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O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, voltou a pressionar pela aprovação da proposta ruralista de alteração do licenciamento, que traz os maiores retrocessos para a legislação ambiental dos últimos anos.
O projeto deveria ser votado na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na manhã de hoje (3/5), mas foi retirado de pauta, na última hora, por causa da pressão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Ministério Público e de ambientalistas. A previsão é de que a matéria volte à pauta do colegiado na semana que vem.
Segundo uma fonte do governo, o relator do projeto na CFT, o deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS), apresentou a nova proposta, com medidas que enfraquecem ainda mais o licenciamento, na semana passada, e pretendia fazer votá-la na comissão hoje numa articulação com Padilha. O texto foi elaborado a portas fechadas com a Casa Civil e o lobby da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Trata-se de uma nova traição ao ministro de Meio Ambiente, Sarney Filho, que conduz, há vários meses, uma negociação para chegar a um texto de consenso. A previsão era de que o governo enviasse essa proposta nos próximos dias à Câmara.
Neste ano, representantes da CNI e CNA apresentaram um novo texto ao MMA depois de as negociações já estarem praticamente fechadas, o que irritou Sarney. No fim do ano passado, Padilha e os ruralistas já tinham tentado aprovar uma das versões do projeto na mesma CFT, quebrando acordo com o MMA (saiba mais).
Uma reunião entre Sarney Filho, Eliseu Padilha, Mauro Pereira e a presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Suely Araújo, vai acontecer na tarde de hoje para tentar aparar as arestas entre as partes.
“O novo texto atinge o coração do licenciamento ambiental, tornando-o exceção, quando deveria ser a regra. É uma colcha de retalhos para atender os interesses de setores empresariais específicos, em detrimento do meio ambiente”, critica o advogado do ISA Maurício Guetta. “A aprovação dessa proposta teria efeitos desastrosos para toda a sociedade, desde o aumento dos riscos de novos desastres e danos ambientais até a insegurança jurídica”, completa.
Mauro Pereira afirma que a nova versão do projeto melhorou e continua sendo rigoroso do ponto de vista ambiental. “Eu sei que não há como agradar a todo mundo, mas acredito que a proposta atenda a 90% de todos os interesses colocados na mesa”, afirmou ao Observatório do Clima.
Entre vários outros pontos, o novo texto ruralista prevê a dispensa total do licenciamento para uma série de atividades, como a agricultura, a pecuária, a silvicultura, obras de abastecimento de água, a dragagem de portos, reforma de rodovias e aeroportos. A proposta permite, por exemplo, pavimentar sem licenciamento a polêmica rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), que corta uma das áreas mais preservadas da Amazônia e tem o potencial de fazer o desmatamento explodir na região.
A proposta de Pereira permite ainda ampliar a lista de atividades e empreendimentos econômicos que serão dispensados de licenciamento. Basta que a atividade não esteja na lista que os conselhos nacional ou estaduais de Meio Ambiente deverão elaborar sobre o assunto. Se aprovado, o projeto irá dispensar de licenciamento atividades que podem poluir e degradar, com possíveis impactos sobre a disponibilidade e a qualidade das fontes de água, por exemplo.
A nova redação do parlamentar também pode provocar uma verdadeira guerra entre os Estados para enfraquecer ainda mais a legislação com o objetivo de atrair investimentos e empresas. O problema é que, em geral, isso significa normas menos vantajosas para populações afetadas e o meio ambiente. Isso permitiria que um mesmo projeto fosse licenciado de uma forma em um Estado e de outra em outro Estado. A consequência seria aumento da insegurança jurídica e do número de ações judiciais.
O texto ruralista também restringe drasticamente, a ponto de quase eliminar, a participação no licenciamento de populações afetadas pelos empreendimentos que devem ser licenciados e de órgãos de defesa do patrimônio cultural e histórico, dos direitos de comunidades indígenas e tradicionais, como a Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo o projeto, essas populações só poderiam opinar em audiências públicas cuja realização ainda assim dependeria da vontade do governo.