Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Uma celebração do conhecimento indígena do Alto Rio Negro (AM) ocorrerá nessa sexta-feira, dia 13 de setembro, em pleno coração de Berlim, capital alemã. No momento em que a Amazônia torna-se destaque na imprensa mundial devido ao desmatamento e às queimadas, o Humboldt Forum, no centro de Berlim, exibirá projeções feitas por desenhistas indígenas dos povos Tukano sobre o seu calendário anual, que tem nas constelações astronômicas uma de suas referências principais.
O evento marca a comemoração de aniversário de 250 anos do naturalista Alexander von Humboldt, um dos principais nomes da ciência e referência do iluminismo alemão. O cientista dá nome ao museu, que está em obras desde 2012 e passará a funcionar em setembro de 2020.
A proposta do Fórum Humboldt, às margens do Rio Spree, é ser um espaço voltado às culturas do mundo e à história intelectual da humanidade, fazendo com que as coleções de arte e cultura não-europeia dialoguem com o acervo da Ilha dos Museus, região de Berlim dedicada à vida cultural e artística. Nestes dias 13 e 14 de setembro, a projeção em video mapping (projeção mapeada) dos desenhistas indígenas dos povos Tuyuka e Tukano da Terra Indígena Alto Rio Negro levará ao publico alemão uma amostra do que Alexander von Humboldt conheceu na Amazônia em finais do século XVIII, quando percorreu 2.250 quilômetros, entrando em contato com boa parte da fauna e da flora até então totalmente desconhecida da ciência. Um dos seus maiores feitos nessa expedição foi também mapear o Canal do Cassiquiare e comprovar a ligação entre as bacias dos Rios Orinoco e Amazonas. Humboldt foi o primeiro cientista a confirmar o encontro das bacias e apontar sua localização exata no extremo sul da Venezuela, próximo à fronteira com o Brasil.
A projeção dos ciclos anuais foi desenvolvida na sede do Instituto Socioambiental (ISA), em São Gabriel da Cachoeira, durante uma semana, quando os desenhistas trabalharam em colaboração com os antropólogos Thiago Oliveira (Museu do Índio), Andrea Scholz (Museu Etnológico de Berlim), Aloisio Cabalzar (ISA) e do artista manauara Raiz Campos, cuja especialidade é o grafite em grandes dimensões. “Essa é uma forma de colocar outros modos de conhecimento em jogo nesse palco central da antropologia e da museologia na Europa”, ressalta Thiago, que é também documentarista e fez as filmagens dos desenhistas em um estúdio montado no ISA, usando iluminação especial e três placas de policarbonato transparente que criaram a impressão de que os desenhistas pintam diretamente na fachada do prédio.
Para Andrea Scholz, essa celebração do conhecimento indígena no Centro de Berlim é muito importante e demonstra a força da cultura indígena. “Esse momento que o Brasil está passando é muito importante ter parceiros e dar visibilidade aos povos indígenas. O nosso grande desafio também é transportar a ideia em si e não só a ideia de exotismo”, enfatiza a antropóloga que esteve em São Gabriel pela primeira vez para acompanhar a oficina e há dois anos vem trabalhando em parceria com o ISA no âmbito do projeto “Saberes Compartilhados” do Museu de Etnologia de Berlim.
Desenhistas e pesquisadores indígenas viajaram essa semana para Berlim para a celebração, acompanhados pelo antropólogo do ISA, Aloisio Cabalzar. Felix Rezende Barbosa, da etnia Yebamasã, Ismael Pimentel dos Santos, Desano, e Damião Amaral Barbosa, também Yebamasã, moradores da TI Alto Rio Negro, foram convidados pelo Humboldt Forum e participarão da festa para Humboldt e para os povos indígenas do Rio Negro.
Segundo Damião, “o trabalho que fizemos em São Gabriel para sair na projeção foi mais com as constelações, que são importantes em nosso calendário. As constelações são observadas, desde a primeira até a última, para identificarmos a sequência de verões e invernos, subida de peixes, fenologia das plantas, quando começa a limpeza das roças, derrubação, queima e plantio, e também é bom lembrar em que constelação a gente realiza cada cerimônia, que tipo de benzimento, de dança... não é qualquer tipo que se realiza em qualquer tempo. Assim, por exemplo, no tempo de frutificação a gente faz dabucuri de frutas para os cunhados.”
A pesquisa dos ciclos anuais no Rio Tiquié e do Rio Negro que embasou a produção das projeções no Humboldt Forum “parte do princípio de que os povos indígenas são os que melhor conhecem a Amazônia, onde estão presentes há milênios e que ajudaram a produzir e a reproduzir. Diversos ecossistemas e paisagens amazônicos são produtos de interações persistentes entre as sociedades indígenas e seu meio ambiente”, comenta Cabalzar, do ISA, na apresentação da publicação Ciclos Anuais no Rio Tiquié (Pesquisas Colaborativas e Manejo Ambiental no Noroeste Amazônico).
*
Humboldt Forum - Com investimento público de cerca de 590 milhões de euros e mais 100 milhões de euros em doações privadas, o espaço reconstrói o antigo Palácio de Berlim, que por cerca de dois séculos foi residência dos imperadores prussianos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o prédio foi seriamente danificado e em 1950 foi implodido pelo governo comunista da então República Democrática da Alemanha, que construiu no lugar o Palácio da República (onde ficava também a Câmara do Povo). Após a queda do Muro, a reunificação da Alemanha e longos debates, o Parlamento aprovou a ousada reconstrução do Palácio com o projeto do arquiteto italiano Franco Stella, que mescla estilo barroco e arquitetura contemporânea. Saiba mais nesse vídeo feito pela Deutsche Welle - DW Brasil.
Para saber mais sobre a colaboração intercultural e interdisciplinar entre pesquisadores indígenas do rio Negro e museus, leia artigo na Revista Aru 3.