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O Parque Indígena do Xingu (PIX) com seus 26,4 mil Km2 de extensão, área pouco menor do que a da Bélgica (30,5 mil Km2), é o território onde vivem povos indígenas de 16 etnias, que falam 14 línguas diferentes, distribuídos em mais de 80 aldeias. Pensar no Xingu como algo homogêneo é um erro. O PIX é multiétnico e enfrenta os desafios naturais para a construção de acordos de gestão do território, que, de resto, também são enfrentados até hoje em outras regiões do mundo mais homogêneas e consolidadas.
Nesse mundo, chamado Xingu, mas definido como território indígena, jovens que foram identificados com potencial de liderança iniciaram há três anos uma formação em gestão territorial a pedido das lideranças mais antigas, que viam a necessidade de capacitação para a construção de um grande plano de gestão para o PIX.
Nessa formação os jovens aperfeiçoaram o conhecimento sobre o funcionamento do mundo não indígena e também do mundo indígena. “Os gestores participaram de uma formação complementar para melhorar sua atuação no dialogo intercultural e tradução junto a seus povos. Foram indicados por suas comunidades por já desenvolverem atividades voltadas a gestão política e pesquisa, seja na área de saúde, educação, patrimônio cultural ou manejo de suas áreas.
Dentre os 35 gestores estão presidentes de associações, caciques jovens, pessoas que atuam na área de saúde e educação, formadores de opinião e que têm o reconhecimento de suas lideranças tradicionais”, explica Cristina Velásquez, do ISA (Instituto Socioambiental), coordenadora do Curso de Gestão Territorial e Serviços Socioambientais oferecido entre 2012 e 2014.
Simultaneamente ao processo formativo desses jovens, foram conduzidos os trabalhos de elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Xingu com participação das principais lideranças de todas as etnias do PIX. A iniciativa teve início na mesma época em que se discutia a aprovação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). Aprovada pelo governo federal em 2012, a PNGATI estimula os territórios indígenas a elaborar planos de gestão para garantir sua proteção e sustentabilidade de longo prazo. “O Parque Indígena do Xingu é um território multiétnico, são 16 povos. Então é um desafio construir um plano de gestão, que normalmente é feito para só um povo”, diz Cristina.
O que são os planos de gestão
Os planos de gestão podem ser comparados aos planos de manejo das Unidades de Conservação e aos planos diretores municipais. São instrumentos de ordenamento e planejamento territorial, definindo ações prioritárias, orientando a atuação de órgãos públicos e da sociedade civil e criando acordos internos para a boa convivência entre os povos.
“A PNGATI e sua principal ferramenta, o plano de gestão de Terras Indígenas, vem num momento em que as formas antigas de organização social dos povos indígenas não são mais suficientes para garantir o bom viver”, explica Ivã Bocchini, indigenista do ISA. “Ao mesmo tempo, os conhecimentos ditos ‘científicos’ do ocidente (bem como as suas prioridades políticas) não se mostram capazes de proteger e gerir adequadamente esses territórios”, acrescenta. E é no diálogo intercultural, na relação entre os diferentes saberes, que se encontra a originalidade dos planos de gestão de Terras Indígenas, como o Plano de Gestão do Xingu, elaborado com a participação das lideranças de 16 diferentes povos em parceria com o ISA, a Associação Terra Indígena do Xingu, a Funai e o Instituto de Pesquisa Etnoambiental do Xingu(Ipeax).
Além do plano geral, serão elaborados planos específicos para os diferentes povos e regiões e os gestores territoriais formados vão apoiar a elaboração dos planos étnicos de cada um deles, aprimorando as suas regras de uso e ocupação e a forma de gerir o território em que cada etnia habita.
Outra preocupação é viabilizar economicamente o Plano de Gestão, para que ele possa ser implementado nas comunidades. Assim, outro tema tratado durante o encontro foi o detalhamento do projeto Fundo Amazônia/BNDES, que prevê, entre outras coisas, viabilizar ações do Plano por meio do Apoio a Iniciativas Comunitárias (AIC). Trata-se de uma reserva de recursos voltada para pequenos projetos em três linhas: segurança alimentar, cultura e alternativas econômicas. As comunidades e associações poderão acessar diretamente o AIC definindo suas prioridades no processo de implementação do Plano de Gestão.
Pesquisas
Durante o encontro em Canarana foram apresentados os trabalhos realizados pelos gestores durante a formação de três anos. Vinte e cinco alunos realizaram pesquisas envolvendo a cultura do seu povo em quatro linhas: manejo de recursos naturais, uso e ocupação do solo, origem dos territórios (aspectos da cosmovisão de cada povo) e também organização sociopolítica e cultura.
O gestor, professor e presidente da Associação étnica Yarikaiu, Karin Juruna, pesquisou os aspectos da organização sociopolítica do povo Yudja, fazendo uma comparação entre o antes e o depois do contato com o homem branco. Karin conta o que descobriu: “O cacique, naquele momento, assumia quem tinha mais conhecimento, mais poder, ou o filho do último cacique. Hoje é um pouco diferente, assume quem domina a língua portuguesa. Ele é o escolhido. Pra mim é até bom, porque eles conhecem o mundo de fora e conhecem o mundo de dentro, do povo”. A pesquisa de Karin mostra que agora as aldeias têm escolas, associações, organizações que não existiam antes, o que facilitou o conhecimento do mundo externo.
O indígena Yahu Mehinako pesquisou o mito do pequi entre os xinguanos, que originou uma tradicional festa do seu povo. “A gente está perdendo muitas culturas. Escolhi o pequi porque ela é uma festa ampla, grande, que a gente está perdendo os cantos, a história. Toda vez que tem o pequi a gente comemora, em novembro. E a minha preocupação é que a gente não tinha alguém que tem vontade de aprender os cantos, pensei em colocar no papel pra ver se alguém se interessa em aprender para que a gente continue praticando”.
Visão do financiador
Gabriele Ataíde e Maíra Abreu do Fundo Vale, que financiou a realização do curso dos gestores entre 2012 e 2014 participaram do encontro. Gabriele falou das dificuldades de se construir uma política em Terras Indígenas, de fazer um plano de diretriz ou um plano de metas devido às diferenças em cada uma delas. “Em relação ao Xingu fiquei bem satisfeita, porque apesar de cada um ter sua linha de pensamento, no final eles sabem defender bem o que querem, são politizados e tem poder de oratória muito bom. Não são passivos”. Para Maíra esse trabalho vai ao encontro da missão do Fundo que é o desenvolvimento territorial e a proteção do bioma amazônico. “Então, está intimamente ligado com a missão do Fundo Vale e a ideia é capacitar os gestores para que deem conta de sustentar os planos de gestão. Aqui a gente vê o quanto eles estão empoderados, apesar da complexidade de serem 16 povos”.