona. O processo ainda está correndo na justiça.

Jovem aguerrida, Txai também criou e é hoje coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, que está unindo as jovens lideranças do estado para discutir política, crise climática e defesa dos territórios e empoderá-los a atuar nessas áreas. “Hoje, o jovem está na luta, vários jovens indígenas já são líderes de suas organizações, de suas aldeias. Então, eu pensei: por que nós não estamos organizados? Por que não estamos nos articulando para estarmos cada vez mais fortalecidos?”, diz.

O Movimento surgiu em 2020, em plena pandemia de Covid-19, e suas primeiras ações foram voltadas para levar às aldeias informações sobre como se proteger do vírus e distribuir cestas básicas para a juventude indígena. “A gente começou tudo pela internet, então não conseguimos ainda falar com todos que temos que falar, porque tem muita aldeia que ainda não tem internet ou que é muito longe”, comenta.

Cada aldeia tem seu representante, um homem e uma mulher. Os jovens do Movimento procuram ampliar a luta para além da defesa da floresta. “A gente nunca vai acabar realmente com a exploração da floresta enquanto a gente não acabar com a exploração do capital, do lucro, enquanto a gente não acabar com o machismo, com todos os tipos de preconceito,” explica Txai. Os jovens também participam de mobilizações pelos direitos indígenas, como o Levante Pela Terra, que aconteceu em Brasília em junho.

“É um levante, de uma juventude realmente empoderada, não só com a questão política, mas com tudo o que está acontecendo no mundo”, finaliza. “Quem são os próximos líderes de amanhã se não os jovens? Quem representa melhor a esperança que não os jovens? A juventude entendeu que a gente não é só o futuro; mas que, se a gente não lutar agora, a gente não vai nem ter futuro”.

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