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Para o Brasil crescer, não é necessário derrubar árvores e extrair minério do subsolo. Tampouco é preciso aumentar as monoculturas e gado na região para “suprir” a demanda de alimentos no mundo. Esses e outros mitos comuns -- e repetidos à exaustão pelo atual governo -- são desconstruídos com abundância de dados pelo economista Ricardo Abramovay em sua mais nova publicação, Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza.
No livro, organizado em pequenos tópicos, o pesquisador comprova com fatos que as consequências do avanço do desmatamento são, na realidade, terríveis para a economia da Amazônia. E para a própria democracia no país.
“O desmatamento da Amazônia não é só um acontecimento de natureza ecológica ou econômica. Existe uma dimensão política muito importante. Essa ilegalidade não é dispersa, ocasional e espontânea, mas organizada, e gera consequências muito graves do ponto de vista democrático, porque acaba resultando em ameaças, mortes”, alertou Abramovay.
Exemplos concretos disso foram os assassinatos de indígenas do povo Guajajara, no Maranhão, e a perseguição a ativistas no Pará, em 2019 -- um ano marcado por graves retrocessos na pauta socioambiental. Preocupadas, organizações e representantes da sociedade civil chegaram a denunciar em carta à COP-25, a 25ª edição da Conferência do Clima da ONU, a escalada autoritária que o Brasil vive.
De acordo com Abramovay, o discurso oficial tem o poder de alimentar e referendar a ação dos atores interessados na ocupação e exploração ilegal da Amazônia. “Uma parte imensa do desmatamento atual se intensifica nas áreas protegidas, que serviam justamente de anteparo à devastação. A expectativa de ter posse dessas terras antes era baixa. Porém, com o governo sinalizando o fim ou a redução drástica das multas e, ao mesmo tempo, apoiando um regime de reconhecimento de propriedades ilegais”, o cenário se inverteu, sustentou. Em dezembro, estudo do ISA comprovou que os alertas de desmatamento dispararam em municípios citados em falas de políticos contra a fiscalização ambiental. Além disso, foi registrado um novo arco do desmatamento, com 11 novos municípios alavancando a derrubada na maior floresta tropical do planeta.
Recheado de dados e com linguagem acessível até para quem não está familiarizado com a temática, Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza consegue desmontar com números oficiais as principais fake news sobre a região. Uma das mais disseminadas, a de que é necessário derrubar árvores para abrir espaço e impulsionar a economia local, é desmentida logo na introdução do livro. “Se esse mito fosse real, quando o desmatamento caiu [86% entre 2004 e 2012], deveria ter caído também a produção. E não é verdade. Pelo contrário: a produção convencional de soja e de carne aumentou”, disse Abramovay.
“Hoje a Amazônia concentra 13% da produção de soja e uma parte grande da produção de carne. Se a soja e a carne tivessem um efeito multiplicador de criação de condições sociais favoráveis, os indicadores da Amazônia não seriam os piores do país”, continuou. “Isso porque as produções convencionais, como resultado da destruição florestal, não são geradoras de emprego” e, quando apresentam algum potencial, este se focaliza no processamento, atividade que não acontece em municípios próximos à área de produção e nas principais capitais da Amazônia. “Ele tende a se concentrar muito mais em áreas urbanas do Centro-Oeste”, sublinhou.
Outra afirmação que o livro rebate é a de que o mundo precisa de alimento, e as terras no resto do planeta já estão ocupadas. Nesse raciocínio, restaria ao Brasil a tarefa de alimentar o mundo destruindo a floresta. Abramovay é taxativo: “se o país deixar de oferecer internacionalmente as matérias-primas, outros ocuparão o lugar. Cada vez mais os mercados serão regidos pela capacidade de oferecer produtos de qualidade e que não agridem o meio ambiente”, argumentou. Segundo ele, há setores do agronegócio que já perceberam essa mudança, mas outros que insistem “no caminho mais tradicional e destrutivo”.
Como o livro confirma, os padrões produtivos de soja são intensivos em tecnologia e não em dimensão de território. “Se o agro é tech, por que precisa desmatar? Prova disso é que a mesa da soja, que reúne 7 mil produtores no Brasil, Argentina. EUA, China. Moçambique e vários outros países, apoia o desmatamento zero. É muito melhor do que a posição dos 'não trogloditas' brasileiros, que preconizam o desmatamento ilegal zero”, criticou. Segundo Abramovay, o único caminho possível é zerar imediatamente o desmatamento: “a mensagem central, no caso brasileiro, é que lutar contra as mudanças climáticas significa melhorar a vida dos brasileiros. Se você zera o desmatamento, o país melhora. É fato”.
Para o especialista, existem duas razões para a intensificação do cenário de ataques -- especialmente aqueles direcionados a ONGs e ativistas. A primeira se conecta a uma tendência global de ressurgimento de ideias reacionárias e autoritárias. “Todos os governos de extrema-direita que foram eleitos recentemente chegaram ao poder com a promessa de acabar com o ativismo. Sem exceção. Na Hungria, na Polônia e, evidentemente, também no Brasil”, afirmou. O denominador comum em todos esses países é o estímulo e a legitimação de um cenário de criminalização das organizações. O Greenpeace, ONG ambiental com mais de 30 anos de luta, foi associada pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao vazamento de óleo que afeta o litoral do Nordeste. Em 2015, foi expulsa da Índia, governada pelo ultranacionalista Narendra Modi.
A segunda razão, argumentou Abramovay, se refere ao plano local. “O ativismo na Amazônia tem uma particularidade que é profundamente irritante para os setores que prosperam com base em atividades convencionais -- como o cultivo da soja e de gado -- e também sobre atividades ilegais, como a exploração de madeira, grilagem de terras e garimpo: a forte relação com a comunidade científica”. Conforme explica o economista, as grandes ONGs não só são fonte para trabalhos científicos, mas parte dos ativistas publica artigos nas melhores revistas internacionais. “O vínculo com a comunidade científica dá uma autoridade muito forte ao ativismo”, defendeu.
Outro valor importante é a capacidade de intermediar e desenvolver alternativas à política predatória e destruidora. Um exemplo são os “produtos da floresta”, coletados e produzidos por indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas na Amazônia. O fortalecimento dessas cadeias ajuda a assegurar os direitos das populações envolvidas e a manutenção e valorização de seus conhecimentos, com geração de renda e promoção da qualidade de vida. “Não é só um ativismo de protesto e denúncia, mas também de propostas de alternativas. Na verdade, o ativismo conseguiu respaldo científico e legitimidade social por causa dessa postura construtiva, com empreendedorismo voltado à sustentabilidade, o que incomoda quem procurou até hoje legitimar atividades ilegais e predatórias como o melhor para o Brasil”, concluiu Abramovay.
Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza
Autor: Ricardo Abramovay
Coedição: Elefante, Outras Palavras, Abong, Iser & Terceira Via
Dimensões: 13 x 21 cm
ISBN: 978-85-93115-54-7
Páginas: 112
Preço: R$ 29,90