Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Leia o artigo de opinião de Márcio Santilli sobre o acordo firmado na Conferência de Clima de Paris, no último fim de semana. O texto foi publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, em 17/12/2015
O Acordo de Paris, a que os países chegaram, no âmbito da ONU, neste fim de semana, com o objetivo de enfrentar a ameaça da mudança climática, supre um vazio político, jurídico e simbólico por demais angustiante, que deixou o mundo sem horizontes desde, pelo menos, 2009, quando fracassou a Conferência de Copenhague. Na verdade, supre apenas uma parte do vazio, o que, espero, seja suficiente para resgatar a esperança de que poderemos conter o aquecimento global em patamares suportáveis e criar as condições para a sua futura reversão.
É muito importante que exista uma regra internacional, ainda que frouxa, mas capaz de sinalizar, de forma inequívoca, o rumo de que depende o mundo para se safar de tamanha ameaça. Sem dúvida, o Acordo de Paris representa o reconhecimento mais forte e unânime da existência do problema e das suas causas antrópicas, inadmitindo-se que posturas céticas continuem atravancando as negociações internacionais e a adoção de providências fortes.
A temperatura média na superfície da Terra já aumentou 1 ºC desde os tempos pré-industriais e já se experimenta o aumento do nível dos oceanos, das secas e tempestades extremas, dos conflitos pela água e por outros recursos naturais essenciais, do número de refugiados climáticos e dos prejuízos econômicos decorrentes do clima. O objetivo assumido pelo acordo, de tentar conter esse aumento em 1,5 ºC grau e de, em nenhuma hipótese, permitir que ele ultrapasse 2 ºC, já pressupõe situações piores do que as atuais por um longo período, até que se reverta a tendência de aquecimento.
O Acordo de Paris será subscrito, praticamente, por todos os países, o que é um diferencial importante em relação ao Protocolo de Quioto, acordo anterior, legalmente vinculante – ou seja, obrigatório, com força de lei – mas que não contou com a participação de grandes emissores, como os Estados Unidos, e só considerou obrigatória a redução de emissões de gases de efeito estufa por parte dos países ricos, que iniciaram a revolução industrial. Agora, todos endossam o rumo geral do acordo, embora os compromissos (INDCs) de cada país sejam voluntários, assimétricos e nem sempre indiquem reduções de emissões no curto prazo.
Temos um acordo! O que é indispensável para fazer confluir para o mesmo rumo os esforços de todos os povos e para alimentar a esperança na superação da crise climática. E justifica o qualificativo de “histórico” com que vem sendo tratado pelos atores envolvidos e pela mídia. Porém, ele é também um acordo insuficiente, pois a somatória das metas efetivamente assumidas nas INDCs, com referência ao ano de 2030, sequer garante a contenção do aumento da temperatura da Terra em 3 ºC, o que está muito longe da meta geral cravada em Paris.
Assim, o mecanismo instituído no acordo para que os países revejam as suas metas a cada cinco anos tornou-se essencial para a credibilidade do próprio acordo. Só o aumento muito expressivo das metas nacionais ora assumidas possibilitará que o acordo se aproxime do seu objetivo no tempo real da mudança do clima. Por isso se diz que o princípio revisionista deve ser juridicamente vinculante mesmo sendo as metas, especificamente, voluntárias.
Porém, o agravamento da saúde do clima e as suas consequências têm sido insuficientes para definir prioridades em relação a outras emergências econômicas, guerras, migrações e ameaças terroristas. Não se pode supor que acontecerão, por geração espontânea, os saltos requeridos nos compromissos nacionais para adequá-los aos objetivos gerais do acordo. Será também imprescindível que a dimensão climática – a urgência na redução das emissões – seja incorporada à economia global (por meio da precificação do carbono) para empurrar economias e vontades políticas nacionais no rumo mais generoso apontado em Paris. Blefe assumido.