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Antes da chegada dos colonizadores europeus, não havia povos em isolamento na Amazônia. Segundo o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em evento recente no Rio de Janeiro, a América era então um tecido contínuo de interações e não havia zona despovoada que pudesse servir de oceano para as ilhas humanas que hoje são os povos indígenas isolados. Com a invasão, genocídio e depopulação, porém, essas redes sociais tornaram-se rarefeitas. Em meio ao oceano branco, arquipélagos indígenas surgiram.
Atualmente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece 114 registros (informação de dezembro de 2017) de grupos indígenas que optaram por isolar-se dos não indígenas e até mesmo de outros índios. Os motivos para esse comportamento variam caso a caso, mas grande parte está relacionada a massacres, epidemias e violência decorrentes do contato com não indígenas. Agora, essas comunidades e a floresta que as protegem estão sob grave risco.
Um levantamento do ISA aponta as ameaças à vida desses povos e a seus territórios. Obras de infraestrutura previstas para os próximos anos incidem diretamente sobre áreas onde há registros da presença dessas populações. São 123 empreendimentos, entre hidrelétricas, termelétricas, ferrovias, hidrovias e rodovias, que impactarão áreas protegidas onde vivem 58 povos isolados diferentes.
Dos 114 registros da Funai, 28 são confirmados por expedições do órgão. Além disso, 26 registros estão classificados como “em estudo” - documentos e relatórios apontam a sua existência neste local, mas não foi feita uma expedição de confirmação. Por fim, há 60 registros classificados como “informação”, sem estudos mais profundos que os qualifiquem.
Para os 28 registros confirmados, são 29 obras de infraestrutura que podem impactar esses territórios: 14 usinas hidrelétricas, seis pequenas centrais termelétricas (PCHs), cinco termelétricas, uma linha de transmissão e três obras do Plano Nacional de Logística (PNL) - a Estrada de Ferro Carajás, a BR-364 (RO-MT) e a BR-174 (MT). Em todos esses casos, segundo a legislação, essas obras necessitam de um cuidadoso estudo de impacto ambiental e de consulta prévia aos povos indígenas e populações tradicionais possivelmente impactados.
Para os 26 registros “em estudo”, existem 61 obras de infraestrutura que ameaçam seus territórios: são 28 hidrelétricas, 13 PCHs, 14 termelétricas, duas linhas de transmissão, um gasoduto e três obras do PNL. Já para os 67 registros de “informação”, existem 18 obras de infraestrutura que ameaçam seus territórios (seis UHEs, sete PCHs e cinco obras do PNL).
No último tipo de registro, trata-se de referências a isolados em estágio inicial de análise, não detalhados nem confirmados por expedições. Muitas vezes, o que impede que esses registros de “informação” sejam classificados como confirmados é a falta de recursos da Funai, que não consegue realizar todas as expedições necessárias. Isso pode aumentar ainda mais a vulnerabilidade desses povos, sobretudo quando os registros se encontram em áreas sem nenhuma proteção, ou seja, fora de Unidades de Conservação (UCs) ou de Terras Indígenas (TIs). Com a iminência do início das obras, é cada vez mais urgente a confirmação da presença dessas comunidades para que ela possa ser considerada no licenciamento dos empreendimentos.
Para chegar a esses números, o estudo do ISA cruzou as áreas de impacto, estabelecidas pelos órgãos governamentais responsáveis pelas obras (conforme tabela abaixo ), com os limites das TIs e UCs. Para os registros de isolados fora de áreas protegidas, foi adotada a delimitação do território com base nas microbacias hidrográficas de cada região.
“Esses povos estão sob perigo, porque a floresta, que garante seu modo de vida, está desaparecendo. E pode desaparecer ainda mais rapidamente com a construção desse pacote de empreendimentos”, afirma Antonio Oviedo, um dos autores do estudo.
O território campeão de ameaças é o Parque Indígena Aripuanã (MT/RO). Ali, áreas com ao menos duas referências a isolados estão sobrepostas a oito obras de infraestrutura: sete PCHs e uma hidrelétrica. A TI também sofre com a invasão de madeireiros e a exploração de diamantes.
O levantamento indica que 35 usinas hidrelétricas previstas para a Amazônia terão impacto direto em 16 TIs e 12 UCs, com um total de 39 registros de povos em isolamento voluntário. Uma preocupação é que três registros encontram-se em territórios 100% sobrepostos a fazendas ou assentamentos, sem nenhuma proteção legal, onde, portanto, as comunidades estão mais vulneráveis.
Em Rondônia, próximo a divisa com o Amazonas, a construção da usina de Tabajara, ainda em fase de licenciamento, o Parque Nacional dos Campos Amazônicos e a TI Tenharim do Igarapé Preto. Três povos isolados estariam diretamente ameaçados. São grupos que correm risco imediato por causa da formação do reservatório da usina. A chegada de trabalhadores também pode aumentar a incidência de doenças para as quais essas populações não tem nenhuma imunidade. Índios Tenharim têm denunciado o problema. Contrários ao empreendimento, eles exigem a consulta prévia, livre e informada para a obra, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Outras nove obras previstas no PNL afetam TIs, quatro impactam UCs e três, terras sem proteção legal. No total, há 21 registros de isolados nas 16 áreas.
Na TI Tanaru (RO), por exemplo, há registro confirmado de um único indígena isolado, sobrevivente de vários massacres. Seus últimos parentes foram exterminados em 1995. Saiba mais aqui. O território está ameaçado por três hidrelétricas.
É no Pará onde os impactos podem ser maiores. São nove projetos e mais de 8 milhões de hectares de florestas que podem ser afetados. A Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio, onde há ao menos um registro de grupo em isolamento, pode sofrer as consequências da construção de 12 PCHs e da “Ferrogrão”, ferrovia planejada para escoar grãos produzidos no Mato Grosso até o Pará.
Além do impacto direto, esses empreendimentos também impulsionam novas frentes de migração, provocando o aumento da busca por terras, da grilagem, do desmatamento, da extração ilegal de madeira e do garimpo.
Para garantir os direitos desses povos e a proteção da floresta, é fundamental que a Funai conclua os processos administrativos dos registros em situação de informação ou em estudo para que sejam confirmados - sobretudo para aqueles povos que vivem fora de áreas protegidas. Para isso, é necessário o fortalecimento das Frentes de Proteção Etnoambiental da Funai, com mais verbas e recursos humanos para os estudos e expedições desses povos.
Caso o licenciamento destas obras inicie antes da qualificação destes registros, as
medidas mitigadoras e condicionantes estabelecidas pelos órgãos responsáveis pelo
licenciamento podem não considerar esses territórios e povos, violando seus direitos fundamentais.
Para os registros de povos indígenas isolados já confirmados pela Funai e que se encontram fora das TIs, é necessário que a Funai publique as portarias de restrição de uso para estes territórios e os órgãos responsáveis pelo controle ambiental intensifiquem as operações de fiscalização nas TIs e UCs com presença destes povos.
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