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Comunidades indígenas e tradicionais boicotam audiência do MMA sobre lei de biodiversidade

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Protesto contra falta de consulta aos detentores de conhecimento tradicional na formulação e na regulamentação da Lei 13.123/2015 esvaziou a audiência pública, realizada na semana passada, em Brasília
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Debate promovido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), na semana passada, em Brasília, para colher subsídios para a regulamentação da Lei 13.123/2015 – que regula o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional – foi mais vazio do que o esperado. Povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares decidiram boicotar a audiência pública em protesto contra a forma como o governo vem conduzindo a formulação e regulamentação da lei. Eles também divulgaram carta aberta em que repudiam e pedem a revogação da lei, por ela ferir princípios constitucionais e seus direitos básicos.

“Estamos vivenciando um dos momentos de mais expressivos genocídios da nossa história, declaradamente por meio de grandes projetos, grilagem de terras, expropriação e invasão, assassinato de lideranças e muito mais”, afirma o documento. Ele expõe a violação dos direitos dos povos tradicionais e indígenas na formulação lei e o desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas sobre quaisquer medidas que afete seus territórios (leia a carta na íntegra no final da notícia).

“O tema, além de ser polêmico, é pautado por muita desinformação”, contestou Rafael de Sá Marques, diretor do Departamento do Patrimônio Genético do MMA, após a leitura da carta na audiência. Para ele, as críticas do documento não contemplam o real conteúdo da legislação: por exemplo, não se justificaria o receio de que de que povos e comunidades tradicionais não teriam direito ao uso de seus conhecimentos e de que não poderiam negar o acesso a seu patrimônio genético.

“O processo de regulamentação que está ocorrendo não contempla o que eles [povos indígenas e tradicionais] consideram adequado”, afirmou o procurador da República Anselmo Lopes. Ele destacou que essas comunidades e agricultores familiares vêm tendo “dificuldade de aceitar a lei, não só pelo conteúdo, mas pela forma como ela tramitou até ser aprovada”. Foi Lopes quem pediu para a carta ser lida na audiência.

César Carrijo, representante da Casa Civil, afirmou que a complexidade do tema teria impedido o governo de apresenar uma minuta de decreto na audiência, apesar de este ter sido o seu objetivo. Carrijo apresentou o que chamou de “minuta zero”, primeira sugestão da Casa Civil para a regulamentação de alguns pontos da lei. A proposta pode ser acessada no site do MMA e há espaço para envio de críticas e sugestões até 30/10.

“O governo está colhendo os frutos do que semeou ao formular uma nova lei sem consultar povos indígenas e comunidades tradicionais”, critica Nurit Bensusan, especialista no assunto e assessora do ISA. Ela argumenta que as oficinas regionais sobre a regulamentação organizadas pelo governo, quando muito, serviram para dar uma dimensão para os detentores de conhecimento tradicional da “afronta” que foi a tramitação e o texto da lei.

“A regulamentação pode, no máximo, mitigar alguns dos estragos, mas os direitos desses povos e comunidades foram desprezados. E pior, quem diz que a atitude deles, ao boicotar essa audiência pública, é derivada de desinformação, menospreza não apenas os direitos desses povos, como também sua inteligência”, conclui.

A audiência contaria com representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural, Reforma Agrária e Agricultura Familiar (Condraf) e Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). Com o boicote, os representantes do governo foram acompanhados apenas por representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Lei de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional

A Lei 13.123/2015 vai regular o acesso e exploração econômica do patrimônio genético brasileiro e dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. Ela substituirá a Medida Provisória nº 2186-16/2001 e entrará em vigor em meados de novembro, mas necessita de um decreto para que seja implementada, pois seu texto remete mais de 30 pontos para a regulamentação. Após uma tramitação apressada e pouco democrática, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de em maio de 2015.

CARTA ABERTA DA OFICINA NACIONAL EM BRASÍLIA/DF

Nós, Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares presentes entre os dias 19 e 21 de outubro de 2015, na oficina nacional referente à Lei 13.123/2015 que trata sobre acesso aos conhecimentos tradicionais, patrimônio genético e repartição de benefícios, vimos por meio desta repudiar a forma como o Estado brasileiro tem conduzido a discussão.

Primeiro, por violar nossos direitos constitucionais garantidos na Carta Magna de 1988, pela legislação ordinária e por Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, tais como Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção da Diversidade Biológica; Convenção sobre a Diversidade de Expressões Culturais; Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura; Declaração Universal dos Direitos Humanos; Declaração e Programa de Ação adotadas na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, África do Sul); Declaração da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, de forma perversa e em razão desse cenário que ameaça a existência de absolutamente todas as populações indígenas, povos e comunidades tradicionais, os quais constituem a base da soberania e democracia constitucional do País.

Segundo, por burlar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho no que concerne ao direito de consulta livre, prévia e informada, também endossado nos acordos acima citados.

Terceiro, pela recusa explícita em nos apresentar a minuta de Decreto da Lei 13.123 de 2015 ou qualquer outra proposta que trata da regulamentação da referida Lei, o que implica diretamente na obstrução e confronto direto com a própria Constituição Federal além dos acordos internacionais já mencionados.

Portanto, nestes termos, que fique claro que todas as oficinas regionais sobre a referida Lei, não pode tampouco deve configurar sob hipótese alguma caráter consultivo, visto que estas não preenchem os requisitos exigidos de como deve ser para uma consulta pública. E ainda, o desdém com que se referem a nós.

Estamos vivenciando um dos momentos de mais expressivos genocídios da nossa história, declaradamente por meio de grandes projetos, grilagem de terras, expropriação e invasão, assassinato de lideranças e muito mais, tudo isso ocasionado pela falta de vontade política clara quanto à regularização, demarcação e titulação dos territórios tradicionais (Terras Indígenas, Territórios Quilombolas, Reservas Extrativistas, Territórios de Fundos e Fechos de Pasto, Territórios das Quebradeiras de Coco Babaçú, Catadoras de Mangaba, Territórios de Povos de Terreiro, Retireiros do Araguaia, Pomeranos, RESEX Marinhas, Vazanteiros, Geraizeiros, Pescadores de água doce e salgada, caiçaras, pantaneiros, ilhéus, raizeiras, faxinalenses, benzedeiras) inclusive a garantia de Territórios Ciganos a fim que sejam oportunizados de manterem seus cultivos silvopastoris, expondo-nos a um processo devastador da nossa cultura, perda de identidade e de práticas tradicionais que ameaçam como nunca os PCTS do Brasil.

É inadmissível não ter assegurado nossos direitos consuetudinários de praticar a medicina tradicional e ancestral a partir dos nossos conhecimentos tradicionais. Nossos usos e costumes são passados e repassados de geração a geração a indivíduos escolhidos pela natureza e que segue rigorosamente rituais espirituais impossíveis de outras pessoas absorverem, que não sejam aquelas respaldadas por suas comunidades e principalmente por seus guias espirituais.

Nós, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares repudiamos a PEC 215/2000, na medida em que essa proposta aniquila os direitos territoriais conquistados, e exigimos seu imediato arquivamento.

Repudiamos terminantemente a Lei 13.123/2015 e exigimos de imediato que seja feito consulta livre, prévia e informada, conforme rege a Convenção 169 da OIT, bem como demais acordos internacionais ratificados pelo Brasil, de modo que seja revogada a referida lei por ferir princípios constitucionais.

Brasília/DF, 21 de outubro de 2015.

Victor Pires
ISA
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